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Regra de BDR: além de ações gringas, investidor poderá comprar dívida

CVM permite que B3 crie BDR de títulos internacionais de dívida emitidos por empresas estrangeiras e brasileiras

Bovespa; Ibovespa; B3; Bolsa de Valores (Amanda Perobelli/Reuters)

Bovespa; Ibovespa; B3; Bolsa de Valores (Amanda Perobelli/Reuters)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 11 de agosto de 2020 às 21h10.

Última atualização em 12 de agosto de 2020 às 11h52.

A nova regra da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para os recibos brasileiros de ações (BDRs) vai mais do que revolucionar a oportunidade de diversificação dos pequenos investidores brasileiros em ações — agora que poderão comprar também papéis de companhias estrangerias: pode mexer e muito com o mercado de dívida corporativa.

De forma inédita no Brasil, a autarquia abriu espaço para que a B3 tenha também títulos de dívidas de empresas internacionais e de brasileiras que emitem no mercado externo — os famosos bônus. Todos os títulos, sejam ações, ETFs ou dívidas, serão negociados aqui na forma de um certificado local, um brazilian depositary receipt (BDR).

Vale aqui um esclarecimento: já são negociados na bolsa BDRs de companhias internacionais, mas até então só estavam disponíveis para investidores qualificados (com mais de 1 milhão de reais no bolso). Agora, o pequeno investidor também poderá comprar. Além disso, as empresas brasileiras que listaram seus papéis nos Estados Unidos poderão negociar aqui os recibos, como XP Investimentos, Stone e PagSeguro, entre outras. Tudo isso foi definido a partir de uma resolução publicada nesta terça-feira pela CVM e que altera seis instruções (332, 359, 471, 476, 480 e 555).

A única questão é que a revolução para o mercado de dívida vai acontecer mais à frente. O EXAME IN apurou que, de todos os produtos, a bolsa está mais avançada no preparo de ações e ETFs. No mercado de dívida, ainda há muito a ser feito — e os participantes do mercado também precisam se engajar no debate para trazer ideias, necessidades e oportunidades.

Na prática, seria como se os investidores locais passassem a comprar aqui mesmo no Brasil — além de ações de Amazon, Netflix, Coca-Cola, Nestlé — também os papéis de dívida dessas empresas, o equivalente às nossas debêntures, mal comparando. Além disso, diversas companhias brasileiras que são grandes exportadoras fazem emissões fora do país: para quem tem receita em dólar faz sentido ter dívida em dólar. O mercado brasileiro vem crescendo, mas ainda há muito a se desenvolver. No mercado externo há o que no jargão financeiro chamam de 'profundidade': muito mais dinheiro, de um número maior de participantes e mais especializados. Por exemplo, se uma empresa com risco mais elevado precisa captar, ela vai encontrar compradores desde que remunere proporcionalmente. Aqui, essa alternativa é praticamente inexistente.

A lista de companhias brasileiras que acessam o mercado de dívida externa é grande: vai de Petrobras, passa por JBS, BRF  e alcança Raízen, Rumo, Braskem, Ultrapar, Suzano, além das aéreas Gol e Azul e de companhias de energia — isso para falar apenas de alguns exemplos e da diversidade setorial.

A CVM explicou que já existia a possibilidade que fosse feito um DR internacional de uma debênture brasileira e que agora a via será de mão dupla, com o BDR dos bônus. O trabalho pela frente, contudo, ainda é longo. A xerife do mercado estabeleceu que para ser negociado por meio de um BDR aqui, o papel de dívida externa precisa ser transacionado em um ambiente reconhecido — que não é um país, são as bolsas e as plataformas de balcão.

Portanto, para a B3 oferecer o bônus aqui precisa de uma parceria com esses mercados. Muitas coisas precisam ser mapeadas antes de qualquer iniciativa, tais como quais são os principais ambientes e se há interesse dos emissores externos em acessar os bolsos brasileiros. Hoje, para que fundos ou grandes clientes de gestoras locais possam comprar esses títulos é preciso criar um veículo offshore. Mas o interesse pode ser muito maior se os papéis estiverem aqui mesmo.

Na opinião de Odilon Costa, analista de crédito da Exame Research, a demanda brasileira pelos BDRs de bônus e seus impactos podem ser relevantes. Para os investidores que hoje usam offshores é possível uma simplificação na tributação associada e até mesmo para contratos de hedge (para aqueles que querem proteger a exposição cambial).

"Ter os bônus negociados aqui também ajudaria na transparência do mercado de dívida local, pois os papéis lá são marcados a mercado, diferentemente dos brasileiros", aponta ele. "Além disso, muitas companhias emitem lá fora e aqui. Os papéis externos auxiliariam na definição das taxas locais", completa.

O especialista da Exame Research explicou que a definição da demanda dos BDRs de dívida dependerá dos preços de entrada. Lá fora, por exemplo, os papéis de dívida são negociados em lotes de 200 mil dólares. No Brasil, as pessoas físicas têm se mostrado grande compradoras de debêntures, certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs) e outros títulos, em busca de retornos maiores entre as dívidas corporativas do que nos títulos públicos — devido à forte queda na taxa de juros local. Nessa semana, o Comitê de Política Monetária (Copom) cortou a Selic para 2% ao ano.

Prazos

Além de demandar estudos, a formatação de BDR de dívida depende de a B3 primeiro conseguir colocar na rua os produtos com ações e ETF, conforme fontes do mercado financeiro. Trata-se de um trabalho da bolsa que, depois de executado, volta para ser avaliado pela CVM. Para poder oferecer BDRs de ações de empresas brasileiras e ETFs para pessoas físicas, a B3 precisará atualizar seu regulamento de emissores (as companhias e os geradores de ETFs) e é a autarquia quem aprova essa documentação.

O trabalho com os BDRs de ações, contudo, oferecem algum parâmetro de discussões que poderão ocorrer também para papéis de dívida. A bolsa precisa definir a paridade entre as ações e os BDRs — por exemplo, quantos recibos serão necessários para compor uma ação inteira. A ação da Amazon está cotada na Nasdaq a mais de 3 mil dólares — mais de 15 mil reais, portanto. No caso do Google (Alphabet), o valor é de quase 1,5 mil dólares, ou acima de 7,5 mil reais. Depois da paridade, a B3 terá de estabelecer qual será o lote mínimo de negociação. Ambas as questões são determinantes para saber qual será o tíquete de entrada desses papéis e tantos outros. Em especial, em um momento em que o dólar é negociado a 5,38 reais. Mas, até chegar nessa fase, o caminho é bem comprido.

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