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Revisão de indicadores poupa ativos, mas taxação de dividendos pesa

PIB deste ano está mais perto de 5% e, para 2022, de 1,5%; inflação estimada ronda 8% e Selic estica até 8,5% - a maior desde setembro de 2017

Parâmetros desatualizados na elaboração da proposta de Orçamento de 2022 fortalecem a perspectiva de revisão, avalia o J.P. Morgan (Divulgação/Divulgação)

Parâmetros desatualizados na elaboração da proposta de Orçamento de 2022 fortalecem a perspectiva de revisão, avalia o J.P. Morgan (Divulgação/Divulgação)

AB

Angela Bittencourt

Publicado em 2 de setembro de 2021 às 12h20.

Última atualização em 2 de setembro de 2021 às 12h56.

A regra é histórica e clara. Informações inesperadas e surpreendentes orientam uma legião de operadores do mercado financeiro a comandar ordens de compra e venda de ativos no calor do momento. A repercussão sobre preços e taxas é líquida e certa. Ontem, porém, o script mudou e uma outra galera foi mobilizada às pressas: os economistas.

O Produto Interno Bruto (PIB) menor que o esperado no segundo trimestre, mais um aumento forte na conta de luz e o envio, pelo governo ao Congresso, da proposta de Orçamento para 2022 sujeita a muita discussão e revisão não abateram os ativos financeiros, mas precipitaram a revisão em bloco de projeções de crescimento, inflação e Selic. Todas para pior. A esses dados juntou-se, nesta manhã, o resultado da produção industrial de julho, mais fraca que o previsto. O mercado já retoma a ‘regra histórica’ e os ativos sofrem com a aprovação, na Câmara, da reforma do imposto de renda, que inclui a tributação de dividendos e o fim do juro sobre capital próprio.

As novas projeções de indicadores econômicos, se ainda não perturbam também não ajudam. O PIB desde ano ficou mais perto de 5% do que de 6%; no ano que vem, mais próximo de 1,5%. A inflação esperada para este ano chega a ultrapassar 8%; para 2022 ronda 5% - teto do intervalo de tolerância do regime de metas em vigor no país para o ano que vem. A taxa Selic, em alta desde março e hoje em 5,25%, cola em 8,5% e aí deve permanecer até dezembro de 2022 - maior nível desde setembro de 2017. Não é pouco, mas essa estimativa está sujeita a novas leituras ao sabor da inflação. Na prática, o mercado perseguirá margem mais confortável de juro real – aquele que supera a variação dos preços na economia.

David Beker, chefe de economia e estratégia do Bank of America no Brasil, dá uma boa medida da nebulosa perspectiva para a atividade nos próximos meses. Ele considera apropriada sua projeção para o PIB de 2021 de 5,2% e de 2,1% para 2022, mas informa que o BofA Coincident Tracker e alguns indicadores de confiança já mostram alguma acomodação no terceiro trimestre. Há motivo para isso: fim do auxílio emergencial em julho, aumento do ruído político, rupturas do lado da oferta que impulsionam os preços dos insumos, e os níveis baixos dos reservatórios de água.

Para José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, a queda do PIB entre os dois primeiros trimestres do ano mostra que voltamos ao passado. “A um passado nada brilhante”, reforça em relatório. "Desde a recessão 2015/2016, a economia cresce a 0,3% ao trimestre, 0,9% ao ano, na média. A perspectiva, do lado da demanda, sem o que não há oferta, é de contração. A Pnad contínua de junho mostrou queda na massa de renda real e na renda real média, apesar da alta na ocupação. Os juros devem ficar altos por vários trimestres, assim como a inflação que será agravada pelo custo da energia elétrica e por alguma alta nos preços dos serviços. Os dois componentes principais da demanda doméstica, em época de contenção de gastos do governo, mostram claramente que a situação corrente e as expectativas das empresas e das famílias são desanimadoras”, afirma.

Orçamento pronto para ajuste

A proposta de Orçamento, pontua o economista sênior do J.P. Morgan, Cristiano Souza, necessitará de ajustes, aumentando as incertezas fiscais e a própria discussão da proposta encaminhada na terça-feira pelo governo ao Congresso. A proposta prevê um déficit de R$ 49,6 milhões, sendo o forte aumento das receitas o principal motor para a redução de um déficit de R$ 155,1 bilhões apresentado na última revisão bimestral de receitas e despesas. Souza lembra que o texto encaminhado prevê que as receitas totais atinjam 20,8% do PIB e, as receitas líquidas, 17% do PIB.

O governo não incluiu receitas provenientes da potencial privatização da Eletrobras na proposta, alerta o economista do J.P. que faz importante ponderação. “Apesar de se esperar que o PIB cresça 2,5% em termos reais, a estimativa implícita na proposta de Orçamento do governo traz um deflator do PIB de 6,1%, ainda elevado tendo em consideração que a meta para a inflação IPCA no próximo ano é de 3,5%. Para efeitos de comparação, se utilizássemos uma deflator do PIB mais alinhado à inflação projetada pelo IPCA, o déficit primário seria de cerca de R$ 87 bilhões; e se o PIB crescesse 2% em vez de 2,5%, o déficit seria de R$ 94 bilhões”, afirma.

Ao assumir o pagamento dos precatórios (R$ 89,1 bilhões) em um espaço fiscal limitado, diz Souza, a atenção se volta para as despesas. Ele lembra que o limite de gastos foi respeitado, mas impõe a necessidade de uma revisão. Considerando a inexistência [por ora] de uma solução formal para a redução da fatura dos precatórios, as despesas discricionárias de 2022 continuaram a ser severamente limitadas em R$ 98,6 bilhões, com investimentos de R$ 11,2 bilhões, inferior aos R$ 12,6 bilhões de 2021, e a folha de pagamentos dos funcionários públicos congelada em um ano eleitoral.

O congelamento também vale para o novo programa de transferência de renda Auxílio Brasil que foi incluído no Orçamento, mas com os mesmos R$ 34,7 bilhões deste ano. Esse montante seria suficiente para atender 14,7 milhões de famílias, enquanto recentemente o governo estimou um aumento entre R$ 26 bilhões e R$ 28 bilhões para atender 17 milhões de famílias. O fundo eleitoral deverá receber menos da metade dos R$ 5,3 bilhões aprovados no Congresso.

Fortalece a perspectiva de revisão da proposta orçamentária, os parâmetros desatualizados que foram usados para sua elaboração. O especialista do J.P. Morgan cita que a inflação medida pelo INPC para 2021 é estimada, no texto, em 6,2%, enquanto o J.P. prevê 8%. Essa defasagem leva a uma revisão para cima em despesas sociais obrigatórias provavelmente comprimindo ainda mais os gastos discricionários. Por consequência, diz o J.P. Morgan, esperamos incerteza sobre a política fiscal e Orçamento até a data limite de 22 de dezembro, quando a proposta deverá estar aprovada.

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