Raiar: empresa que mira liderança em ovos orgânicos dá mais um passo para desenvolver mercado (Getty Images/Getty Images)
Repórter Exame IN
Publicado em 5 de abril de 2023 às 17h30.
Última atualização em 5 de abril de 2023 às 18h11.
A Raiar, novata na produção de ovos orgânicos que chegou no mercado com a ambição de ser líder do segmento, também quer que o produto deixe de ser considerado nicho. Fundada por ex-executivos ligados ao mercado de grãos, a companhia acaba de fechar uma parceria com a Rabo Foundation (ligada ao Rabobank) para dar mais um passo em direção à parte prática desse discurso: um projeto piloto com 40 pequenos produtores que tem como objetivo transformar pastos degradados em agricultura de grãos orgânicos. O aporte total será de R$ 1,1 milhão.
“A pastagem degradada emite carbono e deixa de criar valor para aquele ecossistema. Começamos a pensar em como reduzir o impacto ambiental desses locais e trazer mais renda, de forma mais saudável para os pequenos produtores, que são os mais expostos ao agrotóxico e enfrentam maior risco dessa contaminação”, diz Luis Barbieri, co-fundador da Raiar, ao EXAME IN.
A tarefa em parceria com a Rabo Foundation tem tudo a ver com a estratégia de chegar ao topo do mercado de ovos orgânicos. Afinal, se não há grãos orgânicos, não há como produzir ovos desse tipo. E no Brasil, esse ainda é um mercado muito pequeno. Da produção de grãos de 300 milhões de toneladas, nas projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a safra 22-23, apenas 60 mil toneladas são de soja e milho orgânicos.
A partir desse dado, fica fácil entender por que a produção de ovos orgânicos ainda é tão tímida por aqui. Hoje, esse nicho é responsável por 0,3% do consumo de ovos no país, um percentual que pode chegar a 4%, na visão da Raiar, ao longo dos próximos cinco anos. Hoje, o país tem 180 milhões de aves de postura -- a empresa, sozinha, tem 100 mil. A produção de ovos total no país, em 2022, foi de 52 bilhões de unidades, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
As razões para acreditar nesse crescimento vêm de um mix de estudos sobre o mercado, acompanhamento das mudanças de hábitos de consumo e da priorização cada vez maior por sustentabilidade. No país, o consumo brasileiro de ovos vem aumentando faz tempo. Segundo a ABPA, em 2021, foram consumidas 257 unidades per capita, um montante estimado em 241 para 2022, refletindo a redução do plantel no mercado brasileiro.
O consumo de ovo no país cresceu quase 70% nos últimos dez anos e continua superior à média mundial, com consumidores em busca de proteínas mais baratas.
Soma-se a isso a desorganização do setor. Em entrevista concedida ao EXAME IN em 2022, Barbieri e Marcus Menoita (também co-fundador da Raiar) destacaram que, de 2018 a 2020, período em que realizaram as pesquisas para o que viria a se tornar a empresa, notaram que o setor tem um consumo que cresce a dois dígitos anualmente, mas que não há um carro-chefe único capaz de coletar a maior parte desses ganhos. "Os cinco maiores produtores do Brasil, juntos, não chegam a 20% do mercado", afirmou Menoita . A Raiar, neste primeiro ano de operação, deve faturar R$ 25 milhões.
O cenário interno é completado por um 'benchmarking' positivo em outras regiões. Nos Estados Unidos, 8% do consumo no país é orgânico e, na Europa, essa média chega a 25% -- onde praticamente já não existe mais criação de galinhas em gaiolas.
De olho em um futuro promissor, a Raiar trabalha desde 2020 junto a agricultores para entender as principais necessidades deles na hora de produzir grãos orgânicos. E proporciona, desde então, conhecimento e financiamento para que possam avançar. Inclusive, essa experiência foi um dos pontos que chamaram a atenção da fundação para acatar o projeto e destinar os recursos. O 'know how' também vai desempenhar um papel importante daqui para frente, já que, com as lições aprendidas, a Raiar conseguiu montar um cronograma capaz de atender produtores de forma completa.
Durante os últimos três anos de trabalho, a empresa entendeu que o grande desafio para a transição do grão orgânico estava principalmente nos dois primeiros anos, em que não há rentabilidade para quem topa deixar de produzir soja e milho sem agrotóxicos. Nesses 24 meses, em resumo, há um investimento de capital intensivo para não haver retorno, uma vez que o grão não pode ser vendido como orgânico.
Esse é um aspecto fundamental para entender a estrutura de aporte da Rabo Foundation. A parceria com a Raiar prevê (do total de R$ 1,1 milhão), R$ 700 mil a taxas subsidiadas, com carência de dois anos -- justamente o prazo mais delicado para o produtor pagar pelo financiamento -- e prazo de quatro anos de pagamento.
Além disso, a fundação doou R$ 450 mil à Raiar, de olho em custear a assistência técnica fornecida a esses produtores, uma vez que a falta de técnicos também é um dos grandes gargalos da produção rural.
A empresa delimitou um grupo de 40 produtores, espalhados por diferentes estados brasileiros. Nessas propriedades, uma área pequena (de um a cinco hectares) fará parte do projeto. “A função da Raiar é fornecer tudo que a gente já faz em assistência técnica, apoio à certificação, ajudar a escolher os insumos e conectar com players do setor. Isso sem falar na infraestrutura para receber e armazenar os grãos e além disso, garantir a compra”, diz Anny Chueh, diretora de novos negócios e sustentabilidade da Raiar.
A distribuição dos recursos e do apoio será feita da seguinte forma: no primeiro ano do ciclo, há um investimento pesado por parte da Raiar, para a conversão de pastagem. No segundo e terceiro anos, entra o financiamento de capital de giro aos produtores. A partir daí, o dinheiro emprestado começará a ser pago com o fluxo e a receita gerada na produção de grãos ao longo dos cinco anos seguintes.
Os principais indicadores a serem reportados para a fundação ao longo de todo esse processo estarão muito mais atrelados a sustentabilidade do que a produtividade. Serão cinco pontos analisados, ao todo: o monitoramento da saúde do solo, a evolução da descontaminação da água, a elevação de renda do produtor, a inserção dele em outras cadeias produtivas de alimentos orgânicos, e paridade de gênero, aumentando a participação de mulheres na gestão do negócio. Hoje, só 4 das 40 propriedades mapeadas contam com mulheres na liderança. “Queremos atingir 20% de mulheres em três anos e 50% em cinco anos”, diz Chueh.
Após os dois primeiros anos, os grãos orgânicos resultantes desse projeto piloto corresponderão a 10% da demanda de grãos da Raiar. A companhia também está buscando outros parceiros e potenciais apoiadores para conseguir dar escala ao projeto. E, é claro, desenvolver o mercado como um todo.
Além da parceria mais recente, com a Rabo Foundation a Raiar também firmou há pouco tempo uma com a Suzano, também com o mesmo objetivo, de converter pastagens degradadas em pequenos produtores. O formato é ligeiramente diferente.
“Com a Suzano, a Raiar entra com a assistência técnica, enquanto a companhia entrou com o apoio dos insumos para conversão de pastagem e a prefeitura local, no município de Iaras, entrou com os equipamentos. No caso deles, são 10 produtores atendidos”, afirma Barbieri.
São ainda pequenos passos de olho no país todo. Hoje, a companhia não consegue estimar ainda, por exemplo, um prazo em que produtores de todo o Brasil poderão ter acesso à forma de produção orgânica de ovo. Só em São Paulo, para dar uma dimensão, há cerca de 30 mil a 40 mil produtores.
"Uma andorinha só não faz verão", já diz o ditado. Que a Raiar entendeu muito bem. Para chegar até onde pretende, a companhia vai, pouco a pouco, acumulando conhecimento (e parcerias) para desenvolver o mercado de grãos orgânicos no país. Como consequência, ganha cada vez mais relevância no mercado de proteína orgânica no país.