Projeto de Lei: entidades estão preocupadas que mudanças possam dificultar os investimentos e a contratação de talentos (Hiroshi Watanabe/Getty Images)
Carolina Ingizza
Publicado em 11 de agosto de 2021 às 15h30.
A proposta de reforma tributária, que altera a cobrança no Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas, apresentada pelo governo no final de junho causou insatisfação geral e imediata do empresariado brasileiro. Para além do debate sobre a tributação de dividendos em 20%, que provocou a maior reação, a nova versão do texto apresentada pelo relator, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA), na última semana preocupou especialmente o setor de startups. O Projeto de Lei (PL) 2.337/21 não fala especificamente sobre as empresas de tecnologia de alto crescimento, mas, segundo advogados e empreendedores ouvidos pelo EXAME IN, cria mecanismos que podem dificultar a obtenção de investimentos e a contratação de talentos por parte dessas empresas.
Depois de receber o substitutivo na quarta-feira passada, dia 4, a Câmara dos Deputados aprovou um requerimento de urgência de tramitação para o projeto. A votação deve acontecer já nesta quarta-feira, 11. Para Rodrigo Afonso, presidente do grupo Dínamo, que articula políticas públicas para o ecossistema de startups, a pressa em aprovar o projeto é problemática. "O ecossistema envolve diversos atores, como investidores internacionais e anjos, cada um com suas particularidades. Não dá para aprovar uma mudança como essa, que pode destruir mercados e empresas, a toque de caixa, sem avaliar com a sociedade", afirma.
O ponto que mais preocupa os advogados ouvidos pelo EXAME IN é a mudança na cobrança de impostos em caso de reorganizações societárias para controladores estrangeiros e sócios minoritários, como investidores-anjo. "A proposta quer tributar os sócios minoritários e controladores estrangeiros a valor de mercado quando fazem a reestruturação, o que seria cobrar ganhos de capital que ainda não foram realizados", afirma Aloysio Meirelles de Miranda Filho, sócio do escritório de advocacia Ulhôa Canto.
Hoje, as startups brasileiras costumam iniciar as operações no país, captar investimento com anjos e fundos locais, e depois, quando precisam de mais capital, buscam investidores internacionais. Nesse processo de captação lá fora, a maior parte das empresas de venture capital exige que as startups levem suas operações para o exterior, normalmente em Delaware, nos Estados Unidos, e nas Ilhas Cayman, para facilitarem o processo e evitarem o risco jurídico do Brasil. Segundo os advogados, a tributação durante a reestruturação dificultaria o processo de captação e seria um desincentivo para investidores que buscam negócios iniciantes. Afinal, eles teriam que pagar impostos de 15% a 22% sobre o valor de mercado da companhia a cada nova reorganização societária, sem necessariamente terem realizado algum ganho.
A mudança pode atrapalhar os investimentos justamente quando eles estão engrenados e atingindo níveis inéditos no Brasil. Dados do hub de inovação aberta Distrito apontam que as startups brasileiras receberam US$ 485 milhões só no mês de julho. Em sete meses acumulados de 2021, foram quase US$ 5,7 bilhões — fluxo liderado principalmente por investidores internacionais, como o grupo SoftBank. Essa parcial é 63% superior a tudo que foi movimentado em 2020, e já tinha sido recorde.
Mas não é só no venture capital que o novo modelo de reestruturação pode causar problemas. “Essa mudança de taxar a valor de mercado também cria custos maiores para empresas que querem se listar fora do país, onde há maiores possibilidades de financiamento. Isso é prejudicial para o Brasil, porque essas empresas captam dinheiro lá fora, mas tocam as operações aqui”, diz Vinícius do Nascimento Carrasco, diretor da Associação Brasileira das Instituições de Meios de Pagamentos (Abipag). Só nos últimos anos, empresas de tecnologia como PagSeguro, Stone, XP, Arco Educação e, mais recentemente, VTEX abriram capital nos Estados Unidos.
Do ponto de vista operacional, a maior preocupação é com a não dedutibilidade das stock options — mecanismos em que a empresa dá a funcionários a opção de compra de ações no futuro como um atrativo adicional. No mercado de tecnologia, a prática é comum porque boa parte das empresas jovens não conseguem oferecer salários tão altos como os do mercado tradicional, então optam pelas opções para contratar profissionais mais seniores. “É uma forma da empresa atrair e reter talentos, alinhando os incentivos com os funcionários a longo prazo, que esperam que a empresa venha a ser listada”, explica Rodrigo Brunelli Machado, sócio do escritório de advocacia Ulhôa Canto.
No texto apresentado à Câmara, os pagamentos em ações de startups não poderiam mais ser deduzidos pela empresa como despesas operacionais. Assim, o custo dessa operação ficaria maior, o que inviabilizaria a prática enquanto a disputa por talentos não para de crescer. A Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) estima que até 2024 haja um déficit de 264.000 profissionais de tecnologia no Brasil.
A Locaweb, uma companhia de 20 anos, que se reinventou e listou ações na B3 em 2020, é um exemplo do quão importante são os planos de opções para executivos. A companhia oferece stock options desde 2009. A compra dos papéis pode ser exercida durante seis anos, desde o lançamento de cada pacote. Então, por exemplo, em 2021, os executivos podem exercer direitos concedidos em 2015. Com a empresa não era pública, os executivos ficaram com os papéis represados em suas ações.
Para se ter uma ideia da relevância financeira disso, basta olhar o que aconteceu neste ano. Conselheiros e executivos já venderam na bolsa o equivalente a R$ 40 milhões em ações, até junho. O pacote global de remuneração aprovado para todo ano de 2021 é de R$ 20 milhões. A atração de talentos e pessoas sêniores está diretamente relacionada a como esses profissionais podem ganhar ao optar por trocar a carreira em grandes empresas estabelecidas pelo engajamento em novo projeto.
Com ritmo de trabalho super acelerado das startups, muitas ainda não pararam para realmente entender o que está ocorrendo nos corredores de Brasília. Acabam por submeter o tema aos seus advogados. Mas quem foi olhar o assunto de perto, ficou de cabelo em pé. Sem investidores e sem talentos, o Brasil que ainda está dando certo não acontece.
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