Espaçolaser: empresa busca mais rentabilidade nas lojas próprias e prioriza expansão via franquias em cenário macro adverso (Apex Studios/Divulgação)
Karina Souza
Publicado em 1 de setembro de 2022 às 09h51.
O aumento de capital da Espaçolaser, de no mínimo R$ 85 milhões e no máximo R$ 225 milhões, é uma tentativa da companhia de dissipar o cenário de ‘tempestade perfeita’ em que está. Sair do olho do furacão. Como em qualquer tempestade, há muitos elementos que a compõem. A primeira emergência é evitar que cerca de R$ 260 milhões em debêntures tenham vencimento antecipado declarado, ou seja, que esse valor precise ser pago de imediato. O risco existe porque a emissão tem a previsão de que os credores podem exigir receber os recursos caso alguns indicadores de saúde financeira não sejam cumpridos.
A Espaçolaser terminou junho com R$ 178 milhões em caixa, para uma dívida bruta de R$ 886 milhões. O indicador em questão é a relação entre a dívida líquida e o Ebitda acumulado em 12 meses. Ele estava em 1,2 vez em junho de 2021, poucos meses após o IPO na B3, mas encerrou o primeiro semestre deste ano em 3,1 vezes. O limite previsto no contrato é 2,5 vezes. A tendência é que esse "estouro" aconteça mais uma vez no terceiro trimestre. A repetição disso em dois trimestres seguidos geraria a necessidade do pagamento antes do vencimento da dívida — algo previsto para ocorrer só em 2026 — ou a necessidade de renegociação das condições. Os analistas do Goldman Sachs estimam que a capitalização pode reduzir a alavancagem para um intervalo entre 2,2 e 2,8 vezes Ebitda.
A companhia chamou uma assembleia de debenturistas para 8 de setembro com o objetivo de alterar a cláusula da emissão que permite a ela recomprar os papéis. O prazo previsto no lançamento das debêntures é que essa alternativa se abriria a partir do 24º mês dos papéis, o que ocorrerá apenas em 2023. Agora, a empresa propõe que os títulos possam ser adquiridos por ela entre 9 e 30 de setembro deste ano.
Paralelamente, também anunciou que fará uma nova emissão, no valor de R$ 615 milhões, agora com prazo de 3 anos. O dinheiro, conforme aprovado pelo conselho, será usado para recomprar as debêntures emitidas em 2021 — daí, a proposta de mudança das cláusulas.
O resultado prático, porém, será uma dívida maior, mais cara e mais curta. O preço de uma saída emergencial. A emissão do ano passado foi a CDI + 2,50% e agora os papéis serão ofertados a CDI + 3,50%. Cujos efeitos só serão conhecidos em outubro. O saldo que sobrar da recompra será usado para, segundo a empresa, "alongar o passivo e reforçar o caixa."
Superada a questão dos passivos, a Espaçolaser precisa lidar com os desafios operacionais e reconquistar a confiança dos investidores, um dos fatores que fez com que perdesse quase 90% do valor atribuído pelo mercado ao negócio para a oferta pública inicial (IPO). A companhia vale hoje R$ 481 milhões na bolsa e foi avaliada em R$ 4,4 bilhões para a estreia na B3.
Reorganizar os compromissos e aumentar capital visam preservar e reforçar o caixa. No curto prazo, porém, a dívida mais salgada pode pesar no balanço, com aumento do custo. O salto da taxa de juros, que agora está saiu de cerca de 5% ao ano na época da emissão dos títulos para quase 14% agora, tornou o serviço das dívidas um compromisso bem mais salgado e levou o negócio ao prejuízo. No segundo trimestre, a última linha do balanço apontou prejuízo de R$ 23,7 milhões, revertendo o lucro de R$ 73,5 milhões no mesmo período do ano anterior.
A última linha do balanço reflete não só a alta no serviço da dívida, como também o achatamento considerável das margens bruta e Ebitda, apesar do crescimento da receita líquida em 18% no primeiro semestre de 2022, para quase R$ 450 milhões. Essa pressão é consequência do cenário de alta na inflação e aumento da Selic. O mercado passou a ficar incomodado com a oferta de vendas de pacotes, pela companhia, em parcelas de até 18 vezes. Hoje, segundo fontes ouvidas pelo Exame IN, a empresa é a mais cara entre as principais concorrentes — mas, em compensação, conta com uma vantagem competitiva operacional em relação ao laser aplicado durante as sessões.
A Espaçolaser, nas conversas com investidores, disse que a prática era adotada desde 2018, mas que seu uso passou a crescer muito como reflexo do cenário macroeconômico, o que colocou o fluxo de dinheiro do negócio lá na frente, ou, no limite, aumentou o desconto de seus recebíveis pelo prazo. Além disso, o prazo médio de recebimento mais longo deixa o negócio mais exposto à inadimplência — que, sim, cresceu. Mas a companhia, diferentemente de uma Via, Magazine Luiza e outras varejistas, não pode se dar ao luxo de simplesmente restringir — e drasticamente — o número de parcelas sem juros. Como se trata de um consumo facilmente postergável (quem precisa de tratamento estético para viver?), a alternativa estratégica é manter o parcelamento.
O que não significa que a empresa ignorou completamente o cenário atual. Enquanto todas as varejistas simplesmente sumiram com a possibilidade parcelamento no cartão em 10 vezes sem juros, a Espaçolaser segurou seu modelo. Mas agora tem dito ao mercado que desenvolveu ferramentas para estimular um número maior de vendas de pacotes com uma quantidade menor de parcelas. Só o tempo vai mostrar se a empresa de fato buscou a solução e se ela foi efetiva.
Chamar os acionistas a "comparecer" para um aporte foi a saída encontrada pela companhia para lidar com a situação de mais curto prazo. Mas, como a operação implica em uma diluição entre 15,2% e 32,4%, os investidores não gostaram da notícia. O dinheiro máximo a ser obtido não faz nenhum milagre. Ao contrário, é bem pouco perto do que a Espaçolaser obteve ao fazer o IPO em janeiro de 2021. O problema é que como a companhia estava avaliada em R$ 586 milhões antes do anúncio, essa emissão é dilutiva. Daí, a tentativa de machucar menos o acionista, que viu seu patrimônio derreter desde o lançamento das ações.
A companhia colocou o preço de compra dos novos papéis em R$ 1,92, 21% abaixo do fechamento do pregão anterior, como forma de buscar o maior número possível de interessados. Como era de se esperar, o mercado foi buscar o preço de referência, o que levou a um tombo de quase 18% nas ações ontem, para R$ 1,97 — ante os R$ 2,40 do dia anterior.
No aspecto operacional, o montante será aplicado em oportunidades de rentabilidade dentro da companhia no atual momento. Isso inclui reduzir o número de lojas próprias a serem inauguradas neste ano (o guidance era de 150) e melhorar o uso de recursos dos estabelecimentos que já estão de pé. Não se trata de uma estratégia de longo prazo, mas de um esforço para fazer a empresa voltar ao patamar de resultados entregues nos últimos 18 anos.
Enquanto esse processo ocorre, a expansão via franquias deve continuar a todo vapor, considerando os benefícios para o caixa da empresa. Trata-se de um modelo que não depende de investimentos de recursos próprios e que traz resultados de largada, primeiro com a compra dela a partir de uma taxa e, em seguida, por meio de royalties. O contrato atual com os franqueados ainda abre a possibilidade de que a companhia possa comprá-las futuramente, mas fontes próximas à empresa afirmam que isso não está no radar no momento. O foco está, mesmo, em levar o modelo para onde houver oportunidades.
Além disso, ainda em agosto deste ano, a companhia trocou de CEO. Veio Paulo Camargo (ex-Arcos Dorados) e saiu Paulo Morais, um dos três sócios-fundadores da Espaçolaser.
O efeito combinado dessas mudanças deve ser sentido principalmente no prazo de seis meses a um ano a partir do momento que entrarem em vigor – principalmente no quarto trimestre deste ano. A capitalização deve ser concluída em meados de outubro, o que já deve trazer algum efeito a partir do balanço, mas a melhora operacional deve demorar um pouco mais para acontecer.
Voltar o foco para franquias é uma estratégia diferente da prometida nas conversas com investidores para o IPO. Essa combinação de frustrações tem um ingrediente adicional na visão de investidores. Na oferta inicial, que movimentou R$ 2,6 bilhões, mais de R$ 1 bilhão foi para o bolso dos acionistas fundadores, e o restante levantado para o caixa foi investido na compra das franquias de forma acelerada.
Para temperar ainda mais, antes de abrir capital, a expansão foi feita no modelo "family and friends". Ou seja, o dinheiro beneficiou direta e indiretamente o núcleo de fundadores, rapidamente, e o retorno para o negócio ainda não apareceu. Ao contrário: a companhia tem mais dívida agora e está sob estresse operacional. Nesse cenário, o que esses fundadores se comprometeram para o momento foi garantir R$ 85 milhões para o aumento de capital, cerca de 40% do total da emissão.
Em uma companhia que manteve uma trajetória tão conturbada da abertura de capital até aqui, a Espaçolaser agora reorganiza a casa em busca de uma rota eficiente de crescimento, numa tentativa de deixar para trás a reputação que o último ano e meio trouxe para o nome da empresa. Com tantos desafios a serem superados, vai ter de provar, para todo o mercado, que dessa vez acertou a mão no risco tomado para preservar o próprio futuro.
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