Carta do Gestor da SPX lembra que a desarmonia entre Poderes eleva incertezas dos agentes econômicos e paralisa as pautas do Congresso (Exame/Divulgação)
Angela Bittencourt
Publicado em 13 de setembro de 2021 às 08h46.
Última atualização em 15 de setembro de 2021 às 18h25.
Um ano e meio de pandemia rendeu alguma inflação às principais economias que desaprenderam a conviver com alta de preços nos últimos muitos anos e rendeu ao Brasil uma inflação que trouxe à lembrança nosso histórico alarmante. Preços de energia elétrica e combustíveis em alta constante, além da taxa de câmbio, são razões domésticas que ajudam a explicar a proximidade do IPCA à marca de 10%. Um choque de oferta faz parte, porém, do inventário global de fatores que pressionam os preços. O Brasil não é exceção.
A complexa interdependência que as cadeias de produção têm da oferta de insumos da Ásia ultrapassa fronteiras. Resta torcer para que a vacinação avance e governos tenham alguma tolerância com algum nível de internações e casos mais graves da Covid-19. Quem descreve o “Efeito Borboleta” é a Carta do Gestor aos Investidores da SPX Capital, de Rogério Xavier – fundador e sócio da companhia e um dos mais respeitados gestores brasileiros. Por aqui, o cenário piorou no último mês, com o avanço da crise institucional e revisões para baixo na perspectiva de crescimento. A recessão está no radar.
“A política de tolerância zero ao vírus continua sendo perseguida por diversos países da Ásia, o que tem impedido a normalização das cadeias de produção, e continua sendo um limitante para o processo de recuperação global. No final de 2020, a escassez de semicondutores afetou diversas indústrias, muitas delas já no limite da capacidade em função do redirecionamento da demanda que aconteceu na recuperação do pós-Covid, com aumento de compras de eletrônicos e automóveis, por exemplo”, informa a SPX.
A Carta do Gestor comenta que o fenômeno, que parecia temporário, está durando mais tempo do que o esperado e as evidências recentes mostram que estamos longe da normalização: indicadores de restrições de oferta na cadeia produtiva de diversos países asiáticos continuaram piorando em agosto. Os níveis sugerem que o custo de transportar uma carga entre a Ásia e os portos da costa oeste americana está no nível mais alto em mais de dez anos.
A interrupção das operações no terminal de Meishan, no porto de Ningbo Zhoushan, na China, por mais de uma semana em meados de agosto por funcionários testarem positivo para a Covid, gerou um engarrafamento em diversos portos asiáticos, reverberando em novas interrupções nas cadeias de produção globais. Para se ter ideia da relevância do porto de Ningbo Zhoushan, em 2020, um bilhão e duzentos milhões de toneladas de carga circularam por ele que tem conexões com mais de 600 portos em mais de 100 países pelo mundo, lembra a SPX.
A gestora relata que os países da Ásia hoje são os mais atrasados no processo de vacinação. E avalia que, mais cedo ou mais tarde, os governos asiáticos também deverão migrar para uma aceitação maior de novas infecções, na medida em que os novos casos de Covid não lotem hospitais e não gerem colapso do sistema de saúde.
Nesse sentido, a Carta do Gestor da SPX acrescenta que os governos da Europa, Estados Unidos, Canadá e América Latina, além de alguns asiáticos como a Coreia, seguem seus planos de reabertura, mantendo a trajetória de crescimento global. “A aceleração da atividade no período de reabertura tem surpreendido positivamente em grande parte dos países e tende a permanecer forte, dando supor a um crescimento acima do potencial pelos próximos trimestres, apesar de alguns sinais de arrefecimento.”
As restrições observadas na oferta de insumos, como semicondutores, têm levado a um aumento global da inflação, destaca a SPX, fazendo com que os bancos centrais tratem essa rápida aceleração inflacionária como um fenômeno temporário, “mas com uma pulga atrás da orelha”.
A gestora pondera que o mercado tem permitido que os BCs lidem com a inflação dessa forma, com inflações implícitas bem-comportadas. Mas ainda que não haja pressa, pelo menos no mundo desenvolvido, a necessidade de remover os estímulos da crise tem aumentado. O Federal Reserve, o BC americano, continua ativamente discutindo a redução no ritmo de compra de títulos – o tapering. O Banco Central Europeu está indo na mesma direção, e o processo já foi iniciado na Austrália, Canadá e Nova Zelândia. Nos países emergentes, onde a preocupação com a ancoragem das expectativas e a inércia da inflação geralmente é maior, o processo de aumento das taxas de juros já começou há alguns meses.
“No Brasil, o cenário macroeconômico piorou no último mês, com o avanço da crise institucional, revisões para baixo no cenário de crescimento e o aumento das pressões inflacionárias”, diz a SPX para quem o aprofundamento da crise hídrica também traz desafios tanto do lado da inflação quanto da expansão da atividade. “Diante de um problema evidente há vários meses, o governo demorou para agir e tem mostrado pouca habilidade para conduzir uma crise delicada. Consultores especializados apontam um risco de 20%, nada desprezível, de racionamento. Ainda que não haja racionamento, a chance de apagões é ainda maior. Nesse cenário, nossas expectativas de crescimento seguem sendo revisadas para baixo, facilmente serão revistas para recessão.”
No campo institucional, acrescenta a Carta do Gestor, “estamos passando por um momento de grande tensão”. A SPX recorda que a Constituição de 88 diz que “Os três poderes são independentes e harmônicos” e o que não existe hoje é harmonia entre o Executivo e o Judiciário – clima que eleva as incertezas dos agentes econômicos e paralisa as pautas do Legislativo.
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