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PIB: "Brasil tem pouco espaço" para todas as incertezas de 2022

PIB cresce 4% ou mais em 2021, mas melhora não vem de graça

Crescimento econômico é heterogêneo, afetado por restrições de circulação de pessoas, mas demanda por alimentos e bens puxa preços e exportações (Germano Lüders/Exame)

Crescimento econômico é heterogêneo, afetado por restrições de circulação de pessoas, mas demanda por alimentos e bens puxa preços e exportações (Germano Lüders/Exame)

AB

Angela Bittencourt

Publicado em 24 de maio de 2021 às 09h23.

A economia está melhor confirmam alguns dos principais indicadores, mas essa melhora não veio de graça. Na avaliação de Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro FGV IBRE, é um combo: mais PIB, mais inflação e recuperação heterogênea. Alguns setores mostraram resiliência à pandemia. Para a Indústria, a crise do coronavírus parece ter ficado para trás; Serviços ainda caem, mas “Serviços Modernos” com alto uso de tecnologia avançam. O PIB deste ano poderá crescer 4% ou até mais. Contudo, em 2022, a expansão pode ficar abaixo de 2% e não faltam desafios à frente. A inflação deste ano deve ficar bem salgada, entre 5,5% e 6% e deixará marcas para o ano que vem, quando a meta perseguida pelo Banco Central será de 3,50%. Silvia não é pessimista, mas realista: em 2022, a política monetária não será estimulativa, a taxa básica mais alta, o crédito mais caro, o cenário internacional será incerto e não se deve descartar tentações de anos eleitorais. “O Brasil tem pouco espaço para isso”, diz.

Confira os principais pontos da entrevista de Silvia Matos ao EXAME IN:

Há um intenso processo de revisão de projeções para o PIB deste ano. O país está melhor?

Sim, mas o desempenho do PIB se mostra muito heterogêneo. Isso vale também para o mercado de trabalho. PIB melhor é uma boa notícia. Indicadores como IBC-Br e Monitor do PIB mostram um dado melhor, um crescimento muito forte na margem e em base interanual. Apontam que a economia já recuperou as perdas provocadas pela pandemia. Janeiro e fevereiro já haviam mostrado desempenho positivo. Em março também, embora tenham sido tomadas medidas mais restritivas de circulação de pessoas, o impacto foi muito menor, mostram os indicadores da indústria, comércio e serviços, acompanhados pelo IBGE, além dos que pesquisamos na FGV, vieram mais positivos. A leitura dessa combinação de indicadores é necessária porque nenhum termômetro sobreviveu à pandemia que é um choque diferente de qualquer outro que já experimentamos e registramos.

Os setores mostram esse PIB heterogêneo?

Vou usar o Monitor do PIB como referência e ele revela que a Indústria já cresce muito acima do que vimos no primeiro trimestre do ano passado, um avanço de 5% que é impressionante. Mas o setor de Serviços ainda contrai. Isso mostra o choque que é diferente entre setores. E, dentro do PIB, Serviços é muito importante porque temos “serviços modernos” com forte uso de tecnologia, mas temos “outros serviços” que são mais afetados pela pandemia.

A Indústria saiu na frente?

A Indústria foi bem por fatores domésticos e globais. A pandemia provocou um aumento na demanda por bens industriais, inclusive material de construção e alimentos e diminuiu o consumo de serviços. Só esse efeito já favorece a indústria e o comércio de bens. Em contraponto, Serviços não foi tão bem. Em março, os serviços prestados às famílias estão cerca de 45% abaixo do patamar de fevereiro de 2020, pré-pandemia. Os serviços de tecnologia, que já apresentavam evolução mais favorável antes da pandemia, foram positivamente influenciados e, ao final de março, estão 20% acima do observado em fevereiro de 2020. Transportes é um segmento que poderia sofrer muito em função do isolamento social. Porém, o desempenho veio melhor. Isso também se aplica a serviços prestados a empresas, como apoio administrativo e advocacia.

A economia sobreviveu ao coronavírus?

É como se as empresas e a própria sociedade tivessem decidido sobreviver se adequando a uma nova situação imposta pela doença. Embora se possa ter dúvidas sobre a real variação dos indicadores – que deverão ser revistos à luz de novas informações –, a economia ficou mais imune à pandemia. Mas isso não significa que não teremos problemas no futuro. Pelo fato de ainda não termos superado a pandemia e a mobilidade ter sido recuperada muito rapidamente, como agora, poderemos ter à frente novas restrições. Na prática, portanto, temos um grau maior de incerteza. Os indicadores de mobilidade sugerem que não tem mais pandemia no Brasil. Sabemos que a única arma é a vacina, mas talvez com maior oferta no segundo semestre. O que não sabemos é se temos ou teremos novas variantes e novos surtos e fechamentos em caso de contágio ampliado. Há, sim, o risco de que economia sofra outros impactos, ainda que menores. É um cenário econômico melhor, mas incerto.

Quem está imune à pandemia hoje?

Temos alguns segmentos, como o Agronegócio e alguns segmentos da Indústria. Enquanto a demanda interna encolheu, a demanda externa aumentou. As exportações cresceram, mesmo que menos comparativamente a outros períodos. Setorialmente, muitas empresas estão se beneficiando porque o mundo demanda bens em geral e alimentação, inclusive a processada, que é parte da nossa pauta. O câmbio desvalorizado também vem ajudando. Isso não quer dizer que o resultado agregado será maravilhoso. É fato que alguns segmentos estão indo muito bem, mas com baixa recuperação do emprego, inclusive, porque os setores que empregam mais sofreram mais com a pandemia, caso de serviços prestados às famílias, como alimentação fora de casa, lazer, entretenimento e serviços domésticos.

Uma demora maior na recuperação do emprego não vai bater na atividade?

Há um desafio pela frente até porque, no ano passado, respingando neste ano, o governo compensou. Aumentou muito os gastos, mas compensou essa perda. No ano passado, a massa ampliada de rendimentos cresceu. Neste ano, o governo continua fazendo tudo o que é possível. Segue pagando o auxílio emergencial, embora menor, antecipando o 13º salário de aposentados e pensionistas. Mas o que vai gerar renda é o mercado de trabalho. Como ainda estamos na pandemia, a taxa de desemprego não está subindo tanto porque uma parte da população acredita que não vai valer a pena procurar emprego e outra parte está recebendo o auxílio.

A ação do governo também tem custos...

Sim. No todo, há um desbalanceamento e, outro sinal de que nem tudo está bem, é a inflação que está aí. Uma parte da inflação se explica, aqui e no mundo, como consequência do choque que é a pandemia que trouxe uma mudança no padrão de consumo e a oferta não acompanha. Essa demanda mais vigorosa puxa a inflação em todos os lugares. Estamos vendo no Brasil preços no atacado e alta superior a 40%. Uma parte as empresas aguentam e não repassam ao consumidor porque o desemprego está alto, mas uma parte não consegue absorver o aumento de custos.

O que esperar da inflação?

A inflação deste ano é bem salgada e deve ficar entre 5,5% e 6%. Temos preços de itens administrados e de alimentos muito elevados. O câmbio aprecia, mas pouco. O câmbio segue ainda muito depreciado. E a alta das commodities se torna muito inflacionária. Uma questão que se coloca é: quando normalizar a demanda por bens e alimentos, a inflação no mundo vai acomodar? E no Brasil? Precisamos lembrar que temos uma meta de inflação cadente e o Brasil nunca teve crescimento consistente com inflação na meta e taxa reais de juros baixas.

Apesar da melhora da economia, temos muitos desafios?

Temos sim. A economia está melhor, mas não veio de graça e não está 100% melhor e também dependemos do comportamento de outros países, como os EUA. Teremos crescimento forte e inflação? O juro lá fora exige atenção porque o Brasil depende de fluxo externo de capital. Teremos eleição presidencial, as grandes reformas como a tributária e a administrativa, não evoluem como deveriam. Temos, sim, avanços. Um deles é a redução do juro estrutural. Contudo, mesmo com a nossa perspectiva de que o PIB estará mais próximo de 4% ou até um pouco mais, teremos desemprego elevado, uma questão distributiva complicada a equacionar e uma inflação pesada. Se voltarmos ao “velho normal”, a expansão do PIB voltará a ser baixa. Para 2022, nossa projeção é de 2% ou menos.

A expansão do PIB cairá à metade?

No ano que vem a política monetária não será estimulativa, Selic acima de 6% ao ano, e crédito mais caro. O teto de gastos terá uma folga porque é corrigido pela inflação calculada até o meio do ano – e a variação será alta. Some-se a isso o cenário econômico-financeiro internacional, onde o aumento do juro poderá ser antecipado, e as tentações de anos eleitorais. O governo pode se inclinar a decisões mais populistas e temos pouco espaço para isso.

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