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A construtora Trisul planeja vender R$ 1 bi mesmo com pandemia

Companhia está tomando pulso do mercado com projetos abertos a captação desde início de junho e acredita em retomada

Trisul decide concentrar obras nas zonas Sul e Oeste de São Paulo e deixar "Minha Casa, Minha Vida" (Eduardo Frazão/Exame)

Trisul decide concentrar obras nas zonas Sul e Oeste de São Paulo e deixar "Minha Casa, Minha Vida" (Eduardo Frazão/Exame)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 29 de junho de 2020 às 11h44.

Última atualização em 29 de junho de 2020 às 14h02.

Jorge Cury Neto, um dos sócios fundadores e presidente da Trisul, está recobrando o ânimo com o desempenho das últimas semanas. Disse ao EXAME IN que as vendas de imóveis estão melhorando desde o fim de maio e que voltou a acreditar ter chance de buscar o piso de suas projeções para o ano. No início de 2020, a companhia, uma das mais tradicionais small caps do setor na B3, estimava vender de 1 bilhão de reais a 1,3 bilhão de reais — exatamente o mesmo valor geral de vendas (VGV) dos lançamentos previstos, antes da pandemia. "Mas ainda não dá para garantir que vamos conseguir", explicou.

“Voltamos a ver, mesmo que ainda devagar, compras para investimento. Esse é um termômetro muito importante.” No primeiro trimestre do ano, a empresa suspendeu os lançamentos do período, devido à crise da Covid-19. Com isso, o número de unidades vendidas caiu 50% sobre o mesmo intervalo de 2019, para 278, e o valor recuou 25%, para 133 milhões de reais. “Agora, essa volatilidade do mercado de ações está ajudando na retomada do interesse pelo imóvel como investimento, como fonte segura de valor.”

Ele contou que tem três projetos abertos para captação de vendas desde o início de junho. A expectativa é confirmar, ao longo das próximas semanas, vendas de 20% do total do produto para então fazer o lançamento oficial. Há ainda mais dois projetos prontos que, conforme o andamento dos produtos que já estão na rua, poderão também ser lançados.

Cury disse que não vê mudança no preço dos imóveis. “Se tiver, é de ligeira alta, mas não de queda.” O executivo explicou que, durante abril e maio, a venda foi estimulada com flexibilidade na entrada. “Antes, a gente cobrava um percentual no ato. Agora, a gente dividiu esse percentual em até quatro vezes e demos, para esse período, garantia de recompra integral.” Em junho, porém, esse benefício não foi mais oferecido e não há expectativa de renovação para quem recebeu a facilidade.

Apesar de animado com as notícias de curto prazo, o executivo está preocupado com os efeitos de médio e longo prazo da perda de renda da população e as consequências disso para o mercado imobiliário. Sobre isso, disse que ainda não dá para saber como o mercado vai ficar.

A companhia anunciou recentemente a decisão de não lançar mais projetos Minha Casa, Minha Vida e está totalmente focada no segmento econômico, mas fora do programa federal, e de média renda – famílias com rendimento mensal entre 6 mil reais e 18 mil reais, segundo o executivo. São imóveis que oscilam em uma faixa de 250 mil reais a 450 mil reais. No entendimento de Cury, uma camada que pode ser afetada pela situação do país devido à pandemia.

A Trisul, de acordo com Cury Neto, fez um movimento de volta às origens nos últimos anos, o que significa a concentração dos projetos na cidade de São Paulo — mas agora totalmente concentrados nas zonas Sul e Oeste. No nascimento mesmo, antes da fusão de Tricury e Enconsul para o IPO de 2007, as companhias atuavam na Zona Leste da capital paulista.

A preocupação de Jorge Cury Neto é legítima. Depois de captar 405 milhões de reais em setembro do ano passado, a Trisul tem hoje o maior banco de terrenos na cidade de toda sua história, num total de 22 novos, com VGV potencial de 4 bilhões de reais — mais quatro do estoque antigo. Há ainda opção para outros terrenos, que agregariam um VGV de 1,6 bilhão de reais ao total. “Tenho projeto para lançamento até 2023”, disse. Do custo total com terrenos, da ordem de 800 milhões de reais, ainda há cerca de 250 milhões de reais a pagar em parcelas nos próximos dez a doze meses. “Não vejo problema para absorvermos isso com as vendas.”

Devido ao reforço de capital no ano passado, a Trisul terminou março com 405 milhões de reais em caixa, o que equivalia uma posição líquida de recursos (mais dinheiro que dívida financeira) de quase 101 milhões de reais.

A concentração da Trisul em bairros nobres de São Paulo é, na verdade, a segunda mudança adotada pela companhia em seus 13 anos como empresa aberta, em direção a tíquetes maiores. “Hoje, eu faço 1 bilhão de reais em lançamentos com 20 canteiros de obras. No passado, eu precisava de 70”, contou Cury. Com a expressão passado, ele se refere não só ao Minha Casa, Minha Vida — que durante alguns anos foi essencial à saúde financeira do negócio — mas à diversificação geográfica da Trisul pelo interior paulista.

A febre

A história de Cury é o retrato da euforia que acometeu o setor durante a febre dos IPOs em 2007 e 2008. Depois de fundir as duas empresas que nasceram na Zona Leste de São Paulo, a Trisul se lançou ao mercado sem nada conhecer da relação com investidores e, muito menos, sem estar pronta para ganhar tanta escala de repente e se diversificar regionalmente. “No fundo, a gente não tinha visão de governança, nem de gestão, nem de escala”, confessou ele, sem nenhum constrangimento diante do aprendizado.

“De repente, eu estava em 24 cidades do interior do estado. Era um risco enorme, tínhamos baixa rentabilidade e uma dispersão muito grande. Nossa dívida era cerca de 150% do nosso patrimônio líquido. Não sei como aceitamos fazer aquilo. Foi um sufoco sair daquela situação. Mas, aos poucos, entregamos tudo que tínhamos no interior e, a partir de 2014, voltamos a ficar só em São Paulo”, contou ele. “Agora, num só dia, parando para almoçar na minha casa, eu visito um terço dos meus canteiros de obra. É um setor que não dá para você trabalhar por instrumentos. Tem que estar no comando.”

O segundo movimento em busca de melhores margens e redução de risco, depois de deixar o interior, foi sair dos projetos de baixa renda do governo. De acordo com o executivo, com a taxa baixa de juros do país, combinada a uma inflação sob controle, não faz mais sentido atuar em um segmento subsidiado. “É muito difícil perder dinheiro na Zona Sul e Zona Oeste de São Paulo. E o mesmo vale para o comprador.”

A Caixa, segundo Cury, estava demorando nos repasses às construtoras, o que deixava a empresa correndo risco de aumento de preço dos insumos das obras. “Nesse cenário de juros, tem funding de melhores condições fora do programa. Esse governo já deixou claro que não gosta do modelo de subsídios.”

Oportunidade

Mas, mesmo nos piores momentos, Cury e os sócios, o irmão José Roberto Cury e Michel Esper Saad Júnior, não pensaram em desistir. Ao contrário: enquanto a companhia se desvalorizava na bolsa, eles compraram mais ações. Ampliaram a participação somada de 60% para quase 75%, por um preço entre 2 reais e 6 reais por ação, em aquisições concentradas entre os anos de 2015 e 2018.

No ano passado, fizeram a oferta primária e o investidor pagou 10 reais por papel. Diluídos pela captação, voltaram a ficar com uma fatia próxima de 60% do capital. Depois da operação, a ação já chegou aos 17 reais no auge da bolsa e caiu drasticamente no início da crise, voltando aos 6 por ação, e agora ronda os 12 reais. O valor de mercado da empresa está hoje pouco abaixo de 2,2 bilhões de reais.

 

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