Exame IN

Reforma do setor elétrico tem boas intenções. Mas a implementação é arriscada

Proposta do governo aborda algumas das preocupações crescentes do setor – o risco é ser invadida por jabutis, ou ter apenas parte do texto aprovada, escreve Antonio Junqueira

Setor elétrico: Encargos setoriais cresceram 257% entre 2010 e 2024, enquanto o IPCA avançou 125% (Leandro Fonseca/Exame)

Setor elétrico: Encargos setoriais cresceram 257% entre 2010 e 2024, enquanto o IPCA avançou 125% (Leandro Fonseca/Exame)

Antonio Junqueira*
Antonio Junqueira*

Analista do Setor Elétrico

Publicado em 26 de maio de 2025 às 11h13.

Última atualização em 26 de maio de 2025 às 11h15.

O sistema elétrico brasileiro tem vários atributos positivos. A matriz é (muito) limpa quando comparada à de outros países de grande porte, a regulação tem funcionado para incentivar a alocação de capital e os contratos têm sido respeitados – mesmo na MP 579, a infame proposta de renovação de concessões de 2012.

Dito isso, o setor também tem problemas a enfrentar. Para resumir as questões mais relevantes, poderíamos simplesmente dizer que o Brasil é simplesmente a Terra dos Subsídios. Ao longo das décadas, o país criou múltiplos subsídios para incentivar setores específicos da economia, mas raramente os eliminou.

SAIBA ANTES: Receba as notícias do INSIGHT no seu Whatsapp

No setor elétrico, por exemplo, incentivos para renováveis e geração descentralizada (principalmente solar) levaram essas duas fontes a representarem, respectivamente, 21,4% e 16,7% da geração do sistema, ou impressionantes 38,1% da matriz.

Com uma escala tão grande, por que o subsídio ainda é necessário?

Está claro que o incentivo ultrapassou seu objetivo original de viabilizar certas “tecnologias”, que se tornaram dominantes em termos de construção de capacidade nos últimos anos.

Uma parte relevante dessas fontes entrou no sistema, na verdade, quando o país precisava de outras fontes de energia.

O Brasil, como nação, focou no desenvolvimento de tecnologia intermitente, distante dos centros de consumo, e alocou os custos excedentes aos consumidores do mercado regulado.

De acordo com uma tabela fornecida pelo governo federal, os encargos setoriais cresceram 257% entre 2010 e 2024, enquanto o IPCA avançou 125%. A arrecadação da Parcela B das distribuidoras, que inclui EBITDA mais custos gerenciáveis, subiu 95% no mesmo período.

Com o sistema sofrendo os impactos de um planejamento tão ineficiente, o governo propôs uma nova Reforma Setorial, por meio da Medida Provisória 1300 (MP 1300).

A reforma tem boas intenções, com três frentes relevantes:

  • Conceder descontos adicionais às classes de baixa renda;
  • Abrir o mercado livre para os consumidores do que hoje estão no ambiente regulado;
  • Realocar alguns custos relevantes do setor, como a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE, encargo que financia diversos subsídios existentes).

As intenções parecem ser corretas. O diabo está na implementação. Primeiro, pelo risco dos famigerados ‘jabutis’, com inclusão de novas ideias durante a tramitação no Congresso que poderiam distorcer ainda mais o setor.

Segundo, se apenas partes do texto forem aprovadas. Por exemplo, abrir o mercado livre para os consumidores regulados, sem a realocação de custos, representaria o colapso do ambiente regulado – e, consequentemente, de todo o setor.

A reforma poderia reduzir o peso dos custos para os consumidores residenciais, com a realocação de custos e o fim de certos subsídios, mas também poderia aumentar de forma relevante as tarifas para os consumidores industriais e de grande porte.

Outro ponto da reforma que pode enfrentar fortes críticas é a proposta do governo de eliminar o incentivo às renováveis, por meio de descontos na TUSD e TUST – as tarifas pagas pelas geradoras pelo uso dos sistemas de transmissão e distribuição – para todos os contratos assinados após o final deste ano.

Muitos projetos de energia renovável foram construídos com base na premissa de que a energia produzida por esses parques contaria com o incentivo por algumas décadas, até o fim da autorização de cada usina. O governo está propondo uma nova camada de exigências para que o contrato de energia possa pagar menos por essas tarifas.

A reforma tem boas intenções e aborda algumas das preocupações crescentes do setor. Mas sua implementação parece bastante arriscada.

* Antonio Junqueira é analista do setor elétrico do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle de Exame), cobrindo o setor desde 2010. Foi também conselheiro da Cemig e Light entre 2019-2020.

Acompanhe tudo sobre:Energia elétricaEconomia

Mais de Exame IN

O estrangeiro voltou – mas investidor local vê disparada do Ibovespa com cautela

A Sabesp subiu 75% pós-privatização. Para o UBS BB, muito já está no preço

JBS: acionistas aprovam dupla listagem em assembleia

Iniciativa de brasileiro para curar câncer infantil começa testes clínicos e vira referência global