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Raízen: “Mercado ainda duvida do E2G e não vê a transformação”, diz CEO

Construção de plantas pode ser acelerada e vai tirar ciclicidade da companhia, junto com política de hedge

Cana-de-açúcar: contratos de longo prazo já 'pagam' 80% das três plantas de E2G em construção (Meaghan Skinner Photography/Getty Images)

Cana-de-açúcar: contratos de longo prazo já 'pagam' 80% das três plantas de E2G em construção (Meaghan Skinner Photography/Getty Images)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 25 de maio de 2022 às 16h19.

Última atualização em 25 de maio de 2022 às 18h32.

“O mercado ainda não acredita que eu vou fazer o E2G. É até engraçado, todo esse ceticismo”, afirmou Ricardo Mussa, presidente da Raízen, poucos dias após anunciar a aprovação do investimento para mais duas usinas de produção do etanol de segunda geração. O produto leva esse nome porque é feito a partir do bagaço da cana, do que sobra da produção do etanol de primeira geração. Portanto, a matéria-prima dele é o subproduto da primeira leva de produção. “Eu acho que os investidores só vão acreditar quando eles virem o resultado entrar no balanço da companhia. Mas, tudo bem, estamos aqui para o longo prazo.”

Hoje, a Raízen tem três plantas de E2G em construção, com um investimento total de R$ 2,8 bilhões, que estarão prontas para a safra de 2023. Desse investimento, 80% já está garantido com a venda do que será produzido nelas em contratos de longo prazo, com duração de sete a dez anos. “Eu tenho demanda para mais de 100% da produção, mas quisemos deixar 20% de flexibilidade.” Com essas novas unidades, a produção de E2G vai sair de 35 milhões de litros para mais de 280 milhões de litros.

A companhia realizou nesta quarta-feira, dia 25, o primeiro Raízen Day. Mussa conversou com o EXAME IN poucos dias antes do evento e contou como o encontro seria importante para aprofundar o diálogo com o mercado sobre o significado e a transformação da empresa com o E2G. "Vou colocar alguém, com um link, lá da planta de Piracicaba", antecipou, falando da unidade onde a produção de segunda geração já acontece. Deu resultado. O interesse por compreender em detalhes o assunto dominou a sessão de perguntas de analistas e investidores. Todos tentando justamente entender como a empresa, controlada do grupo Cosan em sociedade com a Shell, está transformando em realidade algo que parecia possível só no campo da pesquisa e desenvolvimento.

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A meta pessoal de Mussa, segundo o executivo contou ao EXAME IN em entrevista exclusiva, é acelerar o plano da companhia, anunciado na época em que fez o road-show com investidores para a oferta pública inicial (IPO), realizada no início de agosto do ano passado. A companhia foi avaliada em R$ 76 bilhões na largada à epoca, mas pretendia conseguir um valuation de R$ 100 bilhões. Reflexo da baixa do mercado e do momento de fuga dos ativos de risco (ações), a empresa vale hoje R$ 60 bilhões na B3.

O CEO conta que pandemia e a guerra na Ucrânia tornaram o cenário global ainda mais propício para o aumento da produção do etanol de segunda geração, com aumento de preço e interesse por acordos de longo prazo. A Raízen pode mais do que dobrar sua capacidade produtiva, sem ampliar o plantio, o que resulta em grande alavancagem operacional. “É tudo uma questão de tecnologia. Eu não dependo de nenhum hectare a mais”, diz ele. É por conta disso que o executivo ainda defende que o valor da empresa em bolsa não reflete seu potencial. “Só minha expansão vale mais do que o negócio inteiro agora. Isso quer dizer o que, então? Que eu valho zero?”, provocou ele.

A companhia previa dobrar a produção atual, com a adição de plantas de E2G, até 2030. Quando realizar todo o investimento, terá uma produção de 1,7 bilhão de litros desse etanol, cujas emissões são bem mais baixas que o de primeira geração. Para colocar em números: o E2G tem uma emissão de 16 gCO²/MJ, comparado a 23 do etanol de 1G. E, para maior clareza: no etanol a base de milho, esse indicador é de 58. Na gasolina brasileira, que tem um componente de etanol, é de 87 e na americana, 101.

O executivo explicou que o gargalo que enfrentava para a expansão do E2G, na época do IPO, era principalmente de equipamentos, cujo desenvolvimento foi da própria Raízen e que são patenteados. “Eu não podia ir para qualquer fornecedor e habilitar a produção porque tenho uma preocupação com propriedade intelectual. Mas agora essa questão está praticamente resolvida.”

Em breve, a empresa vai ter condições de aumentar o lançamento de três para cinco plantas em construção por ano de E2G. “Eu só não quero me comprometer com essa previsão ainda porque preciso ter certeza do meu supply chain e também que vou ter gente preparada para operar as unidades”, destacou, contando que em Piracicaba há diversas posições dobradas, com um “sombra”.

O CEO da Raízen explica que depois que a companhia tiver construído todas as 20 unidades previstas de E2G, vai partir para a terceirização. O que isso significa? Que vai poder ela própria oferecer a tecnologia (via equipamentos) para outras usinas, a fim de usar aquela matéria-prima. A ideia é ter direito a uma parte da produção, além da remuneração da tecnologia, para que possa fazer contratos de abastecimento para além de sua própria capacidade produtiva. "Qual vai ser o meu limite, meu mercado endereçável? Trezentas usinas?", questiona ele.

ESG e Guerra

Mussa conta que o mercado, para o etanol, em especial o E2G, está ainda mais positivo hoje do que na época do IPO. Além da preocupação com a sustentabilidade, a guerra também reforçou duas tendências: a desglobalização e a necessidade de diversificação da cadeia de abastecimento, e a de segurança energética. A produção das novas unidades que estão em construção será 100% exportada.

O executivo destacou que o etanol tem despertado atenção como substituto não apenas em cadeias carburantes,  mas também de outros tipos de indústria, como a farmacêutica e a cadeia do plástico. “Essa é uma demanda que ainda não vemos no Brasil, mas vai acontecer também. Vemos muita procura da Europa e da Ásia.”

É justamente esse cenário — que combina redução de emissões de carbono, diversificação energética e de suprimentos — que fez com que os preços subissem, junto com o maior interesse por contratos de prazos mais longo.

Alavancangem operacional

Na opinião do CEO da Raízen, o mercado ainda não compreendeu por completo a transformação que o E2G significa para o negócio. “O que custa no E2G é o investimento, o capex da planta. Mas depois que isso estiver depreciado, daqui cinco anos, eu vou ter um custo imbatível, capaz de competir em preço com etanol 1G, gasolina e em qualquer cenário, de alta ou de baixa do petróleo.”

A conclusão de Mussa vem justamente do fato de a companhia estar financiando a expansão por meio de contratos de longo prazo. Além disso, como é feito a partir do bagaço da cana, a companhia tem o controle completo do abastecimento por meio de própria produção de 1G.

Outra consequência do E2G é que ele vai tirar a ciclicidade da companhia, justamente pela alavancagem operacional que ele traz, aliado ao potencial de produção durante a entressafras. "E, mais uma vez, são contratos longos, com preço fixo e moeda forte", enfatiza. Atualmente, 70% da geração de caixa da companhia (Ebitda) vem de energia renovável e quando a expansão do E2G estiver completa, esse percentual será da ordem de 85%, já considerando o biogás. Sobre isso o executivo reforça ainda que a volatilidade já vem sendo retirada do balanço, por meio de contratos de hedge. “Quando o preço subir muito, eu não vou acompanhar integralmente. Mas quando cair, eu também não vou sofrer na mesma intensidade.”

Biogás

Para completar a cadeia de circularidade e — ao mesmo tempo — a capacidade de alavancagem operacional, Mussa destacou a produção do biogás, que estará sempre associada às plantas de E2G. “Aprendemos que isso [estar no mesmo site que o de etanol de segunda geração] otimiza a produção. Como o biogás é feito a partir da vinhaça, e ela também é um subproduto do E2G, podemos produzir o biogás também na entressafra.”

O potencial desse mercado no Brasil, na visão do CEO da Raízen, será desenvolvido pela própria Petrobras, uma vez que o gás está muito presente na exploração do pré-sal e a capacidade de abastecimento do país vai aumentar ao longo dos próximos anos.

O biometano é um substituto do gás natural, como combustível ou gerador de energia. Atualmente, a produção se transforma em energia, pois é direcionada à rede elétrica. Mas há outros usos que são preferidos pelo CEO.

O mais “nobre” na opinião dele é para abastecimento da própria frota, usada no canavial. “Daí, é a circularidade perfeita.” O executivo explicou que quando conseguir implementar isso na sua frota, já está previsto nos contratos que o prêmio do E2G aumentará. A cadeia fica mais limpa e a Raízen melhora ainda mais as metas de escopo 3 das indústrias que estiver atendendo. O maior desafio, na visão de Mussa, já não é mais a adaptação dos caminhões, mas o preparo dos caminhões para o after-market (quando deixar de ser Raízen e for vendido para algum uso em que não poderá ser abastecido o biometano como combustível ou o gás natural).

"É uma criação de valor para a Raízen e para o Brasil, porque o país importa diesel. Se eu ajudo a reduzir a importação, eu gero valor para o país também, pois diminuo a saída de divisas. Tem que investir na conversão da frota e no parque de abastecimento, mas se paga muito rápido"

Outro uso do biogás que está mostrando uma oportunidade mais cedo do que a Raízen esperava é o industrial por meio da rede da Comgás. Na Usina Costa Pinto, 100% da produção será usada para contratos com a Yara Fertilizantes e a Volkswagen. São os primeiros contratos industriais, mas existem outros em negociação.

"Eu reforço: o mais bonito de tudo isso é que não dependo de nenhum pé de cana a mais. É só uma questão de tecnologia", enfatiza Mussa.

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