Parque eólico: Renova pode concluir projeto que mudaria empresa de patamar (Renova Energia/Divulgação)
Graziella Valenti
Publicado em 8 de setembro de 2020 às 20h02.
A Renova Energia obteve um financiamento de 350 milhões de reais que pode finalmente permitir a conclusão do parque eólico de Alto Sertão III, na Bahia, principal projeto em andamento da companhia. O dinheiro novo precisa ser aprovado dentro do processo de recuperação judicial, que teve início há quase um ano, para reorganizar 3,1 bilhões de reais em dívidas. A oferta para os recursos foi feita pela Quadra Gestão de Recursos, uma gestora de ativos ilíquidos e especializada em operações de crédito estruturadas, ou seja, especializada em risco. O financiamento pode mudar a vida da companhia.
Ainda que em estágio avançado, as obras de Alto Sertão III estão paradas há três anos. Com isso, o complexo hoje representa um passivo para a Renova e, pior, sem gerar nada de receita ou caixa para o negócio. Do endividamento com terceiros, que é de 1,6 bilhão de reais, a empreitada responde por quase 70%. O restante dos compromissos está ligado à compra de energia para que os contratos de abastecimento ligados ao empreendimento fossem honrados. Os parques Alto Sertão I e II, bem menores, tiveram as obras iniciadas e vendidas antes da conclusão.
Inscreva-se no EXAME IN e saiba hoje o que será notícia amanhã
“Hoje, no chão, o valor do ativo [Alto Sertão III] é zero. Precisamos colocar em funcionamento”, afirma Marcelo Milliet, presidente eleito em outubro passado, logo após a empresa decidir pelo pedido de proteção contra credores. O executivo é sócio da Íntegra Associados, que atua como reestruturadora e gestora interina da empresa.
A Renova Energia nasceu em 2001, da reunião de algumas pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e tinha como promessa do IPO realizado em 2010 ser uma das maiores companhias de energia renovável do país, com projetos que equivalem a uma capacidade de 6 GW. “Praticamente, uma Cemig”, diz o executivo. A empresa mineira é a maior acionista da Renova, com 48,2% do capital votante, pouco mais de 36% do total.
Quando questionado sobre o que deu errado, Milliet avalia que o planejamento era “muito apertado” ou, trocando em miúdos, previa uma execução perfeita. Mas as coisas foram saindo fora do script, como é comum na vida empresarial, e a companhia se perdeu.
Dez anos depois, e o único grande projeto em andamento está completamente paralisado, recebendo investimentos apenas para garantir a integridade da estrutura. Ninguém tratou assim dessa forma, mas a Renova era, na prática, uma startup: muitos projetos, pouca geração de caixa presente. Desde a abertura de capital, na qual captou cerca de 160 milhões de reais, o maior movimento foi a compra de 51% da Brasil PCH, com 13 pequenas centrais hidrelétricas e capacidade de quase 150 MW.
Nos primeiros seis meses deste ano, a receita líquida da empresa proveniente da geração de energia ficou em 23,5 milhões de reais, 9,5% acima de igual período de 2019. Contudo, a receita da comercializadora, que somou 55 milhões de reais no primeiro semestre do ano passado, foi de zero, sumiu, com a suspensão dos contratos com Cemig e Light — acionista até um ano atrás.
Milliet explicou que os recursos da Quadra só poderão entrar no caixa após a aprovação do plano de recuperação judicial. Segundo ele, a expectativa é que a reorganização da dívida seja levada para votação em assembleia de credores dentro de aproximadamente 60 dias. Na ocasião, Cemig e Citibank terão de abrir mão de suas garantias para passá-las para a gestora e as negociações para tal já estão avançadas.
O financiamento foi concedido na modalidade DIP (sigla para debtor in possession). Trata-se de um tipo de crédito próprio para companhias em recuperação judicial: o credor dos novos recursos ganha prioridade sobre garantias e recebimentos, conforme o que for negociado em cada caso. Na operação da Renova, a garantia é a operação de geração hidrelétrica, com a Brasil PCH. O prazo do crédito é de nove anos, bem acima da média para operações do tipo.
Contudo, a expectativa de Milliet é que a fatia de 51% na Brasil PCH seja vendida rapidamente para que o compromisso possa ser quitado antes de um ano, pois o custo é elevado — uma praxe nessa modalidade. Em tempos de Selic a 2% ao ano, a taxa da operação com a Quadra ficou em 15% ao ano, pré-fixada. A Renova prefere se desfazer dessa operação e concluir Alto Sertão.
O parque eólico terá capacidade para produzir 430 MW de energia quando concluído integralmente – o que demanda investimentos adicionais de 500 milhões de reais em um prazo de aproximadamente dois anos. Ao final, o parque será capaz de gerar um Ebitda entre 250 milhões de reais e 260 milhões de reais ao ano, de acordo com o presidente da Renova. Portanto, o projeto tem capacidade de mudar o porte da companhia.
O cronograma planejado é usar os recursos do DIP para terminar a primeira fase, com capacidade de 111 MW, em prazo entre seis e nove meses. A partir de então, a geração de caixa com a atividade da etapa inicial — entre 50 milhões de reais e 60 milhões de reais ao ano — ajudaria no financiamento para conclusão das obras.
Questionado sobre quanto tempo pretende ficar na Renova, Milliet não esconde que retomou o gosto pela posição executiva. “Fico até, pelo menos, a conclusão total de Alto Sertão.” O plano para reorganizar as dívidas prevê um reescalonamento dos pagamentos, com carência de dois anos para juros — o que é fundamental para a finalização do projeto em andamento. A dívida de 1,2 bilhão de reais, constituída há aproximadamente sete anos, tinha prazo original de 15 anos. A ideia é que o custo seja reduzido e que o vencimento ocorra dentro de dez anos a contar da homologação do plano, o que significa 2030.