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Startup pioneira em cannabis no Brasil fará mini-IPO de US$ 20 milhões

Entourage Phytolab já captou US$ 7 milhões desde sua fundação há cinco anos

Cannabis: mercado medicinal brasileiro tem receita potencial de US$ 1,4 bilhão (André Stapff/Reuters)

Cannabis: mercado medicinal brasileiro tem receita potencial de US$ 1,4 bilhão (André Stapff/Reuters)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 7 de outubro de 2020 às 12h50.

Última atualização em 7 de outubro de 2020 às 14h21.

Ninguém tem dúvidas que o mercado de medicamentos a base de cannabis tem grande potencial. Por onde se olha, os mais variados estudos apontam as milhões de pessoas que poderiam se beneficiar com o uso  — há mais de 40 doenças que podem ser tratadas pelo canabidiol — e o mercado bilionário a ser explorado. Mas, do uso recreativo em Woodstock até as farmácias, a trajetória desse mercado não é nada simples. Em especial no Brasil. Muito suor, zero diversão. Além de superar o preconceito, as empresas ainda precisam lidar com enorme burocracia e muita insegurança regulatória.

Mesmo assim, as iniciativas começam a florescer. A brasileira Entourage Phytolab, a primeira startup do país criada para atuar em pesquisa e desenvolvimento a partir da planta, está pronta para seu passo mais ousado desde que foi fundada pelo advogado Caio Abreu, em 2015. Especialista também em mercado de capitais, o empresário está estruturando uma captação de até 20 milhões de dólares por meio de um fundo de participações, para acelerar a fase de testes dos cinco medicamentos desenvolvidos pela empresa.

O fundo terá uma fatia importante da Entourage Phytolab, ainda não determinada. Em entrevista ao EXAME IN, Abreu contou que a avalição da companhia para essa operação deve ficar entre 40 milhões de dólares e 60 milhões de dólares. É como se, ainda sem se listar na bolsa, o fundo permitisse um mini-IPO da empresa — só que privado, não público. Será formado um comitê de investimento para a carteira, para que possa ter influência na empresa.

Desde que foi fundada, a companhia já recebeu aportes de cerca de 7 milhões de dólares, de um total de 10 investidores. “Fizemos a primeira importação para pesquisa científica do Brasil, em 2016”, conta o empresário a respeito da experiência acumulada nesse mercado, que passou a acompanhar de perto ainda em 2011 e também a conhecer e se envolver com pessoas do ramo. O interesse pela cannabis surgiu em 2005 devido a uma  dolorosa experiência pessoal com a mãe, que sofria de um câncer. “Hoje está bastante claro que a cannabis vai se transformar em uma commodity agrícola”, explica o fundador da Entourage. “Mas naquela época não havia nem patente para esse mercado.”

Antes de colocar o fundo da Entourage para ser distribuído no mercado, Abreu explica que precisa ser concluída uma rodada prévia de captação, no valor de 3,5 milhões de dólares — dos quais 2 milhões de dólares já foram obtidos. Quem entrar nessa fase, na prática, pagará uma avaliação implícita mais barata, em torno de 20 milhões de dólares. Por isso, a Entourage ainda não tem um banco mandatado para a operação, que deve ocorrer no começo de 2021. A companhia também passará a ser acompanhada por uma auditoria externa do clube das “big four”.

Abreu tem todo o ciclo mapeado em sua cabeça, naquilo que depende da companhia. Hoje, o time tem 12 pessoas. O plano é ampliar a estrutura e estar pronto para solicitação de registro à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) dos três primeiros produtos em 2022.

Em estágio mais avançado, o primeiro medicamento da Entourage, para epilepsia, já concluiu a fase I dos estudos clínicos — testes em humanos para avaliar a segurança. A próxima fase começa no primeiro semestre do ano que vem, com aplicação em um grupo de pessoas com a doença, onde será analisada a eficácia. O empresário explica que as estimativas oficiais apontam que o Brasil tem cerca de 2 milhões de pessoas que sofrem com a epilepsia, das quais cerca de 700 mil não recebem tratamento algum.

Os produtos 2 e 3, para dor crônica e aguda, estão com as formulações concluídas para realizar a fase I dos estudos, no segundo semestre de 2021. Já os medicamentos 4 e 5 são os mais inovadores da Entourage. Por isso, Abreu prefere ainda não revelar para que males serão destinados.

Ele estima que com 10 milhões de dólares consegue colocar tudo isso em andamento e o break-even, equilíbrio econômico, seria obtido em 2023, com retorno a partir do ano seguinte. Mas se obtiver os 20 milhões de dólares planejados, a Entourage pode antecipar esse calendário em cerca de um ano.

O desempenho do mercado medicinal da cannabis tem atraído investidores. O fundo de participações da Entourage será oferecido para investidores profissionais, ou seja, com patrimônio acima de 10 milhões de reais.  As primeiras oportunidades de aplicação nesse segmento começaram a ser oferecidas no Brasil no ano passado, pela gestora Vitreo e pela XP Investimentos. Nos Estados Unidos, há até mesmo um ETF dedicado, o MG Alternative Harvest, ou MJ, como é cotado e conhecido.

Mercado bilionário

No primeiro semestre deste ano, as autorizações emitidas pela Anvisa para importação de medicamentos a base de cannabis mais que dobraram, superando 7 mil. No mundo todo, os produtos estão sendo prescritos para tratamento Alzheimer, Parkinson, esclerose e outros males além da epilepsia. Os remédios são feitos a base do canabidiol, que não é o psicoativo procurado para o consumo recreativo. Ainda burocrático, o processo de importação foi ligeiramente facilitado pela agência brasileira, por meio da resolução 325. De janeiro a junho deste ano, foram importadas 16,15 mil unidades de medicamentos no Brasil, quase o equivalente às 18,9 mil importadas durante todo ano de 2019.

O estudo mais recente a respeito do mercado brasileiro é de 2018, realizado pela NewFrontier com o grupo The Green Hub, uma aceleradora de start-ups desse ramo. Na época, o levantamento estimou que a receita potencial da cannabis medicinal no Brasil poderia variar entre 328 milhões de dólares e 442 milhões de dólares, sem incluir o uso para tratamento de dores crônicas. Com a adição dessa possibilidade, a receita poderia alcançar até 1,4 bilhão de dólares. O levantamento considera que esses pontos serão alcançados em um período de 36 meses após a liberação da venda legal dos medicamentos.

A farmacêutica brasileira EaseLabs, que produz medicamentos a base de cannabis nos Estados Unidos, espera iniciar a produção local neste, após a aquisição de um laboratório em Belo Horizonte. A fabricação em solo nacional foi autorizada pela Anvisa no fim de 2019.

O Ministério da Saúde avalia a inclusão do canabidiol à lista de medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), para casos de doenças graves. A expectativa é que uma decisão a respeito possa ser tomada em fevereiro de 2021. Apesar das recentes iniciativas, o país ainda é considerado um dos mais atrasados na discussão, já amplamente realizada na Europa e nos Estados Unidos, e especialistas avaliam que a inseguraça regulatória ainda é elevada.

O debate  sofre com o estigma da classificação da cannabis como droga. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já recomendou que a Organização das Nações Unidas (ONU) mude a classficação da substância e passe a considerá-la terapêutica. Desde a década de 60, ela está na mesma categoria de risco que os opióides como a heroína, por exemplo.

 

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