Santander: bancos não podem expor nomes de clientes, mas notas explicativas dão as pistas (Santander/Divulgação)
Graziella Valenti
Publicado em 2 de fevereiro de 2023 às 11h26.
Última atualização em 2 de fevereiro de 2023 às 16h07.
Todo mundo está curioso para entender o quanto e como o Santander (SANB11) provisionou a recuperação judicial da Americanas (AMER3), que disse à Justiça ter R$ 43 bilhões em compromissos a pagar, entre trabalhadores, fornecedores, prestadores de serviços e instituições financeiras. O banco espanhol tem um crédito de R$ 3,7 bilhões a receber da companhia. O que todos viram acontecer foi uma queda de 47% no lucro líquido societário, para R$ 1,6 bilhão. No ano, a redução foi de 16%, para R$ 12,6 bilhões, o que deixa evidente que o estrago nos números ficou nos três últimos meses do ano.
O motivo alegado pelo banco é a provisão para a carteira de crédito do atacado por um evento subsequente, ou seja, que ocorreu após o término de dezembro — difícil haver outro escândalo tão relevante como o dos R$ 20 bilhões de Americanas, em passivos que não foram corretamente relatados nos balanços. Até aqui, todo mundo compreendeu também. Mas, ficou a pergunta: quanto foi provisionado desse caso específico? Banco nenhum pode dar nome aos clientes ou anunciar a provisão realizada por empresa.
Contudo, quem procura, acha. O balanço com seus pormenores mostra o caminho das pedras. Claro que todos os detalhes estão na parte considerada a mais chata dos demonstrativos financeiros: as notas explicativas.
O Santander, e todos os bancos, precisam relatar como sua carteira de crédito está distribuída por nível de risco de cliente e como estão as provisões. Pois bem: de setembro para dezembro, os créditos de risco E do banco saltaram de R$ 7,6 bilhões para R$ 11,24 bilhões (em uma escala que vai de AA até H, ou seja, de bastante seguro para muito arriscado). Curiosamente, a diferença é justamente o que a instituição tem a receber da Americanas.
Vale registrar aqui que essa distribuição não é volátil. O que significa que os bancos não ficam mudando a percepção de qualidade de crédito a todo tempo. Tanto que nas demais linhas de risco os números estão muito semelhantes ao trimestre anterior. Grandes alterações ocorrem apenas diante de eventos relevantes.
O Santander, assim como os demais bancos credores da Americanas, estão em uma dura batalha judicial com a empresa, para conseguir assegurar recursos da empresa que estavam depositados e também para entender como o rombo dos R$ 20 bilhões foi feito. Todos apontam nos pedidos à Justiça o entendimento de que houve fraude. O banco já conseguiu, inclusive, realizar busca e apreensão de documentos na empresa, a respeito da comunicação dos executivos e dos conselheiros de administração. O Bradesco também obteve vitória semelhante na Justiça. O que todos querem com essas informações é achar e responsabilizar os culpados e fazer com que honrem os compromissos.
No risco E, a regulação sugere uma provisão de 30%. Ou seja, com R$ 3,7 bilhões a mais, as provisões deveriam subir R$ 1,1 bilhão, como sugere a classificação. Na comparação com a posição de setembro, porém, houve uma alta de apenas de R$ 861 milhões. O total provisionado nessa linha saiu de R$ 2,63 bilhões para R$ 3,49 bilhões.
A única coisa não explicada aqui é porque o saldo total das operações de risco E subiram 48% e as provisões relacionadas a elas tiveram alta inferior a 33%. O que ocorreu, mas sem clareza dos motivos, é que o percentual provisionado até setembro para essa classe era de 35% (o hábito do Santander é provisionar sempre um volume além da exigência regulatória) e agora, até dezembro, caiu para 31%. Mas é fato que o debate sobre o caso Americanas está apenas no início. Ainda não estão nem um pouco claras quais as chances dos bancos de recuperação dos créditos. O que todos sabem é que os donos da varejista têm patrimônio para lidar com o problema, mas até agora não o fizeram.
É preciso ver o que os investidores irão achar disso quando entenderem, ou não entenderem, os motivos.