Unidade Smart Fit: expectativa de aumento da demanda quando pandemia passar, puxada pela preocupação com saúde (Leo Martins/Abril)
Graziella Valenti
Publicado em 25 de março de 2021 às 07h12.
Última atualização em 25 de março de 2021 às 17h23.
Edgar Corona, sócio-fundador e presidente da rede de academias Smart Fit, está de olho em tudo que acontece lá fora. “É como ler o jornal de amanhã, mas de alguns meses à frente”, comenta em entrevista exclusiva ao EXAME IN. Foi por estar sempre atento ao que ocorre que, ainda em fevereiro de 2020, assistindo ao canal de TV italiano RAI se deu conta que o novo coronavírus faria uma tragédia aqui, como já estava fazendo na Europa, e que isso afetaria sim o Brasil e o seu negócio.
Agora, ele está de olho em outra informação, bem mais auspiciosa: que a Basic Fit, grupo de academias holandês, mas com operação também em outros países vizinhos e tamanho semelhante ao da Smart Fit em números de alunos, está avaliada em sua máxima histórica, perto dos 2 bilhões de euros, ou mais de R$ 13 bilhões ao câmbio atual. Na Planet Fitness, a maior dos Estados Unidos, a ação dobrou de valor desde março do ano passado.
Desde que a pandemia começou, ele e um grupo de executivos de grandes grupos internacionais desse mercado, com gente na China, Europa, Estados Unidos, "se reunem virtualmente", com maior ou menor frequência, para debater o que estão experimentando em seus negócios, com a pandemia, e também os protocolos sanitários.
O mercado aguarda há tempos uma oferta pública inicial (IPO) da Smart Fit e a expectativa é que ela possa ocorrer no curto prazo. Sobre isso, Corona desconversa. “Não sei se é o melhor momento.”
E depois complementa: “Capitalizações são normais na nossa vida, com nossa expansão. Estão no DNA da companhia. Claro que vai ocorrer em algum momento nos próximos cinco anos, porque os fundos que investiram na empresa não casaram com ela. Eu casei. Estou há 25 anos nisso.”
O balanço da Smart Fit, que é controlada pela gestora de fundos de private equity Pátria Investimentos, e ainda tem outros sócios minoritários ilustres como o Canada Pension Plan Investments (CPPI) e Dynamo, é uma pista para entender o que acontece lá nos Países Baixos, com a Basic Fit. Além de mostrar os reflexos da pandemia, como não poderia deixar de ser, ele traz uma informação importante: resiliência.
Depois de passar sete dos 12 meses de 2020 com praticamente tudo fechado – como Corona gosta de frisar — , a companhia encerrou o ano com queda de apenas de 3% na base total de alunos, para 2,59 milhões de usuários, e uma expansão de 9% no total de unidades, para 900.
No ano, a receita líquida recuou 36,7%, para R$ 1,26 bilhão. Mesmo com tantos solavancos, o Ebitda ficou positivo em R$ 53,8 milhões — uma resistência que muitos negócios não demonstraram. O valor é um décimo do que foi em 2019, mas está no azul e, no curto respiro do quarto trimestre, indicou que a recuperação é relativamente rápida após quedas nos dois trimestres anteriores: ficou positivo em R$ 7,8 milhões.
Apesar de resistir em muitas frentes, não deu para evitar a queima de caixa, que no ano somou R$ 107 milhões, ante uma geração de R$ 483 milhões no ano anterior. A última linha do balanço registrou um prejuízo de R$ 487 milhões ante R$ 287 milhões, na comparação entre 2020 e 2019.
Os grandes grupos de academias, no qual a Smart Fit está definitivamente inserida, são aqueles que vão aguentar o tranco e sobreviver à pandemia. No Brasil e nos demais países em que atua na América Latina, têm uma fatia de aproximadamente 20% do mercado. E a resiliência do balanço deve resultar em uma concentração dessa fatia no futuro, porque muitos competidores menores devem ficar pelo caminho.
A aquisição recente da Just Fit, com 27 unidades, é um exemplo prático. Está em contrato que o valor a pagar será combinado e liquidado somente quando houver “um evento de liquidez” na Smart Fit.
Já não é pouca coisa ter oportunidades assim à frente — e Corona acredita que outras virão. Mas, como se não bastasse sair comparativamente mais forte, a expectativa é que o cuidado com a saúde fará a demanda pelos serviços crescer tão logo a circulação de pessoas volte a ocorrer. “Lá fora, isso vai ser mais forte. Aqui, vamos sofrer mais com a questão da renda”, pondera, ao destacar a tendência.
A Smart Fit monitora, em toda virada de ano, quando as pessoas renovam seus compromissos com elas mesmas, os planos e desejos de futuro. Em geral, fazer atividade física sempre aparece em 4º ou 5º lugar na fila de projetos. Mas, na chegada deste ano, esse cuidado reinou em 1º lugar no ranking. O motivo é tão simples quanto óbvio: cuidar da saúde ganhou importância com a pandemia.
Digital
Assim como nos demais setores, gerir custos e acelerar a digitalização foram essenciais para passar por 2020. Corona diz que, quando tudo isso passar, a Smart Fit volta “com um modelo mais enxuto e muito mais integrado.”
O empresário aponta que houve um aumento da eficiência, o que permitiu que a margem bruta caixa ainda ficasse em 35% em 2020. É uma queda importante sobre os 50% de 2019, mas é uma realidade muito melhor que a média do setor. Atualmente, da base de alunos novos, que chegaram no ano passado, 85% têm os treinos no aplicativo. Da base total, esse percentual subiu de 15% para 45% durante o ano passado.
Em julho, a empresa comprou a plataforma Queima Diária, líder de vídeos sob demanda de treinos, que terminou o ano com 375 mil alunos, uma expansão de quase 130% sobre março, o início da pandemia. O movimento foi essencial para segurar o quadro de alunos.
Além disso, ajuda a explicar ao mesmo tempo a sustentação da receita, com tanto tempo de academias fechadas, e também a queda. E isso não é um paradoxo. Os planos são mais baratos. O programa anual online é de R$ 359,00 — os planos mensais com treino físico vão de R$ 79 a R$ 109 ao mês. Da base total de alunos, os presenciais, de academias, caíram 17%, para 2,2 milhões. A opção do treino virtual, portanto, foi determinante.
Apesar de ver a tendência fora do Brasil de que o retorno à circulação faz com que parte da base digital volte aos pacotes tradicionais, Corona acredita que o Queima Diária manterá uma base grande de alunos e que o total atual, da ordem de 500 mil, possa ser replicado fora do Brasil, nos demais países da América Latina, onde a empresa atua. O produto deve ser lançado em breve.
E, como não poderia deixar de ser, a Smart Fit também está em uma rota de diversificar e complementar a oferta de serviços, como um "market place". Mas o empresário garante que treinos, atividade física e academia é seu core e dele não deve fugir — só ficar mais forte. Na lista de "produtos digitais", a companhia adicionou o Smart Nutri, um programa nutricional que já tem 70 mil assinantes, e o Smart Coach, de atendimento dedicado de professores.