Exame IN

R$ 63 bilhões ameaçados: fusão Localiza e Unidas terá oposição no Cade

Cade já expediu 44 ofícios para companhias sobre fusão das empresas de locação de veículos

Localiza: sozinha, empresa responde por pouco mais de 10% das compras de veículos por ano (Localiza/Divulgação)

Localiza: sozinha, empresa responde por pouco mais de 10% das compras de veículos por ano (Localiza/Divulgação)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 20 de fevereiro de 2021 às 13h28.

Última atualização em 20 de fevereiro de 2021 às 13h37.

A fusão entre Localiza e Unidas, aprovada pelos acionistas das empresas em novembro do ano passado, vai enfrentar forte oposição no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), conforme apurou o EXAME IN. Apesar de o prazo para apresentação de argumentos no órgão terminar apenas em 5 de março, essa realidade já é dada como líquida e certa por pessoas próximas à operação.

Quando a transação foi anunciada, as empresas valiam juntas R$ 50 bilhões e agora a combinação já equivale a R$ 63 bilhões na B3. Tudo indica que os investidores não estão preparados para enfrentar essa resistência e, muito menos, para um cenário mais dramático de rejeição.

A expectativa é que a oposição peça a reprovação do negócio e não a aplicação de remédios que possam mitigar os reflexos da concentração. Trata-se de um segmento difícil para soluções estruturais (vender partes da operação) como comportamentais (impedir determinadas práticas).

Apesar de aparentemente simples, a operação é considerada por especialistas em direito concorrencial como complexa, pela quantidade de setores econômicos afetados — e, portanto, pelas diversas formas que pode impactar os consumidores.

O setor mais óbvio e o que sentirá os reflexos desde o dia 1 é o de motoristas por aplicativo. A estimativa é que cerca de metade dos motoristas de alta frequência utilizem carros alugados. Dados da Associação Brasileira de Locadoras de Automóveis (Abla) apontam que são cerca de 200 mil veículos.

Além disso, quase ninguém sabe, mas as locadoras de veículos representam 15% das compras anuais de carro – 13% nas mãos de Localiza e Unidas. Na Ford, por exemplo, esse mercado respondia por quase 30% das vendas, segundo estimativas, e elas também são clientes relevantes da Renault.

Juntas, Localiza e Unidas terão cerca de 70% da frota nacional de locação e perto de 75% da receita do setor – sem considerar as empresas que fazem exclusivamente gestão de frota terceirizada. Nesta sexta-feira, 19, um dia após a publicação do edital para análise do caso, o Cade já expediu 44 ofícios de consultas a companhias afetadas (Confira os principais nomes da lista no fim da matéria).

Outro segmento que tende a sentir impacto expressivo é o de seguradoras de veículos. Além de serem contratadas pelas locadoras donas dos automóveis, essas empresas são clientes, na medida em que oferecem carro reserva aos segurados. Há impacto ainda nas empresas de turismo e nas companhias que usam grandes frotas terceirizadas em sua prestação de serviço – caso das empresas de energia e de telecomunicações, por exemplo.

Com base na frota nacional de veículos para locação, a Localiza tem uma fatia de 55% do mercado, a Unidas possui perto de 17% e a Movida, aproximadamente 15%. O restante do mercado está muito pulverizado nas mãos de pequenos operadores regionais — são mais de 10 mil ao todo, no setor. "Após a fusão, haverá um participante com 70% do mercado, outro com 15% e o restante totalmente pulverizado", comenta uma fonte próxima ao negócio.

A argumentação contrária também deve passar pelo fato de que o movimento afeta o consumidor sem benefício de contrapartida, uma vez que nenhuma das companhias envolvidas está com a sobrevivência ameaçada. E ainda que é esperado um aumento de preço no serviço como consequência da concentração.

Por fim, fornecedores pressionados pela concentração de clientes também tenderiam a compensar sobre os preços nas pontas mais fracas que, normalmente, são os consumidores. Um coletivo enorme, mas desorganizado.

Se ninguém pedir extensão de prazo, os opositores serão conhecidos pelo público em 8 de março. Eles podem se manifestar até 5 de março no órgão, uma sexta-feira.

O histórico do Cade de rejeição aumentou sensivelmente desde 2012, com a nova legislação. Entre 1994 e o começo de 2012, foram oito negativas para transações. E dali para frente, até o momento, são 15 negócios que deixaram de acontecer — oito rejeitados e sete desistências, após a percepção de que haveria resistência do órgão. Entre as operações reprovadas estão a combinação entre Estácio e Kroton, Ipiranga e Ale, Ultragaz e Liquigas, Braskem e Solvay, entre outras. Em diversas delas, o índice de concentração seria inferior a 70%.

Sem nenhum prazo extra, o Cade deveria finalizar a análise o tema em outro. Mas, caso alguma extensão ocorra, a definição do assunto pode se extender até o início de 2022.

Confira a lista das companhias mais conhecidas que receberam ofício do Cade, para se manifestar sobre Localiza e Unidas: Volkswagen, Ford, GM, Renault, Concremat, IBM, CVC, Tokio Marine, Porto Seguro, Vale, Liberty Seguros, Mapfre, Sul America, Claro, Souza Cruz, GSK, Eurofarma, Biolab, Unilever, CCV Locadora, Ouro Verde, Rodobens e Usecar.

 

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