Solange Srour: “Infelizmente, a política fiscal botou o Banco Central em uma situação bem complicada” (UBS/Divulgação)
Editora do EXAME IN
Publicado em 29 de novembro de 2024 às 12h50.
Última atualização em 29 de novembro de 2024 às 12h51.
O combo de um pacote fiscal aquém do esperado com o impulso inflacionário potencial com a isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil formou uma tempestade perfeita para erodir ainda mais a credibilidade fiscal do Brasil – e deve trazer um trabalho ainda mais difícil para o novo presidente do Banco Central Gabriel Galípolo.
Enquanto parte dos economistas apontam algum grau de exagero na reação do mercado, que levou o câmbio a tocar os R$ 6,10 e a taxa de juros a mais de 14% para o segundo semestre de 2025, a diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour, acredita que, na falta de uma âncora fiscal a autoridade monetária vai ter de corroborar os prêmios de risco.
“Muita gente questiona se o Galípolo vai fazer o que o mercado está pedindo. Acho que é muito difícil não fazer, porque a situação é de tamanha falta de credibilidade fiscal, estamos numa crise de confiança tão grande, que se não fizer em uma ou outra reunião muito próximo do que o mercado está colocando, vai acabar tendo que fazer muito mais do que já está precificado depois”, afirma a economista.
“Infelizmente, a política fiscal botou o Banco Central em uma situação bem complicada”.
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Nas contas do UBS, o pacote fiscal anunciado ontem pelo governo deve resultar numa economia de cerca de R$ 50 bilhões nos próximos dois anos, bem menos que os R$ 70 bilhões estimados pelo governo.
Além da intensidade, a qualidade do corte também ficou abaixo das expectativas, com boa parte dependendo de pente-fino em benefícios e sem grandes mudanças estruturais, num momento em que o mercado precisava de um choque de credibilidade.
Na avaliação de Srur, o único ponto positivo ficou por conta da correção do salário mínimo, que deve ser de 2,5% no próximo ano, mas pode ser menor a depender do teto do arcabouço.
Passada a monumental quebra de expectativa na quinta-feira, 28, a economista avalia que, no curto prazo, pode haver alguma melhora na margem nos prêmios de risco a depender do apoio do Congresso ao pacote de cortes.
A previsão já se confirmou nesta sexta-feira, com o mercado reagindo bem ao anúncio dos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, de que haverá uma tramitação célere do pacote e que a discussão isenção de IR deve ficar para o ano que vem.
Uma melhora mais estrutural, contudo, dependeria de um cenário de ainda mais deterioração.
“O que faria uma melhora mais significativa é aquela velha frase: 'tem que piorar para melhorar'. Se o câmbio andar mais ainda, se o Banco Central tiver que dar na próxima reunião 100 basis-points, porque o mercado já vai estar quase lá, aí pode ser que o governo encontre o consenso.”
A seguir, a entrevista completa:
Qual sua conta das economias com o pacote fiscal anunciado?
O governo está falando em R$ 70 bi, mas nas nossas contas chega em algo mais perto de R$ 50 bilhões para os próximos dois anos. Se chegar de fato nesses R$ 50 bi, em algum momento nos próximos anos vai faltar espaço para gasto discricionário e vamos ter que voltar a rediscutir o arcabouço.
A despesa total dos benefícios sociais ligados ao salário mínimo e da previdência vai superar o teto. Ela não resolve o problema do arcabouço sobreviver aos próximos anos. Porque se o gasto do governo com previdência, com auxílio e BPC for muito acima de 2,5%, o arcabouço vai ficar sob júdice.
A única coisa realmente positiva foi a mudança de regra do salário mínimo, que foi mais forte que a veiculada antes. Mas o fato de não termos muita medida estrutural realmente é ruim. No caso do abono, especificamente, a regra foi muito mais gradual do que esperávamos.
O BPC é mais pente-fino, no fundo – que é uma coisa que eles não estavam conseguindo entregar e já estava um pouco na conta.
Como você está vendo o comportamento relação de dívida e PIB?
Ela vai continuar crescendo como pensávamos antes dessas medidas de ajuste, porque elas não trazem um primário muito melhor. Pelo contrário. Com essa reforma de renda pode ocorrer uma perda de receita. Não sabemos se a compensação vai ser full. Não muda a trajetória da dívida e pode até piorar.
Continuo achando que a dívida PIB vai crescer perto de 13 pontos dentro da administração Lula, o que é muita coisa.
No fim das contas, o que aconteceu aqui, a gente está contratando um paliativo, um fôlego para voltar a conversar em 2026, ano eleitoral?
Algum fôlego, mas menor do que o imaginávamos antes do próprio anúncio, independentemente do IR, porque o que se pensava é que ia ter um pouco mais de medida estrutural. Na verdade, contratamos um fôlego que não sabemos se vai durar até 2026. E inevitavelmente vamos ter que discutir isso em 2027.
Na prática, a ideia era criar uma ponte para 2026, mas essa ponte já nasce com uma perna quebrada, porque é pouca medida estrutural, o que traz essa incerteza toda para o mercado. Isso foi um motivo de decepção, não foi só o IR.
Todo mundo sabia que esse IR viria um dia, mais cedo ou mais tarde. Mas podia deixar para trazer essa conversa em 2025.
E o que isso acabou mostrando é que o governo não tem capacidade ou não tem disposição de anunciar medidas impopulares sem ter uma medida popular junto.
Se o governo não está realmente querendo pagar o custo político de um ajuste mais duro, o que esperar pela frente? Não dá mais para esperar ousadia ou mais robustez num ajuste. Isso foi uma sinalização muito ruim.
Os economistas todos estão unânimes em dizer que o pacote foi insuficiente. Mas alguns deles acham que vai na direção correta. O que você acha?
A direção de mudar a regra do salário mínimo é correta. O problema é que só a direção não conserta, é a intensidade que vai resolver. É claro que mudar a regra do salário mínimo, trazer uma regra que é melhor que a atual é bom. Trouxeram uma regra melhor para o abono salarial, mas não muito melhor. A direção é correta, mas a intensidade é muito lenta.
Vindo para a parte da isenção de IR, foi a grande surpresa, especialmente num momento em que estamos falando de reconstruir credibilidade, de ancorar expectativas. Como você está vendo essa medida? Acha que eles vão conseguir compensar com outras receitas?
É uma discussão muito difícil de ser feita: fazer uma reforma de renda na segunda metade de um mandato. É muito mais provável conseguir passar os R$ 5 mil sem ser completamente compensado. Porque durante a tramitação, tem várias isenções envolvidas na questão do aumento do imposto para quem ganha mais de R$ 50 mil.
Pode-se encontrar um furo no fim das contas e criar um imbróglio político muito grande, especialmente depois da decisão do Supremo sobre a desoneração da folha, o que pode paralisar essa votação. Ninguém sabe como isso vai acabar se desenrolando em 2025.
O ministro Haddad está batendo muito na tecla de que ela estará necessariamente condicionada à medida compensatória....
Ele está se ancorando nesse caso de desoneração da folha. Quando foi levado ao STF, ele disse que se não respeitar a lei de responsabilidade fiscal ou não tiver compensação, a desoneração da folha está inválida.
O Congresso foi lá e votou algumas medidas compensatórias que nem sabemos se vão compensar totalmente. Mas votou para conseguir ter a desoneração válida. Ele está dizendo que tem que votar junto e vai ser inexorável que isso aconteça, porque tem essa decisão do Supremo. Caso uma perna seja aprovada sem a outra, ela não vai valer.
Só que no final das contas, eu não sei o quanto que o governo vai apoiar essa leitura do Haddad. O que sabemos que o governo quer é os R$ 5 mil, de verdade. É uma medida muito importante para 2026. O Haddad vai ter esse poder de chegar no STF e dizer: “esse aqui é o mesmo caso, a gente tem que brecar a votação se isso não acontecer”?
Dentro desse cenário de isenção de IR passando, qual o efeito inflacionário e para a política monetária?
Para a política monetária, acho que tem dois canais desse pacote fiscal mais isenção. Primeiro, tem o canal da falta de âncora fiscal, da falta de credibilidade, que vai levar a um câmbio mais depreciado, expectativa de taxa mais elevada. Aumentar ainda mais o prêmio de risco.
Isso vai atrapalhar bastante esse ciclo, porque o Banco Central vai precisar, com certeza, ser mais agressivo e ir mais longe do que previa anteriormente. Se esse pacote tivesse sido anunciado cinco semanas atrás sem o IR, eu acho que poderia ter uma situação melhor.
Agora, realmente, o IR é um estímulo de demanda bastante relevante, porque essa classe tem uma propensão a consumir maior. Quem ganha R$ 50 mil poupa, quem ganha até R$ 5 mil consome.
É um estímulo de demanda significativo, assim como foi o precatório, assim como é sempre as antecipações que o governo faz de abono de décimo terceiro de tudo. Então, é um problema para 2026.
O mercado de juros tem que botar a taxa ali, que vai ficar mais apertada por mais tempo, porque tem mais estímulo do que a gente sabe que vai acontecer na frente.
A política fiscal atrapalha nessas duas pernas. E é por isso que os juros sofreram tanto.
O mercado reagiu com muito nervosismo: câmbio acima de R$ 6, juros a termo a mais de 14% para o segundo semestre de 2025. Esse nervosismo deve se manter? O que pode acontecer para acalmar um pouco os ânimos?
Primeiro, existe uma certa dúvida do mercado de quanto desse pacote o Congresso vai aprovar. É difícil ele aprovar esse pacote inteiro. Se a gente começar a ver as lideranças todas, dizendo que pode aprovar esse pacote ainda este ano, sem desidratação, pode haver alguma melhora.
Mas eu acho que a melhora é muito pequena, porque o pacote não resolveu o problema de manter o arcabouço de pé. Não resolveu o problema da sustentabilidade. Mas pode tirar um pouco do nervosismo o fato consumado de o pacote ter sido aprovado sem desidratar.
Dito isso, não vai ter uma apreciação significativa do câmbio. A Selic não vai seguir muito abaixo de 13,5%, mesmo num cenário de melhora.
Então, nesse cenário, o que faria uma melhora mais significativa é aquela velha frase: “tem que piorar para melhorar”. Se o câmbio andar mais ainda, se o Banco Central tiver que dar na próxima reunião 100 basis-points, porque o mercado já vai estar quase lá, aí pode ser que o governo encontre o consenso.Para melhorar, de uma maneira que não seja só na margem, tem que ter uma piora.
No Congresso, não é um caminho fácil. Ainda mais no fim de ano. Faltam três ou quatro semanas para o recesso.
E, nas suas estimativas, vocês já fizeram algum tipo de revisão para câmbio, algum tipo de revisão para juros?
Não estamos revisando porque já tínhamos um câmbio ao redor de R$ 5,80, R$ 5,90. Mas é claro que agora vai ser mais alto. E nos juros, eu, sinceramente, acho que é muito difícil o Banco Central não corroborar o que o mercado está colocando hoje na conta, que é uma Selic perto de 14,50%.
Muita gente questiona se o Galípolo vai fazer o que o mercado está pedindo. Acho que é muito difícil não fazer, porque a situação é de tamanha falta de credibilidade fiscal, a gente está numa crise de confiança tão grande, que se não fizer numa outra reunião muito próximo do que o mercado está colocando vai acabar tendo que fazer muito mais do que já está precificado.
Essa Selic de 14,50% é alta em relação aos últimos ciclos que a gente teve. Mas estamos com a demanda aquecida, com a expectativa de inflação bastante desancorada, dado que a meta agora é menor.O mercado está justo, o Banco Central vai precisar aí realmente corroborar o mercado. Se ele não corroborar, por exemplo, se na próxima reunião o mercado estiver entre R 75 ou 100 bps e ele dá 50 bps ou até 75 bps, mas não vem com um discurso muito duro, vai acabar tendo que subir mais.
Infelizmente, acho que a política fiscal botou o Banco Central em uma situação bem complicada.