Shein: General Atlantic entra para lista dos investidores renomados da companhia, ao lado de Tiger Global e Sequoia Capital (Pavlo Gonchar/SOPA/Getty Images)
Karina Souza
Publicado em 5 de abril de 2022 às 19h19.
Última atualização em 6 de abril de 2022 às 10h55.
A chinesa Shein foi avaliada em US$ 100 bilhões em uma rodada de captação realizada recentemente, segundo informações divulgadas no início desta semana, tornando a companhia mais valiosa do que o combinado de Zara e H&M. A captação levantou entre US$ 1 bilhão e US$ 2 bilhões, de acordo com o Wall Street Journal. A General Atlantic, uma das casas mais tradicionais de private equity do mundo, liderou a rodada, acompanhada por Tiger Global Management e Sequoia Capital China, que já eram investidoras.
O valuation atual representa um salto de seis vezes o valor registrado em 2020, de US$ 15 bilhões, e consolida a empresa como a terceira startup mais valiosa do mundo, atrás da ByteDance (dona do TikTok) e da SpaceX, segundo a CB Insights. Tantos recordes chamam a atenção pelos valores bilionários e pelo contraste que isso significa em relação ao humor dos investidores das empresas abertas de tecnologia e ecommerce.
Todo o setor de e-commerce sofre pela mesma dor: ambiente altamente competitivo, com custo de aquisição de cliente em alta e margens espremida. Isso sem falar no contexto geral de juros em alta, o que torna o dinheiro mais caro e, consequentemente, afeta a capacidade das empresas de investir para continuar crescendo. Mas esse desafio só foi para o preço das companhias abertas.
A disparidade entre o valor das empresas do mundo privado (do private equity e venture capital) e do público (das bolsas de valores) traz um problema real. As companhias listadas em bolsa sofreram uma correção brutal de valores e qualquer captação ou aquisição nesse momento é altamente dilutiva. Se o capital de risco continuar abundante, e esse descolamento de valores persistir, o mundo enfrentará uma inversão de posições: as startups poderão assumir momentaneamente um papel de consolidação.
Um exemplo pungente do lado das empresas abertas é o Magazine Luiza — varejista do mundo físico e que agora é também um grande marketplace digital, inclusive no segmento de moda. A empresa fundada por Luiza Helena Trajano chegou a valer R$ 165 bilhões na bolsa durante o auge da pandemia e, hoje, está avaliada em R$ 46 bilhões. Para ficar no mesmo setor, o valor da Via, que superou R$ 60 bilhões no momento em que tudo era ouro no comércio eletrônico, caiu praticamente 90%. Guararapes e Renner também apresentam queda no valor das ações, na comparação com o período pré-pandemia.
Diante desse contexto, a questão sobre a capacidade de a Shein continuar avançando globalmente no mesmo ritmo é inevitável. Por se tratar de uma empresa de capital fechado, não se sabe ao certo a participação do governo chinês na companhia e, consequentemente, qual o tamanho do fôlego para trazer ganhos consistentes de market share ao longo dos próximos anos — e justificar a diferenciação da Shein em relação aos seus pares com atuação global.
Como todos no setor, a Shein vem investindo para reduzir os prazos de entrega. Em nota, a companhia afirma que "desenvolver a cadeia produtiva e logística do país" é uma das metas para o Brasil nos próximos anos, posicionamento semelhante ao do AliExpress. "Parcerias locais" também estão previstas, sem detalhes sobre o assunto.
Para reforçar essa eficiencia, a Shein vem fazendo experiências. Sem esquecer que o e-commerce representa apenas 10% do varejo brasileiro, e de olho em aumentar o conhecimento de marca, já começou a testar um modelo de loja física. Entre os dias 17 e 29 de março, instalou uma pop-up store no Rio de Janeiro, dentro do shopping Village Mall, na Barra da Tijuca. Por lá, era possível ter acesso a coleções de roupas e acessórios da marca, experimentando cada um deles no local. Este ano, está nos planos estabelecer outras lojas temporárias em cidades brasileiras, porta de entrada importante para estabelecer a marca diante de concorrentes locais.
Dentro do ambiente digital, o awareness sobre a Shein ganha cada vez mais força com parcerias que a marca estabelece com influenciadores locais. Com a marca se tornando cada vez mais conhecida, os usuários já se transformaram em uma base altamente engajada no próprio site da marca: todos os anúncios no site são acompanhados por uma enxurrada de comentários, de clientes que tiram fotos e mostram a "versão real" do que chegou em casa, além de recomendarem qual tamanho comprar, baseado no tipo de corpo e experiência de cada um. Esse "SAC" é algo único em relação às companhias locais, que contam, quase sempre, apenas com a foto das modelos.
Barreiras para avançar
Superar a complexidade de atuar no varejo de moda brasileiro dependerá de um ponto fundamental para a Shein ao longo dos próximos anos: ajustar a modelagem para o padrão brasileiro, segundo Luiz Cláudio Dias de Melo, diretor de produtos e supply chain da consultoria 360 Varejo. "O que a gente observa com a Shein me faz lembrar da Zara, quando chegou ao Brasil. A companhia veio com um caminhão de dinheiro e encontrou uma base de fornecedores altamente pulverizada. Essa pode ser uma dificuldade ao realizar ajustes para estar mais próxima do padrão brasileiro tanto em tamanhos como em preferências. Não vejo condições de ter um market share relevante, ou até predominante, sem visão local", afirma.
Ainda em relação ao crescimento local, mais transparência sobre a origem dos produtos pode ser cobrada, acompanhando o ritmo dos investimentos a serem realizados para a expansão. Hoje, uma das principais críticas enfrentadas pelo fast fashion de modo geral está relacionada ao consumo de recursos naturais, sem falar nas denúncias de trabalho escravo em confecções ao redor do mundo, o que pode impactar a companhia em algum momento.
De olho no cenário macro, o risco principal está relacionado à Medida Provisória que pode endurecer regras de tributação sobre produtos importados — pleiteada por empresários como Luciano Hang, da Havan, e Alexandre Ostrowiecki, da Multilaser. Com uma tributação diferenciada, os produtos podem ficar mais caros e, assim, impactar diretamente as vendas no país.
O Brasil não é o único a estudar regras mais duras para a atuação da companhia. A Índia, por exemplo, baniu desde 2020 mais de 50 aplicativos chineses na região, alegando medidas de segurança. No caso da Shein, os produtos podem ser vendidos por meio de uma operação terceira que seja local. Até mesmo uma petição contra a venda de produtos da companhia por meio da plataforma da Amazon chegou a ser protocolada durante o último ano, mais uma vez com os dados sensíveis de cidadãos como ponto central. Ou seja, mais complexidade vem por aí.
Na balança com todos esses fatores, o que se vê por parte dos investidores até o momento é o otimismo com a companhia chinesa, que atua em 150 países ao redor do mundo e oferece mais de 600 mil itens aos consumidores. Adivinhar o futuro da companhia é a resposta mais desejada para entender até onde vai — e quanto vai durar — o fôlego da Shein para continuar crescendo.