É arriscado apostar em cenário binário, quando China, Fed e Taleban entram no jogo e investidor tem mau-humor com emergentes (Germano Lüders/Exame)
Angela Bittencourt
Publicado em 23 de agosto de 2021 às 12h10.
Uma pergunta não cala nas mesas de operações nas últimas semanas: o Brasil saiu do campo dos investidores? O tombo da Bolsa de Valores, a escalada dos juros de 10 anos a dois dígitos e o fôlego do dólar – em meio a um cenário de inflação que ameaça desancorar expectativas – são um sinal de que algo não vai bem na imagem brasileira.
Ainda assim, não há resposta pronta e enxuta para essa pergunta ou para a seguinte: mesmo que o risco Brasil oscile atualmente em torno de 190 pontos – a milhas de distância de quase 4.000 pontos alcançado às vésperas da eleição de 2002 – o país está mesmo menos arriscado? Globalmente, os momentos são incomparáveis. Localmente também. O Brasil avançou em duas décadas, mas gestores consultados pelo EXAME IN afirmam que apostar num cenário binário é o verdadeiro risco.
Investidores estão de mau-humor com mercados emergentes em geral neste momento e não só por particularidades de cada país, mas por eventos de impacto global. Indicadores de atividade mais fracos na China, um Federal Reserve (o Banco Central americano) mais atento à inflação e a tomada do Afeganistão pelo Taleban, ampliando riscos geopolíticos, justificam resultado negativo em qualquer soma. Isso vale para o mundo todo, como a variante Delta da Covid-19.
É fato, porém, que eventos locais tampouco trazem alívio. Inflação persistente, somada a um BC mais agressivo, a um Ministério da Economia mais flexível, resistência setorial e parlamentar à mudança do Imposto de Renda e à proposta de parcelamento da dívida de precatórios, além da indisposição do presidente da República com ministros do STF e vice-versa, só poderiam levar à queda do Ibovespa e ao salto do juro e do câmbio. Há percepção de que o Brasil ficou mais arriscado, embora sem levantar suspeita de que estamos à beira de uma ruptura institucional ou de política econômica, relatam os entrevistados. E, além disso, há melhorias históricas, mas que o atual governo não consegue transmitir. O ruído político acaba atrapalhando a leitura de tudo que foi ou está a caminho do lugar certo.
Esse quadro todo resulta, neste momento, em uma tremenda dificuldade sobre como se posicionar no Brasil. Está difícil saber qual é a melhor estratégia. Os juros, embora em alta, continuam comprometidos pela inflação no curto prazo. A bolsa, por sua vez, pressionada pelos juros longos, não representa, também no momento, uma alternativa consensual. A queda do Ibovespa trouxe oportunidades pontuais, mas não criou ainda um cenário óbvio de recuperação generalizada.
Fabiano Godoi, sócio e CIO da Kairós Capital, diz não ser nova a dificuldade de se ter uma visão mais otimista de investimento no Brasil e atribui à questão fiscal um fator determinante. “A questão fiscal ficou patente já no ano passado, quando os mercados assistiram à dificuldade do governo para divulgar um Orçamento que ficasse no teto de gastos, seguida de outra dificuldade: a de aprovação do texto”, afirma o gestor para quem a pandemia e a antecipação do calendário eleitoral ajudaram a truncar uma agenda que estava sendo bem construída.
“Tivemos boas notícias ao longo do tempo: a aprovação do teto de gastos, a reforma da previdência, a reforma trabalhista, a mudança na TJPL que deu mais racionalidade às operações dos bancos públicos. Tudo ainda no governo Michel Temer. Vínhamos caminhando numa boa direção, mas aí chegou a pandemia e esgarçou aquele fio de esperança que vínhamos construindo”, diz Godoi.
Para ele, o país já vinha, há muitos anos, com crescimento econômico muito baixo e endividamento crescente que se acentuou com gastos estratosféricos para combater os efeitos da pandemia. “Não vem ao caso se gastamos pouco, muito ou errado. O fato é que gastamos. E isso levou nosso endividamento a um patamar muito mais elevado. E quando olhamos tudo isso percebemos que as âncoras fiscais acabaram. Foram reduzidas exclusivamente ao teto de gastos. Se o teto entra em xeque, há com que se preocupar.”
Além da pandemia, o CIO da Kairós pondera que o calendário eleitoral foi antecipado com a decisão da Justiça de restabelecer os direitos políticos do ex-presidente Lula. “Quando isso acontece, naturalmente por ser uma figura carismática e que ainda tem uma parcela da sociedade que o trata como um ídolo e não como um político, todos os incentivos [ao atual governo] são no sentido de gastar mais e não fazer qualquer tipo de programa que dê um norte fiscal ao país. E não se trata apenas do Executivo, mas também do Legislativo que enfrentará a eleição. E o interesse de todos é sempre garantir a maior bancada possível porque é isso o que determina os marcos de poder neste e em qualquer outro futuro governo, enquanto nossa estrutura for como é.”
Godoi pergunta como esperar que os poucos ‘goleiros’, representados pela equipe econômica, consigam sobreviver a um bombardeio de demandas por mais gastos para satisfazer todos os interesses. "E quando falo de interesses eleitorais. Não estou dizendo que interesses são ilegítimos ou todos com objetivo de eleição. De fato, será que o Bolsa Família é adequado para a atual situação da população brasileira? Será que estender o auxílio emergencial não vai melhorar o cenário em que estamos vivendo?”
Ele deixa claro que não faz julgamento do mérito das demandas, mas reconhece que a percepção do risco fiscal do país piora. E, com ele, é antecipada também a volatilidade nos preços dos ativos que estava meio que contratada para um ano eleitoral e com um pleito polarizado. “Os riscos acabaram embutidos nos preços também antecipadamente. Portanto, não tem como não ficar mais reticente com o Brasil. Não tem como ter uma visão otimista estrutural para o país. Tudo o que está sendo feito está sendo empurrado para 2023 para quem quer que venha assumir a Presidência – o atual presidente ou qualquer outro – será uma situação difícil e um problema terá que ser resolvido.”
Godoi lembra que a relação dívida/PIB melhorou, o que é positivo. Mas entende que o governo não aproveitou esse bom momento (e resultado) para dar um norte fiscal ao país. “Infelizmente, estamos aproveitando essa ‘melhora’ para fazer mais gastos e isso gera muita tensão e muita preocupação. Não achamos que os ativos brasileiros estão caros. Mas a relação risco-retorno de se investir no Brasil hoje, no horizonte de tempo daqui até as eleições nos parece inadequado. Nos parece ser melhor tentar capturar qualquer estímulo de recuperação global que ainda esteja pela frente com o avançar da vacinação e investir em ativos lá fora do que investir em ativos brasileiros.”
Felipe Hirai, sócio e gestor da Dahlia Capital, diz ao EXAME IN que a casa tenta não ver o cenário tão binário. “Tentamos enxergar os riscos e as oportunidades de investimento quando investimos no país e fora dele. E avaliamos que, neste momento, as questões que estão em foco são a possibilidade de o Federal Reserve iniciar a redução dos estímulos monetários e a piora de indicadores da China.”
Para a Dahlia, os ciclos globais são muito determinantes, pois interferem na precificação de vários ativos diferentes, inclusive, os ativos domésticos. “Estamos atentos às questões fiscais, políticas e às taxas de juros no Brasil, mas estamos atentos também ao crescimento e a inflação nos Estados Unidos e nas perspectivas de crescimento e adoção de mais estímulos na China”, diz Hirai para quem é importante observar que o movimento recente dos preços dos ativos não ocorreu apenas no Brasil.
“Como acontece na maior parte das vezes, outros mercados perderam. As bolsas de economias emergentes caíram, as moedas desses países também depreciaram. Até por isso não conseguimos atribuir movimentos exclusivamente a questões políticas e fiscais locais. Seria obviamente mais simples se nosso mercado estivesse em descompasso com os outros mercados. Não é o caso e também precisamos considerar que o mercado aqui tem uma elasticidade maior. Os preços são mais voláteis.”
O gestor da Dahlia comenta que dinheiro entra e sai do Brasil a toda hora, mas ele tem observado que do lado dos estrangeiros há, sim, interesse em estar no Brasil, na bolsa e nas ofertas de ações. “Talvez preocupe um pouco mais a relevância do Brasil no mercado global. E a grande verdade é que a relevância do Brasil é pequena. O Brasil representa 1% do valor de mercado do mundo. Não é algo muito significativo. Mas isso não quer dizer que o país não é interessante. Mais que isso, o cenário fiscal pode ou não piorar. Contudo, tem uma série de empresas que por suas próprias características, e dinâmicas de seus setores, continuarão indo bem, independentemente do quadro fiscal", relata Hirai.
Um terceiro gestor de investimentos de uma instituição estrangeira, que prefere não ser identificado, também não vê investidores estrangeiros desistindo do Brasil, mas vê maior cautela na tomada de posições. Cautela que ele atribui sobretudo à mobilização do Executivo e do Congresso em torno de saídas para viabilizar mais gastos em 2022. No que considera uma reação preventiva à maior polarização que se espera nas eleições.
Esse interlocutor do EXAME IN reconhece que o saldo da última semana é pesado, mas prefere atualizar a agenda deste final de agosto que, reforça, pode elevar a tensão já existente - seja por ruídos que alguns eventos naturalmente contratam, seja por expectativas. De fora, aponta, o simpósio de Jackson Hole, patrocinado pelo Fed de Kansas City, que reúne anualmente bancos centrais de muitos países, "é alvo absoluto de atenção" porque Jerome Powell, presidente do Fed, poderá dar sinais mais claros da retirada de estímulos monetários da economia americana para o final deste ano.
“Aqui haverá repercussão da decisão do Bolsonaro de pedir a abertura de processo de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Na semana, o STF também deve julgar a autonomia do BC questionada pelo PSOL e PT [o tema entra na pauta da quarta-feira]. E a discussão ganha relevância por pelo menos dois motivos: primeiro porque o presidente, que já sancionou a lei de autonomia do BC, teria demonstrado arrependimento da decisão, segundo noticiou a Associated Press hoje [sexta-feira]; segundo, porque o BC está em meio a um ciclo de alta de juro que terá inevitável efeito sobre a atividade em meio ao calendário eleitoral. A recuperação da economia poderá ser abatida. Aqui não tem final feliz", diz o gestor.
Se o Supremo derrubar a autonomia do BC, provocará forte reação dos mercados. Se deixar como está, o BC deverá manter a condução da política monetária também como está. Qualquer decisão será caldo de cultura para manifestações do presidente na delicada seara financeira.
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