Furnas: energia elétrica de matriz limpa, essencial para gerar hidrogênio verde, não falta à companhia (Cristian Lourenço/EyeEm/Getty Images)
Repórter Exame IN
Publicado em 11 de abril de 2023 às 08h00.
Furnas, geradora do sistema Eletrobras (ELEt3), atingiu em fevereiro a marca inédita de produção de 1,5 tonelada de hidrogênio verde no país. É o maior volume já feito no país. O resultado deriva de um projeto de pesquisa e desenvolvimento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e de um investimento de R$ 50 milhões realizado pela companhia desde 2020. Apesar de comemorada, a quantidade, que equivale ao acumulado desde o início da empreitada, está longe de representar um fim em si mesma: o projeto piloto é apenas um pontapé inicial para a companhia atuar na geração, armazenamento e comercialização desse combustível.
O hidrogênio verde é considerado uma promessa para um futuro rumo à descarbonização e pode atrair US$ 27 bilhões em investimentos daqui para frente, de acordo com estimativas do IPEA. De olho em uma demanda cada vez maior, a companhia vai investir outros R$ 20 milhões até 2025 para entender melhor como funciona a cadeia de produção do hidrogênio verde e baratear a produção desse combustível no país.
Os números do investimento são pequenos ainda, especialmente dentro do universo Eletrobras, mas a promessa é grande. O interesse pelo hidrogênio verde brasileiro está atraindo uma enormidade de estrangeiros, principalmente no Nordeste do país. Para entender o que é tão animador, além da promessa de descarbonização, é importante falar de preço. O hidrogênio é qualificado como verde por vir de fontes renováveis de energia - no caso de Furnas, a hidrelétrica. Mas pode também ser produzido a partir de fontes eólicas, solares e até do metano do boi. O produto tem prêmio sobre o similar sujo. O problema: prêmio até demais, nesse momento.
Para dar uma ideia da diferença de preços, o hidrogênio cinza, produzido a partir da queima de combustíveis fósseis, é comercializado por US$ 1 por quilo a US$ 2 por quilo. Enquanto isso, o hidrogênio verde é hoje negociado a US$ 7 o quilograma. A meta da companhia é chegar a US$ 2,50 a US$ 3 até 2030, para que o produto seja competitivo. Fora do Brasil, algumas iniciativas de olho em baratear esse combustível já são realizadas. O governo norte-americano, por exemplo, paga US$ 3 por quilo em subsídios. Hoje, nos estudos de Furnas, a companhia já chegou a US$ 4,50 por quilo. O próximo passo para avançar está, justamente, em desenvolver a cadeia.
A companhia conduzirá estudos até 2024 de olho em entender melhor a cadeia de produção desse combustível. Especialmente as necessidades de operação e manutenção que uma planta como essa demanda. Para cumprir essa tarefa, Furnas já trabalha com parceiros de olho em encontrar pontos de eficiência a serem aproveitados pela companhia, e baratear a produção.
O projeto piloto de produção está localizado em uma planta em Goiás, na Usina Hidrelétrica de Itumbiara (que tem capacidade de geração de 2,1 GW). Por lá, foi montado um circuito que envolve a energia gerada pela água, placas solares e um eletrolisador (o equipamento responsável por produzir hidrogênio verde a partir da energia elétrica e da água). O objetivo final era o de estudar duas formas de armazenamento de energia, em gás hidrogênio e em baterias de lítio. Tentar guardar energia não é algo novo em si, mas o que a companhia quis fazer a partir do experimento foi aprimorar essa forma de 'guardar energia'.
A parti desses estudos, chegou a conclusões importantes. A primeira é: o hidrogênio tem eficiência baixa no setor elétrico. “Em ordem de grandeza, pensa que eu gerei 100 unidades de energia, para gerar hidrogênio eu vou consumir 30, ou seja, vou armazenar 70. Quando for usado, terá que passar pelo eletrolisador de novo, e mais 30 unidades serão consumidas. Ou seja, dos 100 que eu gerei, retornei 40 para o sistema”, diz Renato Cabral, gerente do Centro Tecnológico de Engenharia Civil de Furnas, ao EXAME IN.
O ponto positivo, na visão do executivo, é o de que, hoje, já existe sobra de energia no país. Aplicar esse conceito a fontes intermitentes (como eólica e solar) significaria algum ganho, em escala nacional, na visão dele. "Para um armazenamento que hoje é de zero para esses casos, armazenar 30% com hidrogênio seria um ganho e tanto", diz.
Avançar nesse sentido, entretanto, não é ainda tão simples. Isso porque não existe, ainda, no Brasil, uma regulação direcionada ao armazenamento de energia em baterias. E, no caso do hidrogênio verde, sendo um combustível que custa caro produzir, a relação de custo-benefício exerce um peso ainda maior.
Essa é uma situação que deve mudar em breve. Recentemente, a Isa Cteep inaugurou o primeiro sistema de baterias totalmente acoplado ao sistema interligado nacional (SIN) e, na ocasião, Sandoval Feitosa, diretor geral da Aneel, afirmou que a agência deve fazer duas consultas públicas ao longo de 2023, de olho em ter uma regulação para armazenamento de baterias já no primeiro semestre de 2024.
Ainda na questão de armazenamento, a companhia chegou a outra conclusão relevante. É possível guardá-lo de um ano para o outro? Sim. Porém, a baixa densidade do gás faz com que seja necessário ter tanques enormes para cumprir essa tarefa. E que estejam localizados em um local seguro, uma vez que o hidrogênio verde é altamente inflamável. Por esses motivos, a companhia está desenvolvendo um projeto de armazenamento sólido do hidrogênio, cujos estudos devem se estender até 2025 .
Enquanto a norma para esse caso específico não vem, Furnas estuda, em paralelo, outras alternativas de venda do combustível no cenário nacional. Uma delas tem a ver com o agronegócio. Especialmente a indústria de hidrogenados, em razão da proximidade geográfica com empresas que trabalham nesse setor.
"Itumbiara está numa região que tem forte ligação com o agronegócio e o gás pode ser usado dentro desse setor, por exemplo, na indústria de hidrogenados. Hoje você tem indústrias em Rio Verde, Uberlândia, que usam hidrogênio cinza, que vem de Cubatão. O foco dos nossos estudos agora é o de entender essa cadeia e ver a viabilidade econômica desse tipo de negócio", diz Cabral.
Outra razão pela qual o agro se tornou interessante em relação à proximidade geográfica da planta atual tem a ver com uma razão muito simples de explicar, mas difícil de resolver: transportar hidrogênio verde é caro. O combustível sujo que vem de Cubatão, por exemplo, é trazido em contêineres de aço — e não há uma alternativa a isso, ao menos por enquanto, para o combustível verde. Entender e superar essa questão é um ponto para a companhia avaliar também, por exemplo, a exportação de hidrogênio verde daqui para frente. A companhia também avalia a possibilidade de transformar o hidrogênio em amônia e ganhar espaço na indústria local de fertilizantes -- reforçando, mais uma vez, a aposta pelo agro.
"Estudos nesse sentido já são conduzidos na Alemanha, mas com a intenção e produzir energia nos períodos em que as renováveis estão com a capacidade reduzida", afirmou Luiz Felipe Fustaino, diretor-executivo da Unigel, à EXAME ESG no último mês. A companhia brasileira investiu R$ 500 milhões em uma nova fábrica no último ano, justamente de olho em produzir hidrogênio e amônia verdes.
O investimento faz (ainda mais) sentido diante da situação atual enfrentada pelo país. Hoje, o Brasil é visto como um polo para a produção de hidrogênio verde, dada a abundância de acesso a fontes renováveis, de forma barata, para a produção do combustível. O complexo do Pecém (CE) é um dos principais expoentes dessa oportunidade: já firmou contratos com mais de 20 empresas para a produção do combustível e está, ainda, geograficamente bem posicionado para a exportação. Entre as investidoras do projeto no Ceará, estão a Qair (francesa), Fortescue (australiana), Enegix (também australiana).
Por enquanto, o principal desafio vislumbado por Furnas para avançar tem a ver com capacidade de tecnologia para arcar com os planos futuros. Para atendê-la, a companhia conta com a parceria de uma empresa alemã, que fornece eletrolisadores. Este ano, a empresa brasileira deve adquirir um equipamento cem vezes maior do que o atual, de olho na geração comercial a partir de uma planta de capacidade de geração de 10 MW . Os detalhes ainda não foram divulgados.
Independentemente do caminho que os investimentos tomem daqui para frente, uma coisa é certa: o Brasil é um polo e tanto para a exploração do hidrogênio verde. E quem chegar mais cedo nessa corrida terá vantagem na economia do futuro. A quantidade de desafios a vencer, contudo, não é pequena.