André Street: fundador da companhia, que agora estava apenas à frente do conselho de administração, retomou presença cotidiana no negócio e agenda de executivo (T. Fallon/Bloomberg)
Graziella Valenti
Publicado em 1 de setembro de 2021 às 10h15.
Última atualização em 3 de setembro de 2021 às 10h54.
O sócio-fundador da StoneCo, André Street, está de volta à rotina diária na companhia, com a barriga no balcão. Street é presidente do conselho de administração, mas retomou sua agenda diária no negócio, em julho, quando a companhia se deu conta dos desafios que teria pela frente na operação de crédito. Foi reforçar o time, ao lado de Thiago Piau e Augusto Lins.
Desde então, além de estar envolvido diretamente nas decisões relacionadas a essa atividade, tem se encontrado com autoridades, parceiros, clientes. O foco é sempre o mesmo: encontrar uma solução para o funcionamento da plataforma de registro de recebíveis dos cartões de crédito.
A companhia registrou um prejuízo de R$ 150 milhões no segundo trimestre deste ano, em razão de uma baixa de quase R$ 400 milhões, relacionada à perda com a concessão de crédito. O problema se tornou um drama no mercado. A ação da companhia, que chegou a superar US$ 95 em fevereiro, encerrou o pregão de ontem na Nasdaq com queda de quase 6%, a US$ 46,54. O valor de mercado da companhia que chegou quase aos US$ 35 bilhões terminou o dia ontem em torno de US$ 14,5 bilhões.
Não é por acaso, portanto, que na lista de compromissos de Street também estão conversas com investidores para explicar quais são os problemas do mercado de recebíveis, quais são os planos da Stone e ainda para fazer um “mea culpa” da parte que cabe à empresa no quadro atual.
Não fosse essa questão, a companhia e seus investidores estariam comemorando. O segundo trimestre teria registrado a primeira receita líquida acima de R$ 1 bilhão, o que seria uma expansão de 68% sobre igual período de 2020. A base de clientes ativos também alcançou a marca histórica de mais de 1,0 milhão, com o incremento de 188 mil usuários pagantes.
O volume de pagamentos (TPV) que passaram pela rede da companhia foi o maior da história, trimestralmente, descontado os efeitos do coronavoucher: R$ 58,6 bilhões, quase 65% de expansão ano contra ano. Considerando apenas as pequenas e médias empresas, esse volume deu um salto superior a 103% na comparação anual, para R$ 39,3 bilhões.
Aos investidores, Street começa explicando: “A Stone nasceu, desde seu dia 1, para dar crédito. Nasceu esperando o dia 7 de junho chegar”, comenta, referindo-se à data em que foi inaugurado o sistema de negociação e registro de recebíveis de cartões permitido pelo Banco Central (BC). Os cartões movimentaram nada menos do que R$ 2 trilhões em pagamentos em 2020 e a expectativa é que esse total alcance perto de R$ 2,4 trilhões neste ano.
Com isso, ele deixa claro duas coisas. A primeira é que, apesar de ter suspendido a concessão de recursos até que se solucione o problema estrutural do mercado, essa continuará sendo a missão da companhia. E a segunda, que os pioneiros pagam o preço da quebrar as pedras dos caminhos. A Stone sempre esteve ativamente envolvida nas discussões e debates para abertura desse mercado.
Na estratégia central para crédito da Stone, está a perspectiva de os micro, pequenos e médios negócios terem acesso a crédito no Brasil como nunca tiveram até agora juntos aos grandes bancos comerciais. Como? Oferecendo, como colateral aos compromissos, os recebíveis de cartão de crédito. É como um consignado da pessoa jurídica. No lugar do salário, o empreendedor compromete uma parte de sua receita futura. Se for considerado que os varejos possam comprometer entre 5% e 10% de sua receita, seria como estimar esse mercado entre R$ 200 bilhões e R$ 400 bilhões ao ano.
O sucesso dessa operação está calcado em dois pilares: o acesso a dados que a Stone tem dos clientes, tornando a projeção de receita possível (um dos motivos pelo qual, inclusive, investiu mais e R$ 6,5 bilhões na compra da empresa de software Linx) e o bom funcionamento da estrutura planejada pelo BC.
Com isso em mente e vocacionada desde o nascimento para o crédito, a Stone foi com bastante sede ao pote. Ao fim do primeiro trimestre deste ano, já havia acumulado quase R$ 2 bilhões em sua carteira de crédito.
Ocorreu que o sistema de registro de negociações e registro de recebíveis não funcionou como o planejado pelo Banco Central. Cada companhia consegue ver apenas o volume de sua própria plataforma e não consegue visibilidade de todo o mercado. Parece um pequeno problema, mas não é.
Por que? Bem, o crédito é dado aos clientes tendo como colateral a receita que passa pela maquininha da Stone. Pois o que se viu é que os contratantes, para evitar pagar um percentual elevado da receita total, começam a concentrar os pagamentos em máquinas de concorrentes, para evitar o desconto e a visibilidade pela Stone. Se o sistema fosse transparente para todos, os varejistas não teriam como fazer esse “desvio” ou “vazamento” de recursos.
Daí que, dos quase R$ 2 bilhões de crédito concedidos, um total de R$ 780 milhões estão provisionados como créditos de qualidade duvidosa, com uma cobertura de 112%.
A quem pergunta, Street diz acreditar que o problema poderá estar resolvido entre três a seis meses, em uma perspectiva otimista. Contudo, nem todos que assistem ao imbróglio, em especial ao funcionamento da CERC, estão com a mesma expectativa.
A Cerc é uma das registradoras que o BC deu permissão para operar com os recebíveis; a CIP é outra, mas pertence aos grandes bancos, e a TAG, da própria Stone, a terceira, mas menor. A B3 também vai entrar nesse mercado e recebeu autorização nessa semana para início das atividades.
Um desafio de colocar tudo funcionando, conforme o EXAME IN apurou, acompanhando o tema desde o começo, é que os grandes bancos — parceiros fortes no desenvolvimento de soluções junto ao BC — não têm interesse no bom funcionamento desse mercado. Para eles, é justamente essa transparência que trará mais concorrência das fintechs, o que fará com que os spreads tendam a cair brutalmente (ainda que os grandes bancos neguem recursos para a imensa maioria dos pequenos e médios negócios Brasil adentro).
Street não tenta evitar a parcela de responsabilidade da Stone pelas perdas, conforme relato de quem esteve com ele. O "pecado" da empresa não está na questão estrutural do mercado, mas no fato de a companhia ter decidido manter o risco de crédito dentro de seu balanço. Ele teria dito, a um dos interlocutores ouvidos pelo EXAME IN, que a empresa se “expôs de forma exagerada”.
Assim como boa parte das fintechs que atuam com crédito, o risco deveria ter sido repassado ao mercado. Ou seja, a Stone deveria ter vendido a carteira concedida para investidores. A estrutura já está montada para ser dessa forma, pois os direitos ficam dentro de um fundo. Mas não ocorreu assim na prática. Bancos e Fintechs que atuam nesse segmento vão funcionar como usinas de ativos ligados a crédito, haverá uma esteira de produção — ou seja, será contínua. O interesse pelos ativos de cada um dos players vai variar conforme a capacidade de cada um de gerar ativos de melhor ou pior qualidade.
Quando tudo estiver funcionando normalmente, o risco ficará dentro de uma companhia que não será consolidada pela StoneCo — a Stone Capital. Nessa empresa, haverá “funding”, ou seja, recursos de investidores, que são os compradores das carteiras.
Dois outros pontos que Street está reforçando: não haverá possibilidade de fornecimento de crédito sem que o cliente tenha conta bancária com a empresa, o que traz mais segurança ao processo, e também não haverá mais dinheiro sem garantias. Ponto. Esse foi o aprendizado do processo. No segundo trimestre, a empresa registrou recorde de adesão ao Stone banking, que alcançou uma base total de 340 mil usuários.
Mas ele reforça que a empresa não mudou em nada nem a vocação para o crédito, nem a perspectiva de que terá uma grande acurácia na capacidade de análise de dados. Esse foi um dos motivos da compra da Linx, que dará um acesso a dados muito mais profundo do que apenas as maquinhas.
O crescimento da base de clientes e do TPV, portanto, significamente que o aquário da companhia para o crédito está cada dia mais cheio de peixes.
A visão que Street têm transmitido aos investidores é que, dentro de poucos anos, não haverá praticamente mais diferença entre bancos e as companhias de meios de pagamento. “No futuro, todos os players estarão misturados”, diz ele sobre o desenho que se vê no setor. Banco Inter, Stone, PagSeguro, Banco Pan (do mesmo grupo de controle da Exame), até mesmo iFood, Mercado Livre, e os demais estarão todos no mesmo barco, disputando os mesmos clientes em várias situações.
“Haverá inclinações de negócios diferentes, com diferentes capacidades e regulações, aqui e acolá, ajustadas a cada atuação”, diz um dos gestores de recursos com o qual o fundador da Stone conversou.
Conta bancária, cartão, PIX, transações, boletos e crédito vão estar na oferta de cada um desses participantes do mercado. Para o brasileiro, finalmente a perspectiva de crédito, queda do spread e bancarização. Mas, ao que tudo indica, para tudo funcionar azeitadamente, o BC vai ter que dar um empurrão na estruturação da mecânica e na interoperabilidade dos sistemas todos.
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