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R$ 295 bi: a festa dos dividendos com lucro alto e o “leão” solto na pista

Lucros crescem por atividade, inflação, juro médio ainda baixo e redução de despesas; distribuição de dividendos ganha tração e deve chegar a R$ 295 bi, diz Bradesco BBI

De janeiro a junho deste ano, empresas distribuíram R$ 104 bi de dividendos, o dobro de 2020 inteiro, segundo a Economatica (Germano Lüders/Exame)

De janeiro a junho deste ano, empresas distribuíram R$ 104 bi de dividendos, o dobro de 2020 inteiro, segundo a Economatica (Germano Lüders/Exame)

AB

Angela Bittencourt

Publicado em 24 de setembro de 2021 às 08h12.

Última atualização em 24 de setembro de 2021 às 10h46.

Não é promoção, mas levar 2 por 1 não é vantagem apenas para o consumidor no comércio. É também um negócio e tanto para investidores. Em 1 semestre de 2021, acionistas de grandes empresas receberam praticamente o mesmo montante de dividendos pagos em 2 semestres do ano passado – mais de R$ 104 bilhões. No ano, estima o Bradesco BBI, a distribuição deve alcançar R$ 295 bilhões. A combinação de quatro fatores favorece os acionistas: economia em expansão, inflação alta, juro médio em patamar baixo no ano e um “leão” solto na pista.

Se você, leitor, pensou que o ano de surgimento da pandemia não é bom termo de comparação pela queda na atividade, acertou. Mas a distribuição de dividendos neste ano também é muito superior ao observado no primeiro semestre de 2019. Einar Rivero, da plataforma de informações financeiras Economatica, afirma que, de janeiro a junho de 2019, foram pagos R$ 66,0 bilhões; em igual período de 2020, R$ 49,4 bilhões; e, neste ano, R$ 104,6 bilhões.

Sob qualquer ótica, os lucros cresceram, estão sendo mais distribuídos e a movimentação de grandes empresas ganhou holofotes a partir da decisão da Vale de distribuir mais de R$ 40 bilhões neste ano e da Petrobras de creditar dividendo extraordinário de R$ 10,5 bilhões – cifra que ajudará, inclusive, a compor o caixa da União, o maior acionista. Não bastasse a atuação da dupla gigante, entrou em cena um coadjuvante de peso: a tributação de dividendos em 15%, em discussão no Senado e já aprovada na Câmara dos Deputados, no âmbito da revisão do imposto de renda.

A perspectiva de aprovação do tributo inédito, no país, sobre dividendos é vista por alguns especialistas como incentivo à antecipação da distribuição de lucros, algo mais forte, inclusive, que a opção de reverter o lucro em investimento. Porém, não há consenso em torno do assunto, como revelam profissionais do Bradesco BBI, Mirae Asset Management e Perfin Investimentos ouvidos pelo EXAME IN.

Pedro Galdi, analista da Mirae, não vê a distribuição maior de dividendos comprometendo os investimentos das empresas. Para ele, a Vale continuará com seus investimentos para repor volumes perdidos com Brumadinho e para desenvolver produtos relacionados à produção de menor poluição. Já a Petrobras, diz o analista, continuará com seus desinvestimentos e o desenvolvimento do pré-sal. Galdi lembra que a petroleira voltou a pagar dividendos por ter reduzido o endividamento e executar seu plano de desinvestimento. “Ambas, Vale e Petrobras, são exemplos de que cada companhia tem sua própria história. Mas estamos, sim, em um momento único que faz com que as empresas priorizem a distribuição. Os resultados são muito positivos e estamos às vésperas de uma tributação inédita no país”, comenta.

Investir é opção?

Marcelo Sandri, analista de investimentos da Perfin, reconhece que há uma predisposição das empresas de não segurar tanto o caixa ante a perspectiva de mudança na tributação. E esse risco, entende, pode acelerar o pagamento de dividendos, inclusive, de dividendos extraordinários que são considerados reserva de capital. “O próximo ano, 2022, pode ser mais difícil pela incerteza quanto ao crescimento da economia e, do ponto de vista fiscal, pelo fato de empresas terem lucros acumulados.”

O especialista da Perfin Investimentos reconhece que investir o lucro ou parte dele é uma opção disponível às empresas. Entretanto, lembra, alguns setores da economia têm baixa sensibilidade às variações do PIB. Um desses setores é Utilities – prestadoras de serviços públicos, como geradoras e distribuidoras de energia elétrica ou saneamento. Alguns contratos dessas companhias são atrelados ao IGP-M que tem alta expressiva e ajuda a alavancar lucros.

“A decisão de investir é discrepante entre setores”, diz Sandri. “Algumas grandes empresas têm portfólios maduros de ativos. Esse é o caso da Petrobras e da própria Vale. Bancos são grandes pagadores de dividendos, também têm forte geração de caixa e também é um setor maduro. As concessionárias de serviços públicos têm contratos limitados no tempo, o que não incentiva novos investimentos, a menos que participem de novos leilões, ingressando em novos projetos.”

Lucra mais, paga mais

André Carvalho, chefe de pesquisa do Bradesco BBI, não vê o aumento na distribuição de dividendos uma consequência da expectativa de tributação em 15% em avaliação no Senado, o que não quer dizer que, se aprovada, a tributação não terá consequências. “As empresas estão distribuindo mais dividendos porque estão lucrando mais”, afirma.

Segundo o especialista, em 2019, as empresas listadas no Ibovespa pagaram R$ 127 bilhões em dividendos aos acionistas. Em 2020, em função da desaceleração da atividade pela pandemia de Covid-19, a distribuição recuou a R$ 109 bilhões, mas deve atingir R$ 295 bilhões em 2021.  “É um crescimento fantástico.” Ele avalia que, em 2021, os lucros das empresas listadas no Ibovespa devem crescer cerca de 170% ante 2020. Excluindo o segmento de commodities, o aumento será de aproximadamente 80%, “ainda muito expressivo”.

Outra indicação do vigor dos resultados, segundo o Bradesco BBI, a rentabilidade das empresas listadas passou de uma média histórica de 7,5% para 23% no acumulado em quatro trimestres até o segundo trimestre de 2021.

O aumento de lucro, informa Carvalho, reflete a combinação de uma base deprimida em 2020; commodities em alta; forte aumento nominal das vendas e despesas menores, seja por conta da Selic próxima à mínima histórica durante meses ter reduzido despesas financeiras, seja pelo corte de despesas operacionais. “O crescimento do lucro foi tanto, que possibilitou pagamento recorde de dividendos e também retenção recorde de lucros pelas empresas, pelo menos desde 2009”, afirma.

Quanto à tributação de dividendos, André Carvalho avalia que ainda paira grande incerteza quanto à aprovação da proposta que pode sofrer grandes mudanças no Senado. De toda forma, pondera o chefe de pesquisa do Bradesco BBI, “se a tributação for aprovada no apagar das luzes deste ano, as empresas terão um grande desafio pela frente. Para evitar a tributação, elas poderão trabalhar para antecipar pagamentos de dividendos nas semanas finais do ano, um caminhão de dinheiro”, avalia.

Carvalho pondera que decisões terão de ser tomadas muito rapidamente pelas empresas e em curtíssimo espaço de tempo. “E não serão decisões simples. Elas vão tirar dinheiro do caixa? Vão tomar empréstimos para as antecipações? Na prática, essa questão, ainda incerta, desvia a atenção dos empresários de desafios operacionais e planos de investimento para questões financeiras de curto prazo, o que não é bom para a economia.”

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