Raul Velloso: mesmo com STF, cenário para dívida pública é de melhora e não de piora (Geraldo Magela/Agência Senado)
Angela Bittencourt
Publicado em 15 de maio de 2021 às 14h12.
As empresas levaram a melhor sobre o governo na disputa de bilhões de reais em créditos tributários com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a as empresas têm, sim, o direto de excluir o ICMS no cálculo do PIS e da Cofins e podem recuperar polpudos R$ 250 bilhões estimados pela União. “Essa cifra é um exagero. O impacto da decisão da Corte não é tão grande e existem cenários diferentes que devem ser contemplados e isso o governo não fez”, avalia o economista Raul Velloso, autoridade em Finanças Públicas, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento e presidente do Instituto Nacional de Altos Estudos (INAE).
Em entrevista ao EXAME IN, Velloso garante que o Brasil está “numa trajetória de melhora e não de piora para a dívida pública. O governo dramatiza grandes decisões que podem envolver o seu caixa e, portanto, a dívida. Mas, aplicada alguma racionalidade, a história não é bem assim. É muito barulho por nada”, diz.
A cifra de R$ 250 bilhões é exagerada por várias razões, diz Velloso. Entre elas, o fato de a estimativa do Ministério da Economia ter chegado a esse valor a partir da arrecadação anual de ICMS dos diferentes setores de atividade. Sobre essa receita foi estimado o recolhimento de PIS/Pasep e Cofins de acordo com alíquotas específicas para esses setores. Depois, os valores foram corrigidos pela Selic.
Essa metodologia, na opinião de Raul Velloso, superestima o impacto sobre o endividamento público. Ela supõe que ‘todos’ os contribuintes potencialmente prejudicados teriam ajuizado suas respectivas demandas judiciais, quando somente uma parcela bem menor utiliza de fato os instrumentos de proteção judicial contra cobrança indevida de tributos.
Velloso alerta que o impacto financeiro da devolução — R$ 250 bilhões — pode ser reduzido porque poderá haver compensação tributária generalizada, inclusive de parte das empresas que estejam em dívida para com a Receita. Ele também considera provável uma reação normativa não somente para recomposição do valor de arrecadação das contribuições sociais, como para a formação de saldo destinado ao pagamento de obrigações resultantes dessa decisão do STF.
Sob a ótica da dívida pública, ainda que a União tivesse de se endividar para desembolsar R$ 250 bilhões imediatamente e restituir às empresas os recursos referentes aos tributos pagos indevidamente, o mercado financeiro teria condições de absorver tranquilamente esse aumento de endividamento.
Visão fiscal “xiita” trava o crescimento
O economista fez simulações para o comportamento da dívida pública, levando em conta diferentes montantes de devolução do crédito tributário acenado pela decisão do STF, e todas elas resultam em queda da relação Dívida/PIB — indicador clássico de solvência de um país.
Nas hipóteses pessimista, realista ou otimista, a relação Dívida/PIB sai de 89% para o pico de 97% em 2024 e declina ao patamar de 50% em 2038.
No Cenário Pessimista, Raul Velloso supõe que a União deverá pagar, já em 2022, R$ 250 bilhões aos contribuintes. E incluiu nessa avaliação os R$ 44 bilhões de auxílio emergencial de 2021, e um desequilíbrio no orçamento de R$ 25 bilhões decorrentes de uma queda das contribuições sociais.
No Cenário Realista, Velloso contempla o pagamento pelo governo de R$ 150 bilhões – e não R$ 250 bilhões – ao longo de 7 anos, a partir de 2022. Nessa hipótese também haverá um desequilíbrio de R$ 25 bilhões em 2022 que declinará paulatinamente, 20% ao ano, até zerar em 2028. Esse ajuste ocorrerá, em sua opinião, com o Ministério da Economia cortando gastos ou criando fontes de receita.
O Cenário Otimista difere do Realista apenas no fato de a União passar a ter uma dívida menor, de R$ 75 bilhões, 30% de R$ 250 bilhões, a ser paga também ao longo de 7 anos.
Raul Velloso é crítico ao que considera de visão “xiita” do governo na questão fiscal. “O país é sufocado por uma visão demagógica que sufoca o setor público que, neste momento por exemplo, deixa de comprar vacinas contra a covid-19 para a população. Um absurdo”, diz o economista que já foi radicalmente crítico a gastos públicos ou ao que se considerava desequilíbrio das contas do governo.
Questionado sobre o que mudou, Velloso brinca: “Estou bem mais velho, o mundo mudou e o país precisa de gás para crescer. Há um exagero fiscal. E o teto de gastos entra nisso. Veja que, desde 2008, o endividamento avança em todos os países. O Japão tem hoje uma relação Dívida/PIB superior a 200%. Os Estados Unidos estão gastando como nunca. E isso não tem a ver com a pandemia. A covid-19 derrubou as economias num primeiro momento e tira países obtusos, como o Brasil, de uma atualização necessária de conceitos.”
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