Exame IN

Petrobras: gestora inglesa de US$ 560 bi faz alerta ao conselho e pede independência

Maior gestora do Reino Unido e segunda maior da Europa, Aberdeen quer processo independente para indicação de novo presidente da Petrobras

 (Dado Galdier/Getty Images)

(Dado Galdier/Getty Images)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 21 de fevereiro de 2021 às 15h04.

Última atualização em 21 de fevereiro de 2021 às 16h25.

“O retorno ao passado seria um revés na trajetória de reconstrução de credibilidade da Petrobras e melhora observada nos últimos anos, colocando em risco não apenas a estratégia atual, mas também todos os esforços do País em atrair investimentos privados para o desenvolvimento da indústria de óleo e sua cadeia de valor.”

A mensagem acima foi encaminhada ao presidente do conselho de administração da Petrobras, Eduardo Bacellar Leal Ferreira, e demais membros pela gestora de recursos Aberdeen Standard Investments, dona de uma posição de aproximadamente R$ 1,8 bilhão em ações da estatal. A casa, a maior do Reino Unido e a segunda maior da Europa, tem US$ 560 bilhões em ativos sob gestão e possui diversas aplicações no país. Além disso, já se engajou na definição do futuro de diversas empresas no Brasil, como por exemplo, na formação de um novo conselho de administração na BRF, na época do fim da gestão Abilio Diniz e Tarpon Investimentos.

A expectativa é que a pressão sobre o atual conselho de administração da companhia e ainda sobre o governo aumente nos próximos dias, dada a expectativa de que a  gestão mostrasse forte compromisso com uma agenda liberal, o que pressupõe a não intereferência nas empresas estatais listadas na bolsa — ou seja, de economia mista.

O documento foi encaminhado ontem e é assinado por Devan Kaloo e Eduardo Figueiredo, líder global de ações da gestora e diretor das operações no Brasil, respectivamente.

“Enfatizamos também que decisões sobre a nomeação ou substituição de executivos devem ser de exclusiva responsabilidade do conselho de administração da companhia, com ativa participação dos membros independentes, passando por uma análise objetiva de qualificações, com consonância com melhores práticas.”

Na sexta-feira, a mera expectativa de que o governo interferisse na Petrobras, com uma troca de liderança, fez as ações desabarem e a petroleira perder R$ 28 bilhões em valor de mercado em um único pregão. A companhia encerrou o dia avaliada em R$ 355 bilhoes, ante os R$ 383 bilhões da quinta-feira, dia 18.

A estatal é a segunda maior companhia da B3, atrás apenas da Vale, e responde por cerca de 10% da composição do Índice Bovespa.

Após o fechamento dos mercados, o Planato anunciou, por meio do Ministério de Minas e Energia, a indicação de Joaquim Luna e Silva como novo presidente da Petrobras, no lugar de Roberto Castello Branco. O motivo de o presidente Jair Messias Bolsonaro decidir mexer na gestão da empresa é devido ao aumento de preços dos combustíveis.

Conforme o EXAME IN apontou em matéria na próxima sexta-feira, dia 19, a substituição do presidente exigirá a troca de todo o conselho de administração. O estatuto social da petroleira, em seu artigo 20, determina que o presidente executivo da companhia precisa ser conselheiro de administração. Luna e Silva não compõe o atual colegiado. Como o grupo foi eleito por meio de voto múltiplo, qualquer modificação exige a chamada de uma nova eleição completa.

Confira abaixo a íntegra da carta, obtida pelo EXAME IN:

"São Paulo, 20 de Fevereiro de 2021

Prezado Sr. Eduardo Bacellar Leal Ferreira e membros do conselho de administração,

Escrevemos em nome da Aberdeen Standard Investments, detentora de aproximadamente 67.3 milhões ações Preferenciais da Petrobrás, equivalente a 0.5% do capital social total da companhia através de diversos veículos de investimento.

Passado um 2020 desafiador, gostaríamos de parabenizar a administração da companhia pelas conquistas deste ano. A entrega de crescimento de produção de 2.4%, o avanço em projetos importantes de desenvolvimento de ativos no pré-sal, além da condução do plano de desinvestimentos em linha com a estratégia de longo prazo da companhia devem ser celebradas em qualquer ambiente, mas se tornam ainda mais notáveis em face a um cenário de enfrentamento dos impactos da pandemia, com suas implicações do ponto de vista de flexibilidade na gestão de capital, priorização à saúde e segurança dos seus funcionários e em paralelo avançando na agenda de transparência e adequação a melhores práticas internacionais como o TCFD – Task Force on Climate-Related Financial Disclosure.

Temos a plena compreensão de que enquanto a Petrobrás mantiver sua posição monopolística na indústria de refino brasileira, a conciliação de interesses divergentes dos stakeholders da companhia será desafiadora. Contudo, apoiamos os executivos a garantirem que, acima de tudo, a paridade de preços de importação prevaleça na política de preços de combustível da companhia como princípio fundamental.

Éramos acionistas de Petrobras quando a empresa era gerida de forma contrária a esse princípio; é nossa visão de que o retorno ao passado seria um revés na trajetória de reconstrução de credibilidade da companhia e melhora de governança observada nos últimos anos, colocando em risco não apenas a estratégia atual da companhia, mas também todos os esforços do País em atrair investimentos privados para o desenvolvimento da indústria de óleo e gás e sua cadeia de valor.

Sustentamos firmemente nossa visão de que mudanças no corpo de executivos atual da companhia, sem um devido racional e rigoroso processo, serão tomadas como negativas. Enfatizamos também que decisões sobre a nomeação ou substituição de executivos devem ser de exclusiva responsabilidade do conselho de administração da companhia, com ativa participação dos membros independentes, passando por uma análise objetiva de qualificações, em consonância com melhores práticas.

Desvios dos preceitos elaborados acima colocarão em risco os esforços de reconstrução de credibilidade da comunidade de investidores, com impactos negativos não apenas para a Petrobrás como também para ativos brasileiros de maneira mais ampla.

Seguimos atentos e vigilantes a estes desenvolvimentos e apoiamos o conselho de administração da companhia no cumprimento de sua atribuição ao proteger a empresa de interferências indevidas e confiamos que os mecanismos de proteção implementados após experiências negativas do passado irão prevalecer.

Agradecemos aos membros do conselho e aos executivos por sua atenção e abertura à colaboração com a Aberdeen Standard Investments em nossas interações.

Devan Kaloo - Global Head of Equities Aberdeen Standard Investments

Eduardo Figueiredo - Director, Head of Brazilian Equities Aberdeen Standard Investments”

 

Acompanhe tudo sobre:aberdeen-assetB3GovernançaPetrobras

Mais de Exame IN

Fim da guerra da cerveja? Pelas vendas de setembro, a estratégia da Petrópolis está mudando

“Equilíbrio fiscal não existe, mas estamos longe de uma crise”, diz Felipe Salto

Mais Porto, menos Seguro: Diversificação leva companhia a novo patamar na bolsa

Na Natura &Co, leilão garantido e uma semana decisiva para o futuro da Avon