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Riqueza acumulada é passaporte para crescimento – e inflação

Indicadores críticos saem hoje nos EUA, onde crise da Covid-19 semeou uma explosão da renda das famílias

Volpon, da WHG, calcula que a poupança das famílias nos EUA está em US$ 6 trilhões, ante US$ 1,2 trilhão entre 2018 e 2019  (Amanda Perobelli/Estadão Conteúdo)

Volpon, da WHG, calcula que a poupança das famílias nos EUA está em US$ 6 trilhões, ante US$ 1,2 trilhão entre 2018 e 2019 (Amanda Perobelli/Estadão Conteúdo)

AB

Angela Bittencourt

Publicado em 27 de maio de 2021 às 14h42.

Última atualização em 27 de maio de 2021 às 14h47.

Consumo e renda são gatilhos para crescimento ou contração de atividade em qualquer economia, mas quando se trata da economia americana os resultados podem reorientar uma precificação global de ativos. Os dados de abril saem nesta sexta-feira de divulgação do índice de preços do consumo das famílias (PCE) nos EUA. O indicador é determinante para definição de políticas do Federal Reserve (Fed) e para as expectativas de redução dos estímulos monetários e elevação da taxa de juros porque o cenário atual é de pressão inflacionária. Porém, comete um equívoco quem pensa que o cenário de terra arrasada imposto pela pandemia de Covid-19 à saúde se aplica integralmente às questões econômicas. A crise provocada pela pandemia torna o momento singular.

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“Ao contrário de eventos recessivos anteriores, essa crise não levou à queda no patrimônio das famílias norte-americanas. Ao contrário, a riqueza aumentou e pode ser vista como passaporte para o crescimento econômico, mas também para mais inflação”, afirma o economista e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, Tony Volpon, estrategista-chefe da Wealth High Governance (WHG).

Ele explica que normalmente, antes da crise, há um período de alta no nível de riqueza, seguido de um ‘crash’. E demoram alguns anos para que todas as perdas sejam recuperadas. “Na crise atual, porém, houve uma rápida queda e uma acelerada recuperação no nível de riqueza das famílias, que hoje já supera o pico cíclico alcançado em 2007 [pré-crise financeira global]”, explica Volpon na última edição do relatório Economic Insights, da WHG.

Parte relevante desse patrimônio está hoje em ativos líquidos, constituindo um forte aumento da poupança, que atualmente está em US$ 6 trilhões, ou 27,6% da renda, muito acima dos 8% vigentes antes da crise, calcula Volpon. “Quanto dessa poupança excedente será direcionada ao consumo e quanto será ‘entesourada’ em investimentos pode ser um fator determinante para o nível de crescimento e inflação nos próximos anos.”

A poupança dos norte-americanos teve tamanha alta, graças aos pacotes fiscais que privilegiaram as transferências diretas de renda às famílias e à queda das despesas com serviços, dadas as restrições de mobilidade que afetaram fortemente o setor durante a pandemia – queda compensada, porém parcialmente, por um consumo maior de bens.

Serviços por bens

Volpon pondera que pode atenuar a preocupação com o risco de sobreaquecimento da economia o fato de o consumidor não compensar plenamente o consumo perdido de serviços. O consumidor não frequentará mais restaurantes em função da reabertura das economias ou redução de restrições à circulação de pessoas. Contudo, ele alerta que a postura do consumidor pode ser diferente quando aos bens, sobretudo bens duráveis. A compra de um automóvel, se adiada durante a pandemia, pode vir a acontecer.

“Há evidências que a intensidade de uma recuperação econômica será menor se o consumo postergado foi maior em serviços em comparação a bens duráveis. Mas, ainda que uma demanda ‘reprimida’ mais concentrada em serviços ajude a evitar uma explosão imediata do consumo, ainda há o risco de um período longo de excesso de demanda, caso uma parte substancial da poupança acumulada seja direcionada para o consumo”, afirma o estrategista-chefe da WHG, lembrando que o risco está presente porque o nível total de consumo das famílias já ultrapassou o patamar pré-crise de Covid-19.

No estudo divulgado nesta semana, a WHG pondera que o comportamento do consumidor dependerá muito da forma como ele enxerga seu atual nível de poupança. “Se essa poupança for encarada como parte do patrimônio ou da riqueza, a parcela que irá para o consumo deve ser pequena, na ordem de 10%. No entanto, se for vista como parte da renda, podemos ver de 60% a 70% [da poupança adicional] indo para o consumo.”

Volpon demonstra a complexidade do momento – de confronto entre crescimento e inflação. “Hoje, as famílias americanas enfrentam uma situação invejável em termos de riqueza, renda e liquidez, mas ainda há incertezas em relação ao emprego, especialmente entre famílias de menor renda que foram afetadas desproporcionalmente pela pandemia. A parcela consumida do excesso de poupança deverá ser proporcional à queda de incerteza e da confiança no futuro da economia”, pondera.

Consumo fortalecido

Em interessante exercício, Tony Volpon demonstra o fôlego da poupança ampliada. Hoje, o nível de poupança nos EUA está em US$ 6,04 trilhões, resultado muito superior à média de US$ 1,23 trilhão observada entre 2018 e 2019. O “excesso” seria de US$ 4,8 trilhões, ou 31% do nível de consumo atual, de US$ 15,4 trilhões. Os cálculos da WHG mostram que, no final de 2022, o nível de consumo poderia ser 22% maior somente pelo efeito do ajuste da poupança disponível. Em decorrência, a taxa de crescimento anual do consumo saltaria da média de 4,2% entre 2015 e 2020 para 6,9% no final de 2022.

Quanto à inflação nos EUA, o economista avalia que a visão mais benigna seria que o processo de reabertura vai gerar um pico temporário de inflação, devido a descasamentos setoriais entre demanda e oferta, mas que, com o tempo, haverá uma equalização dessas diferenças, com a inflação como um todo convergindo para valores condizentes com a meta e expectativas para o indicador.

O risco a essa tese, porém, está no fato que a situação atual é contrária à observada na crise financeira de 2008, por exemplo, sem destruição de riqueza patrimonial, mas crescimento dessa riqueza. “Há ainda dano ao nível de emprego. Contudo, está ficando cada vez mais claro que parte dessa recuperação mais lenta do mercado de trabalho tem ocorrido devido às restrições de oferta, menos pessoas procurando vagas, e não à falta de demanda ou, dito de outra forma, de vagas abertas para contratação. Portanto, o ajuste natural no mercado de trabalho virá por aumentos salariais.”

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