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Sem ódio ao CDI: Caramuru mostra como IPCA pode te deixar com menos

Investidor deve ficar atento às taxas projetadas para o futuro, de acordo com os prazos dos papéis escolhidos, e esquecer o presente

Queda livre: taxa Selic despencou para 2% com a pandemia, mas futuro já aponta indicador maior (alexsl/Getty Images)

Queda livre: taxa Selic despencou para 2% com a pandemia, mas futuro já aponta indicador maior (alexsl/Getty Images)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 26 de dezembro de 2020 às 16h32.

Última atualização em 25 de julho de 2022 às 19h37.

Inusitado é tudo que aconteceu em 2020. Não é de se estranhar que a lição sobre como o ódio cega — e também faz perder dinheiro — venha de uma companhia pouco conhecida do investidor pessoa física: a Caramuru. E errou quem pensou em fogos de artifícios!

O causo aqui ocorreu com a goiana Caramuru Alimentos, que já tem seus 56 anos de vida e é dona da marca de produtos para consumo Sinhá — faz de óleo de cozinha a macarrão instantâneo, passando por temperos, milho de pipoca e azeite, entre outros. A operação mais recente da empresa mostrou que a raiva do investidor do CDI, órfão daquela Selic que garantia rendimento de dois dígitos todo santo ano,  prejudica decisões racionais.

A companhia, que opera ainda com commodities e é fornecedora da indústria de alimentos humana e animal, captou 200 milhões de reais em certificados de recebíveis do agronegócio (CRA), com prazo de vencimento de quatro anos, por meio de uma oferta pública que terminou pouco antes do Natal. O investidor comprou papéis securitizados pela Ecoagro, lastreados no CRA. A liquidação vai ocorrer apenas em janeiro, dia 8.

A recomendação para que o investidor faça contas vale sempre, mas especialmente para títulos de dívida. A Caramuru encontrou uma demanda quase 90% maior do que o volume pretendido. Se quisesse, teria levantado 378 milhões de reais.

A emissão da Caramuru veio em duas séries: uma de 44,895 milhões de reais que paga CDI + 5,25% e outra de 155,105 milhões de reais, cuja remuneração ficou em IPCA + 5,00%. Esse foi o resultado após o bookbulding, ou seja, a definição das taxas como reflexo da procura dos investidores.

Quem escolheu o IPCA deixou na mesa 2% de rendimento a menos. E tudo porque foge do CDI a qualquer custo. Pelo visto, qualquer mesmo.

O analista de renda fixa do BTG Pactual Digital, Odilon Costa, explicou que é preciso esquecer os indicadores e seus valores atuais. O importante é olhar para o futuro, levando em consideração o que o mercado projeta de juros até o vencimento da operação. Nesse caso, esse período é de três anos e meio, aproximadamente. O vencimento total é de quatro anos — mas o pagamento do principal começa a acontecer em 2022. O que faz com que a duração real seja de três e ano: esse é aquele tal “duration”, que o povo de mercado sempre fala.

Costa explicou que já dava para ver antes do resultado do bookbuilding que a remuneração com IPCA era pior. Mas a demanda nesse título foi tão forte que o resultado final ficou ainda pior. A empresa oferecia pagar, na largada, CDI + 5,5% ao ano para a primeira série e IPCA + 5,60% ao ano para a segunda. O título indexado em CDI já tinha uma vantagem de 1,64% de saída, mas ela ficou maior porque com a demanda a taxa atrelada ao IPCA caiu ainda mais.

Quem escolheu a inflação esqueceu de olhar — esses dados são públicos no site da Anbima — quais as taxas projetadas para o vencimento dos papéis. Os títulos pré-fixados nessa curva de tempo apontam 4,07% para IPCA e 5,81% para CDI. Ao esquecer de fazer essas continhas, o investidor deixou dinheiro para a Caramuru, que vai pagar menos pelo serviço dessa dívida.

 

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