Sabesp:Na prática, o segundo colocado pode cobrir a oferta do primeiro se tiver mais demanda do mercado, o que aumenta as chances de que vença o estratégico preferido pelos investidores (Victor Moriyama/Bloomberg/Getty Images)
Editora do EXAME IN
Publicado em 21 de junho de 2024 às 12h25.
Última atualização em 21 de junho de 2024 às 13h18.
Um detalhe na privatização da Sabesp, anunciado ontem à noite pelo governo do Estado, animou os investidores.
A mecânica da operação agora prevê um “right to match” para o investidor estratégico que fez a segunda melhor oferta, caso ele tenha recebido um valor maior de book na segunda etapa.
Na prática, o segundo colocado pode cobrir a oferta do primeiro se tiver mais demanda do mercado, o que aumenta as chances de que vença o estratégico preferido pelos investidores de Bolsa e dá incentivo para os interessados apresentem a melhor oferta logo de cara para afastar os concorrentes, na avaliação de gestores ouvidos pelo INSIGHT.
O dispositivo ajudou a dissipar em parte o desânimo do mercado com o preço a ser oferecido no processo, após a privatização ter atraído menos interessados que o inicialmente esperado pelo mercado.
SAIBA ANTES: Receba as notícias do INSIGHT pelo Whatsapp
Em meio à esses temores e ao azedume da Bolsa, a ação da Sabesp caiu 12% desde as máximas do ano, em abril. fechando o pregão de ontem em R$ 72,06. Hoje, as ações sobem 3,5%, para R$ 74,69.
Se num primeiro momento havia expectativas que diversos players – como Cosan, Veolia, Votorantim e Pátria – pudessem entrar na disputa, na prática, apenas Aegea e Equatorial apresentaram manifestação de interesse.
O empresário Nelson Tanure também se cadastrou para apresentar oferta, mas sua participação no certame é incerta, dadas as dificuldades para obter garantias e a complexidade do processo.
A estrutura da oferta de Sabesp é complexa: numa primeira etapa, o governo vai oferecer uma fatia de 15% do capital para investidores interessados em ser acionista de referência e que vão ficar amarrados num acordo de acionistas com o Estado, válido pelo menos até 2030. Esse investidor terá poderes importantes, como a escolha do CEO e do chairman.
As duas melhores ofertas devem ser apresentadas ao mercado no próximo dia 28.
Em seguida, começa um processo competitivo com o mercado em geral, que vai dizer qual é seu investidor de referência preferido.
Nessa segunda oferta, será oferecido 17% do capital ao mercado como um todo. Os investidores poderão colocar ofertas para dois books, dos dois maiores proponentes. Vence aquele que conseguir o melhor preço médio ponderado entre a primeira etapa da oferta e a segunda
Um ponto crucial definido ontem pelo governo em reunião do Conselho de Desestatização é uma cláusula conhecida em inglês por “right to match”.
Ele vai funcionar da seguinte forma: o investidor que apresentou a segunda melhor proposta na primeira etapa tem o direito de cobrir a oferta, se tiver o melhor preço na segunda etapa.
Num exemplo prático: o investidor número 1 apresentou uma oferta de R$ 100 por ação na primeira etapa e o número 2, de R$ 95.
Na segunda etapa, haverá uma trava de cobertura mínima do book. Os bancos coordenadores vão avaliar qual proposta resultou no maior preço nesse múltiplo de ações ofertadas. O número oficial não vai ser divulgado para não influenciar o processo – mas vamos supor que ele seja de 2 vezes.
Seguindo o mesmo exemplo: na segunda etapa, há demanda do mercado de 2 vezes as ações ofertadas por R$ 85/ação na proposta do primeiro investidor. No caso do segundo, esse preço é de R$ 87.
Nesse caso, o preço médio é de R$ 92,5 em cima da proposta do investidor 1, e R$ 91,5 para o investidor número 2. Como teve um valor maior na segunda etapa, o investidor número 2 pode aumentar sua oferta para superar à do concorrente na etapa 1. Como resultado, o preço médio da operação sai maior do que em qualquer um dos dois cenários iniciais.
A cláusula foi incluída para garantir um preço mais alto para o Estado, ao mesmo tempo em que torna o mercado protagonista na escolha do investidor que mais lhe agrada. “O book é soberano na escolha”, resume uma fonte próxima à operação. Naturalmente, vai ter um preço maior na segunda etapa o investidor que conseguir maior demanda para puxá-lo para cima.
Entre os investidores, há duas leituras sobre as consequências: primeiro, dá uma vantagem à Equatorial, empresa já mais conhecida pelo mercado e que, ao menos em tese, tem mais capacidade de atrair um book robusto.
Representantes da companhia vinham advogando por essa cláusula junto aos bancos coordenadores há algum tempo, apurou o INSIGHT.
Com um perfil mais low profile, a companhia, conhecida pelo turnaround de distribuidoras de energia e com um pezinho mais recente em saneamento, vem tendo menos interação com o mercado que a concorrente Aegea – o que vinha trazendo a percepção de que ela estava mais fora do jogo.
De acordo com interlocutores que participam do processo, no entanto, a empresa segue firme nas interações com governo e reguladores, com funding garantido tanto por um pool de bancos via dívida e em consórcio com o fundo de pensão canadense CPP, além das gestoras Opportunity e Squadra.
“Eles têm menos interação com o mercado porque não faz sentido para eles se apresentarem agora e puxar o preço da ação para cima antes de fazer a oferta. Eles já são conhecidos, cabe à Aegea, que tem menos interlocução com os investidores de equities, se apresentar para conquistar os investidores”, diz um gestor otimista com a tese da privatização da Sabesp e que acompanha de perto o processo.
Uma segunda consequência é diminuir a chance de um investidor ‘indesejado’, como é o caso da Tanure, entre de fato na disputa. “Se ele entrar, é difícil que forme book. Mas ainda que formar, o segundo colocado tem direito de cobrir”, pondera um outro investidor.
O lançamento oficial da oferta da Sabesp deve ser feito hoje à noite. Na próxima semana, o governador Tarcísio de Freitas segue em roadshow para apresentar a tese nos Estados Unidos e, na semana seguinte para a Europa.
As propostas dos estratégicos serão conhecidas no dia 28 e a partir de então eles poderão ir a mercado para tentar ‘conquistar’ oficialmente os investidores a entrar na sua proposta.
Será o momento de apresentar suas credenciais para operar a companhia e multiplicar seu valor como empresa privada e em meio a um novo modelo regulatório que agora incentiva mais a eficiência.
Gestado há mais de um ano, o jogo está prestes a, de fato, começar.