Setor de saúde: ausência de cirurgias eletivas deixou margem do setor mais alta durante a pandemia (Marcos Santos/USP Imagens/Reprodução)
Graziella Valenti
Publicado em 10 de junho de 2022 às 18h03.
Última atualização em 10 de junho de 2022 às 19h04.
Após mais de 166 milhões de brasileiros já vacinados com pelo menos duas doses contra a covid-19, a pandemia foi felizmente freada. Ainda convivemos com aumentos pontuais de casos e lamentáveis mortes, mas as principais marcas dessa crise sanitária são históricas. Desde do primeiro caso confirmado no Brasil, no dia 27 de fevereiro de 2020, o país reportou mais de 31 milhões infectados e 667 mil óbitos relacionados ao coronavírus. No pico da variante delta em abril de 2021, quando as taxas de ocupação das UTIs ultrapassavam os 90%, o país atingiu mais de 4 mil mortes diárias pela doença.
E o custo de toda essa chaga foi naturalmente elevado. Em 2020, com o distanciamento social e a postergação de procedimentos eletivos, os planos de saúde tiveram despesas médicas anormalmente baixas. Mas no ano seguinte, a realidade se impôs e o setor conviveu com o retorno das eletivas, juntamente às diversas internações por covid-19. Em 2021, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), as despesas médicas do setor privado subiram 24% quando comparadas ao ano anterior e foram 19% acima dos níveis pré-pandêmicos de 2019.
Agora os reajustes nas mensalidades dos planos de saúde começam a refletir esse ônus. O mercado privado assiste 49,4 milhões de beneficiários ou cerca de 23% do população brasileira. Nesse universo, 18% são planos contratados na modalidade individual, na qual os reajustes anuais são regulados pela ANS. A agência aprovou, no dia 26 de maio, um reajuste máximo de 15,5%, que poderá ser aplicado pelos planos de saúde aos contratos individuais. Dessa forma, todos os contratos de planos individuais que fazem aniversário a partir de maio passam a ser reajustados por esse índice, além dos reajustes por faixa etária. Esse forte aumento foi inevitável, uma vez que a ANS segue uma metodologia bem definida (em vigor desde 2018), que leva principalmente em consideração as despesas médicas dos planos individuais do ano anterior.
Esse reajuste recorde (vide o gráfico) deve naturalmente ancorar o aumento de preços de outras modalidades de seguros de saúde, tais como: (I) os planos corporativos (quando os empregadores pagam pelos planos de seus colaboradores), que representam 70% do mercado de saúde suplementar; e (II) os planos coletivos por adesão (contratos dentro de uma mesma categorial profissional). Para os contratos corporativos vinculados a pequenas e médias empresas (PMEs), que precisam ser reajustados de forma homogênea por cada seguradora, os reajustes médios já anunciados beiram os 18% (vide no gráfico a média dos reajustes praticados nos contratos de PMEs pelas maiores seguradoras de saúde).
Com o forte aumento dos custos combinado com um baixo repasse de preços nos últimos trimestres, os resultados dos planos de saúde decepcionaram. A ação de Hapvida (maior operadora de planos de saúde do país), por exemplo, caiu 43% neste ano e 67% desde que a sua fusão com a NotreDame Intermédica foi anunciada, se aproximando de seu preço inicial na bolsa de valores.
Ainda é cedo para dizer se esse aumento de tarifa será capaz de sanar completamente a queda de rentabilidade do setor. A inflação de custo segue elevada, enquanto a população sofre uma queda importante no poder de compra. Um cenário que facilmente pode implicar a perda de dinamismo na demanda por planos de saúde.
A conta da pandemia chegou e ela não é barata! É necessário aproveitar o momento para pautar uma reflexão: o mercado hoje é focado na doença e não na saúde. Estudos apontam que mais de 80% dos gastos no setor são para tratar pacientes já doentes, enquanto apenas 20% são direcionados ao canal de medicina preventiva. Tratamentos e ações precoces em casos de diabetes, hipertensão e tabagismo geram economia e prolongam a expectativa de vida da população. Uma saúde menos reativa e mais proativa e preditiva. Do contrário, a conta não vai caber no bolso...
* Samuel Alves é sócio do BTG Pactual e especialista dos setores de saúde e educação