Bernard Appy: "a população em geral não percebe o que é a Reforma Tributária, mas seus efeitos serão sentidos via crescimento econômico" (Fecomercio/UMBrasil/Divulgação)
Angela Bittencourt
Publicado em 9 de maio de 2021 às 16h31.
Última atualização em 9 de maio de 2021 às 16h45.
No Brasil virou clichê. Sem reformas estruturantes o país não anda, a desigualdade se agrava, o governo não ganha eficiência e o setor privado segue refém de um ambiente de negócios intrincado. Economistas, empresários, banqueiros e governo — não necessariamente nessa ordem — defendem as reformas como via de mão única para a rota do crescimento com maior produtividade. A retórica tem espaço. Mas como a prática não dá audiência e gera conflitos, a primeira semana de maio cai do calendário com a Reforma Tributária se acotovelando no Congresso com a CPI da Covid-19.
A CPI mergulha numa miríade de denúncias contra o descaso do governo federal como provedor de vacinas, debate acirrado sobre cloroquina, concentração de poder e ineficiência no Ministério da Saúde e a repercussão de falas do presidente Jair Bolsonaro que transitam entre responsabilidades da China — dona de insumos e berço do coronavírus — e os estragos do isolamento social. A partir desta segunda-feira, dia 10, não será diferente.
Pode ser pior. Farmacêuticas vão desfilar na CPI da Covid e Bolsonaro pode confirmar a ameaça, esticar a corda e lançar um decreto para impedir que governadores e prefeitos apertem as quarentenas.
Mais uma onda de judicialização envolvendo a pandemia pode estar a caminho e ofuscar a primeira audiência pública para debater, amanhã, a admissibilidade da proposta de Reforma Administrativa na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e a leitura do texto final da Reforma Tributária, na terça, pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator na Comissão Mista. A Reforma Tributária chega ao ápice, mas enrolada pelo flerte da Câmara com a Reforma fatiada e a inclinação do Senado por uma Reforma ampla que contemple tributos federais, estaduais e municipais. Seja qual for a composição do texto, que pode até envolver as duas Casas, o deadline para sua aprovação é setembro. A partir de outubro, o calendário eleitoral para 2022 se impõe e o Congresso entra em ponto morto ao menos para temas de alta complexidade, caso da Reforma Tributária, que podem acelerar a recuperação da economia.
“A população em geral não percebe o que é a Reforma Tributária, mas seus efeitos serão sentidos via crescimento econômico. Quando a economia cresce, todos ganham. O trabalhador é beneficiado porque o seu salário aumenta, o governo é beneficiado porque sua receita cresce e as empresas também porque têm lucros”, explica o economista Bernard Appy, referência no país sobre o assunto, mentor da proposta de emenda constitucional em discussão no Congresso e diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF).
Em entrevista ao EXAME IN, Appy relata que a Reforma Tributária pode aumentar a capacidade de crescimento do país em 20 pontos percentuais em 15 anos graças ao aumento na taxa de investimento e a melhoria dos fatores de produtividade. Appy cita um estudo do economista Bráulio Borges, a partir de modelos econométricos, e lembra que há efeitos positivos de curto prazo — sobretudo sobre as expectativas. Com o teto de gastos mantido até 2026, que é o prazo final dele, e com uma pequena flexibilização em 2027, sem a Reforma Tributária a relação Dívida/PIB ficaria oscilando perto de 100%; com a Reforma, essa proporção poderia cair a 30%. “Ainda que a redução seja menor, a percepção de melhoria nas contas públicas favorece as expectativas, o investimento e a redução das taxas de juros de longo prazo, fatores que contribuem para a retomada da economia no curto prazo.”
Dono de sólida carreira pública como titular da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda e da Secretaria Extraordinária de Reformas Econômico-Fiscais no governo Lula, Appy reconhece o atraso imposto pela pandemia. A Reforma poderia ter sido aprovada no final do primeiro semestre do ano passado. Esse atraso não mudou a urgência da Reforma. Contudo, o comando do Congresso é outro. “Rodrigo Maia [ex-presidente da Câmara dos Deputados] tinha claro a necessidade de incluir tributos estaduais e municipais na Reforma. Não temos essa clareza na atual presidência da Casa que defende a reforma fatiada de impostos federais”, afirma Appy.
Para o especialista, o governo sempre teve uma posição ambígua quanto a uma Reforma Tributária ampla. “Por um lado, algumas declarações do ministro Paulo Guedes são favoráveis, mas em algumas reuniões a defesa é pela reforma [restrita] aos impostos federais. Essa posição ambígua do governo dificulta uma reforma ampla. Por outro lado, há uma demanda social por uma reforma que resolva os problemas do sistema tributário brasileiro. Não podemos ignorar também avanços relevantes nas discussões federativas. Os governadores dificultaram a Reforma Tributária no passado, mas hoje todos os secretários de Fazenda apoiam.”
Appy comenta que o fatiamento da Reforma Tributária defendido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, que conta com a simpatia do ministro da Economia, Paulo Guedes, trata de tributos federais. Não inclui tributos estaduais e municipais. “É uma forma de empurrar a reforma dos tributos estaduais e municipais para o próximo governo”, diz o economista que alerta para o fato de que as distorções existentes nos impostos estaduais e municipais sobre o consumo são as que mais prejudicam o crescimento da economia. “Na prática, o fatiamento deixa fora da reforma um trabalho importante, sendo que existe um ambiente político favorável para sua aprovação.”
Questionado sobre o teto de gastos, tema caro ao mercado financeiro que aprova o compromisso do governo nesse sentido, ele concorda que o teto já tem “puxadinhos” demais. “Boa parte disso é consequência da pandemia e é até justificável, mas há uma pressão muito grande para também criar espaço para outras despesas que nada tem a ver com a pandemia. O teto de gastos é muito relevante para as expectativas do mercado financeiro. Eu, pessoalmente, acho que há espaço para discutir aperfeiçoamento da regra porque, como está, não é sustentável a longo prazo. Mas no curto prazo, talvez até o início do próximo governo, faz sentido manter a regra que, se mudar, deve ser de forma organizada.”