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Shoppings: acionistas da brMalls querem preço, e não pressão, da Aliansce

Alvo de oferta hostil, brMalls adota postura mais vocal e acionistas se organizam para defender valor do negócio

brMalls: companhia revisou portfólio e concentrou operação em 31 shoppings, antes 40 em 2017 (brmalls/Divulgação)

brMalls: companhia revisou portfólio e concentrou operação em 31 shoppings, antes 40 em 2017 (brmalls/Divulgação)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 21 de março de 2022 às 07h30.

Última atualização em 21 de março de 2022 às 08h57.

A brMalls decidiu ser mais vocal a respeito da oferta hostil lançada pela Aliansce Sonae.  Ruy Kameyama, CEO da empresa desde 2017, além de dedicar boa parte da teleconferência de sexta-feira, 18, ao assunto, já deixou claro que qualquer tentativa da Aliansce de buscar uma posição ativista no conselho da brMalls enfrentará uma dura resistência e discussão sobre “conflito concorrencial e de interesses”. “Além de ser uma tremenda perda de tempo”, afirmou ele. “A Aliansce é uma empresa séria e não acredito que essa postura faça sentido, nem mesmo do ponto de vista dos princípios ESG da companhia”, comentou Kameyama, aproveitando para lembrar que a concorrente tem entre seus acionistas o fundo de pensão canadense CPPIB — um tradicional e vocal defensor das práticas de boa governança.

Os comentários vieram após o questionamento de uma analista, durante a teleconferência, sobre se a brMalls estaria pronta para se defender e a seus investidores de uma eventual investida da Aliansce de indicar um ou mais participantes para o conselho de administração da empresa na assembleia geral de abril. A decisão da administração em ser mais dura em sua resposta também traz um sinal: acionistas mais organizados para lidar com a situação de ser alvo de uma tentativa de aquisição.

Tão logo a negativa da brMalls sobre a nova oferta da companhia fundada pelo empresário Renato Rique veio à tona, o colunista do jornal ‘O Globo’ publicou a informação de que juntas Aliansce e CPPIB já teriam alcançado uma fatia de 10% no capital da empresa. Antes disso, o CEO da Aliansce, Rafael Sales, ao falar de sua nova oferta à imprensa antes mesmo de torná-la oficial à brMalls já prometia mudanças na companhia. O executivo não falou sobre um conselheiro ou dois para a temporada de assembleias de abril, falou sobre "uma chapa" inteira para a brMalls.

Kameyama enfatizou que a brMalls e sua administração não são contra a discussão de uma combinação de negócios, mas destacou que o valor proposto estaria muito aquém do adequado para uma transação. “Só estamos apresentando esses dados porque a Aliansce afirmou que essa era sua proposta definitiva”, destacou ele, ao falar das diferenças entre as empresas.

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A Aliansce ofereceu pagar aos acionistas da brMalls R$ 1,85 bilhão em dinheiro e mais uma participação de 51,08% na companhia combinada. Considerando o valor das empresas na bolsa seria o equivalente a aproximadamente R$ 7,5 bilhões, ou pouco mais de R$9,10 por ação. O preço é inferior a qualquer métrica a ser avaliada: preço-alvo de analistas, valor de ativos, preço histórico. Aliás, antes da pandemia, a brMalls negociava próxima de sua máxima histórica, em torno de R$ 19 por ação.

Os próximos passos da Aliansce não estão claros, mas ninguém no mercado acredita que a empresa se dará por vencida. A expectativa é que a tentativa de aquisição, que já era hostil, fique ainda mais agressiva.

A promessa de uma postura ativista da Aliansce não é de hoje. A companhia não apenas apresentou uma nova oferta na semana passada, como prometeu publicamente pedir a convocação de uma assembleia de brMalls, como acionista. A companhia liderada por Kameyama recusou a oferta e a realização da assembleia.

A Aliansce, assim como qualquer acionista (ou grupo organizado) com 5% do capital da companhia, pode sim chamar uma assembleia. Ocorre — como inclusive já ficou provado em negociações recentes do mercado — que esse “poder” resolve pouco ou nada em tentativas de combinações de negócios.

O máximo que a Aliansce poderia colocar em votação é o desejo de uma negociação ou iniciativas correlatas, mas não há espaço para colocar a proposta em si em pauta. O diabo sempre mora nos detalhes.

Incorporação de empresas é um tema que, para ser levado à votação, depende de uma série de documentos que precisam ser apresentados e assinados pela administração de ambas as empresas. Ou seja, somente os administradores da brMalls poderiam colocar uma incorporação possível de ser concretizada em pauta para seus próprios acionistas, junto com sua lista de itens detalhados necessários, como o protocolo de incorporação e sua justificativa.

Quando a Eneva tentou comprar a AES Tietê em 2020 esse assunto foi para lá de explorado. Na época, se estudou se o BNDES, maior investidor da companhia de energia — maior até mesmo que a controladora AES, no capital total —, poderia levar a incorporação pela Eneva para votação em assembleia. No caso das empresas de shopping, o desafio seria muito maior nesse debate, pois seria a Aliansce colocando sua própria oferta em votação, e não um terceiro independente como era o banco de fomento na empresa de energia.

Não custa nada lembrar que o conselho da brMalls há nomes experientes para essas circunstâncias. Mauro Rodrigues da Cunha, por exemplo, é um dos maiores ativistas das boas práticas de governança do país e está no colegiado há anos. Luiz Antonio de Sampaio Campos, ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e um dos maiores nomes do direito societário aplicado em fusões e aquisições, também compõe o grupo.

Passaram pelas mãos Totonho, como o advogado do escritório Barbosa, Müssnich e Aragão (BMA) é conhecido no mercado, as maiores transações já realizadas no país. Ocorre que a Aliansce previamente neutralizou a presença de Sampaio Campos ainda em dezembro, antes mesmo de fazer a oferta, ao contratar o escritório BMA para o assunto, colocando o conselheiro em uma posição de conflito — ele não participa das discussões sobre a oferta.

A escala perdeu o trono

Escala já foi palavra-chave de sucesso em dez a cada dez negócios. Mas essa não é mais uma verdade absoluta sequer na indústria. No setor de shopping centers, que passa por uma profunda disrupção, essa conclusão é até mais antiga. Foi justamente ciente disso que, em 2016, a gestora de recursos Dynamo (que não é mais acionista de brMalls) promoveu um movimento que culminou na troca da administração da companhia para uma ‘limpeza’ no portfólio da empresa — saiu Carlos Medeiros e entrou Kameyama. De 40 shoppings, ficaram 31 — e ainda existem dois considerados non-core (ou seja, que serão vendidos quando a oportunidade aparecer).

Sem filosofar sobre o tema, o CEO da brMalls colocou o assunto em números, na comparação do desempenho do portfólio das empresas. Em 2019, antes de a pandemia atingir em cheio as empresas do setor, as vendas mensais por metro quadrado da brMalls estava em R$ 1.442, ante a R$ 1.270 da Aliansce. Mais importante ainda, o NOI por metro quadrado, uma espécie de lucro operacional que não considera custos financeiros, de cada uma delas era de R$ 107 e R$ 84, respectivamente.

A grande questão que os acionistas da brMalls veem como desafio para uma união com Aliansce é justamente a diferença do portfólio. Se o posicionamento de mercado, ou seja, as praças e a renda média dos consumidores, não for o mesmo para a maioria dos ativos, não existe escala. Esse ganho está presente quando os ativos são similares. Do contrário, a estratégia é normalmente diversa e até mesmo os lojistas. A brMalls divulga o desempenho de sua operação shopping a shopping, enquanto a Aliansce, apenas os dados consolidados. Para alguns acionistas da brMalls ativos na discussão, essa falta de detalhes acabou atrapalhando o debate.

Após fazer a proposta pela brMalls, a Aliansce declarou que 23% de seu portfólio é non-core, ou seja, deveriam ser vendidos. Quem conhece os pontos da empresa, diz que isso é praticamente metade do que a Sonae aportou na empresa quando foi feita a combinação entre elas em 2019.

A visão de especialistas no setor é que, no futuro, a relação entre lojista e shopping praticamente será invertida. Não é o lojista que vai levar consumidores ao shopping. O shopping é quem será responsável por oferecer o público-alvo certo e, até mesmo ativá-lo para as marcas, como forma de reduzir o custo de aquisição de clientes (CAC). Essa lógica vem da combinação do mundo físico e digital, onde as marcas escolherão o melhor local para estar, combinando suas necessidades logísticas e de relacionamento.

Ainda que os universos sejam diversos, o balanço da Via (que de loja física virou shopping digital) deu algumas dicas sobre o que significa a união desses universos. Ter a loja na praça certa fez a companhia triplicar as vendas online nas regiões onde inaugurou presença física. O custo de aquisição de cliente (CAC) da loja física? Praticamente um 1/5 do que custa o consumidor digital.

Na direção desse mundo novo, a brMalls tem iniciativas já em andamento. No balanço do quarto trimestre de 2021, a empresa informou que 6,5% da receita veio da operação de mídia, que faz a ponte entre cliente e loja. Nesse sentido, o shopping se coloca proprietário de uma gama de informações sobre os consumidores, pois sua visão não se limita à relação com uma única marca. Os shoppings, por exemplo, sabem como os frequentadores de suas unidades se comportam dentro de um segmento de consumo inteiro — digital e fisicamente. Em apresentação a investidores realizada pela brMalls em dezembro, a companhia estimou que em 2028, 20% de sua receita virá da operação de mídia, cuja função é promover o engajamento dos consumidores para os lojistas.

É em razão desse cenário que a escala pela escala perdeu sentido no setor. E os acionistas da brMalls esperam receber pelo fato de a companhia já ter entendido essa realidade. Os maiores investidores são a gestora americana Capital, as assets brasileiras Squadra e  Atmos, que juntas somam perto de 25% do capital da brMalls. A empresa têm muitos acionistas estrangeiros, para além da Capital. Eles ultrapassam 40% do capital total. Assim,  a Aliansce se quiser mesmo levar adiante a prometida intenção de modificar a gestão da brMalls, terá de convencer o grupo de maiores investidores e mais os internacionais, o que significa passar pelo check list da empresa de recomendação de votos ISS.

Governança

Durante sua apresentação, Kameyama falou mais de uma vez em prêmio de controle — ou da falta dele — na proposta da Aliansce. A percepção de que falta um “prêmio” para os acionistas da empresa vem da combinação de duas situações. A primeira é que a oferta chega em um momento em que a companhia está próxima do valor mínimo de sua história, em razão da pandemia — mas, ao mesmo tempo, com a revisão de portfólio concluída. A segunda é que o modelo de governança seria totalmente modificado.

A brMalls é uma  ‘corporation’, ou seja, empresa cujo capital está totalmente pulverizado na bolsa, sem prevalência de um grupo de sócios sobre o outro. E esse modelo seria totalmente modificado. Apesar de não ter um sócio majoritário, a Aliansce é uma companhia regida por um acordo de acionistas, no qual os participantes são o fundador Renato Rique, o CPPIB, mais o alemão Otto Group e o grupo português Sonae.

Pela proposta anunciada, esse quarteto ficaria com perto de 23% da empresa combinada. Mas, apesar de os acionistas da brMalls representarem juntos mais de 51% do negócio unificado, o todo poderoso da operação seria Renato Rique. Individualmente, ele não teria muito mais do que 3% da soma dos negócios. Entretanto, o transplante do acordo de acionistas, faria com que ele se tornasse, mesmo sem ter uma exposição econômica relevante no todo, o nome com maior poder. Sem ele nenhuma decisão relevante é tomada na Aliansce e sem ele, nada seria definido na empresa combinada.

“O conceito de alinhamento de interesses vem de uma relação de equilíbrio entre poder e posição econômica”, lembrou um acionista de brMalls bastante atento ao futuro do negócio.

Por ser (ainda) uma companhia sem dono, o futuro da brMalls está nas mãos de um coletivo de acionistas. Eles precisam ser convencidos de que a transação faz sentido — ou enche o bolso. Nessas circunstâncias, valor é discussão central. As próximas semanas serão cruciais para determinar se o debate será preço ou pressão.

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