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Pessoa física já tem R$ 386 bilhões em ações na B3 e testa gestores

Total em ações sob custódia na bolsa equivale a 77% do patrimônio de fundos de ações

B3: cresce a indústria de serviços dedicados apenas ao pequeno investidor (Germano Lüders/Exame)

B3: cresce a indústria de serviços dedicados apenas ao pequeno investidor (Germano Lüders/Exame)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 17 de dezembro de 2020 às 09h21.

Última atualização em 17 de dezembro de 2020 às 15h22.

A poucos dias do fim de 2020, é possível afirmar com segurança que esse foi o ano da digitalização de tudo, em todas as frentes da sociedade, e também foi o ano da pessoa física na bolsa. O número de investidores que decidiu enveredar para o mercado de ações explodiu e o total de contas abertas para negociar diretamente na bolsa dobrou de 1,6 milhão para 3,2 milhões. O volume investido também cresceu.

O total sob custódia – só em ações – na B3 desses aplicadores saltou de 301 bilhões de reais, ao fim de 2019, para 386 bilhões de reais, em outubro deste ano — muitos pontos antes de o Índice Bovespa zerar as perdas da pandemia. Em dois anos, esse estoque dobrou, uma vez que era de 200 bilhões de reais em dezembro de 2018 (e de 90 bilhões de reais em 2015, para os mais curiosos).

Nem precisa dizer que não era nada óbvio imaginar, no começo da pandemia, que esse seria o quadro no fim do ano. Também é possível afirmar com tranquilidade que a pessoa física acertou a mão ao tomar de lote o mercado, em março — auge do estresse, piso dos preços. Dali para frente só viu ganhos. O investidor de varejo, a sardinha, se deu bem melhor que o tradicional tubarão, o estrangeiro dono do dinheiro grande. O capital externo perdeu uma oportunidade danada vendendo na baixa e comprando na alta — sim, eles fizeram (ainda estão fazendo) isso!

Mas o que mais impressiona disso tudo é a comparação do saldo dos investimentos diretos da pessoa física com o patrimônio dos fundos de ações, ou seja, aos cuidados dos profissionais. O estoque do volume financeiro em custódia na B3  — ou seja, a soma da aplicação direta em ações de todas as pessoas físicas — era um valor equivalente a 50% do patrimônio total dos fundos de ações, nos anos de 2018 e 2019. Pois bem: em outubro, essa relação era igual a 77%. Dados da Anbima apontam que o patrimônio dessa classe de carteiras estava em 498 bilhões de reais no fim de outubro.

Quando se considera que grandes bilionários têm seus investimentos feitos por meio de fundos exclusivos (por facilidades tributárias), essa proporção seria ainda maior -- já que eles, na verdade, também são pessoas físicas operando por conta própria. Estamos aqui falando de nomes como Luis Alves Paes de Barros, Lirio Parisotto e outros bilionários. Bufunfa gorda mesmo.

Afinal, quanto vale um gestor?

É impossível ver esse percentual e não questionar qual valor o investidor vê na figura do gestor profissional para seleção de uma carteira de ações — especialmente com o crescimento do número de gestoras independentes. O que será que está em andamento? Qual o papel desse profissional na cadeia de investimentos?

De uma apuração contínua, que vai desde o bate-papo com amigos, parentes e toda sorte de gente que passa pelo caminho sobre o que estão fazendo com seu dinheiro, até a conversa com profissionais, a sensação que fica é que tudo nessa nova atualidade concorre com a gestão profissional nesse momento. O que a pessoa física quer está claro: investir mais na bolsa. O caminho, porém, agora tem múltiplas possibilidades.

O presidente da B3, indiretamente, tocou no ponto X da questão durante o encontro com a imprensa na manhã desta quarta-feira, 16 — isso sem nem sequer falar da indústria de gestão de recursos.

Para Gilson Finkelsztain, presidente da bolsa, a taxa de juros no piso histórico, com os 2% da Selic, não é a única razão para o aumento das aplicações em ações. A digitalização é a outra grande explicação para os saltos dados em 2020. Com ela, veio junto a facilidade de aplicação para o investidor e o acesso à informação — vale o alerta que, com tudo que é bom, vem também o que é ruim. Mas é um fato que a educação financeira está muito mais acessível.

Esses investidores, antes quase renegados, hoje têm uma gama de prestadores de serviço a sua disposição. O que é, por exemplo, a guerra entre as plataformas de investimentos se não a disputa por esse cliente? Mas, acredite leitor, pela pesquisa da bolsa apenas 22% dos investidores diz usar relatórios, consultores e serviços especializados.

Em 2020, comprar ações se tornou uma decisão de um clique e, de repente, presidentes de empresas, analistas, os nomes mais parrudos do mercado estavam por aí, trafegando nas redes em lives e em toda uma sorte de eventos virtuais que agora podem receber um contingente muito maior de participantes, sem os limites que os espaços físicos impõem.

Mas será que tudo isso substitui um profissional? Será que a pessoa física entendeu bem a diferença entre o aconselhamento de um agente autônomo e um gestor? Será que entendeu a diferença de alinhamento com performance? Ou será que ela acha “caro” ter um fundo?

Surpresa, o cliente mudou

É para lá de importante notar a mudança de perfil do investidor. Essa lição vale para as plataformas e supermercados de investimento e para os gestores de recursos. Lição de casa para todo mundo deveria ser ler a pesquisa da B3 nos mínimos detalhes.

O aplicador de bolsa está mais jovem e, portanto, traz um tíquete menor. Cada investidor, tinha uma posição média de 22 mil reais em 2018 e agora esse valor médio equivale a 9 mil reais — o estoque médio por pessoa. O tíquete da negociação por indivíduo, que em 2015 bateu quase 4 mil reais, está neste ano maluco em 609 reais.

 

Na pesquisa da bolsa, muitas outras respostas saltam aos olhos: 73% dos investidores afirmam preferir fazer suas próprias análises e aplicações. Entre aqueles que investiram pela primeira vez, a resposta mais comum para a sensação obtida com a aplicação foi entusiasmo — 34% do total.

Dos novos entrantes, também 73% diz que chegou à bolsa por meio de informações obtidas na internet, em especial de digital influencers — mas só 36% diz que seguem os conselhos de investimento que eles dão.

Essas respostas começam a encostar na revolução do perfil etário dos aplicadores: 68% dos investidores hoje têm menos de 35 anos — sendo que 26% do total têm idade abaixo de 25 anos. Até 2016, mais da metade dos investidores diretos de bolsa tinham mais de 60 anos. Uma inversão e tanto em apenas quatro anos!

Educação muito mais que financeira

Com o mundo na palma da mão, literalmente, investir em ações diretamente deixou de ser um ato apenas para tentar “fazer mais dinheiro”. A jornada do investidor se tornou fonte de informação como um todo. Selecionar o investimento, colocou as pessoas — o salário médio dos aplicadores hoje é de até 5 mil reais mensais — em contato com um mundo de conhecimento que ele não tinha acesso.

Entender como Magazine Luiza dobrou de valor na bolsa e a Cogna (ex-Kroton) perdeu quase metade do seu no ano da pandemia traz informações úteis e interessantes para os investidores para além de sua jornada como aplicador. A bolsa despertou a curiosidade das pessoas, algo que muitas escolas não conseguiram fazer por seus alunos.

Mas, diante de todo esse movimento salutar, vem a pergunta: se a geração do futuro está na bolsa aplicando sozinha agora, como o gestor de recursos vai encantar esse sujeito com seus conhecimentos? Há um desafio evidente para essa indústria.

Dinheiro na mesa

Ainda tem muito dinheiro na mesa a ser conquistado — para todos. De acordo com os números da B3, o estoque da poupança do brasileiro estava em 3,4 trilhões de reais ao fim de junho de 2020 — incrivelmente, acima dos 3,3 trilhões de dezembro de 2019. Mas, do total, 50% estavam aplicados em renda fixa (CDB, RDB, LCI e por aí vai), títulos públicos e a ainda famosa — ou famigerada? —  poupança. Esse percentual era de 46% no fim de 2019.

Portanto, é apenas parte da verdade dizer que o investidor brasileiro está mais arrojado. Do total poupado pelo brasileiro, o percentual alocado em fundos de renda fixa caiu de 17% para 14%.

E para onde foi esse dinheiro: Bolsa? Não totalmente. Parte importante foi para outra renda fixa — nas modalidades CDB, RDB, LCI — que passou a reter 22% do total poupado ou investido pela população, ante 20% em dezembro passado. E a outra parte foi para a poupança, que guardou uma fatia de 26% do que o brasileiro mantém como investimento — ante 24% no fim de 2019.

Ações? O percentual aplicado em fundos caiu de 5% para 4% nessa comparação e o total alocado diretamente na B3 manteve-se em 11%. Se é verdade que para manter esses percentuais, os valores destinados à bolsa tiveram que receber bastante dinheiro novo — porque os preços caíram —, também é fato o espaço ainda a ser conquistado.

Olhar apenas para os dados da Anbima e ver que a captação dos fundos de ações em 12 meses acumula um saldo positivo de 81 bilhões de reais enquanto os fundos de renda fixa perderam 57 bilhões de reais pode ser só uma forma simplista de ver a questão.

Como 2020 foi atípico em tudo, o próximo ano vai ajudar a entender e depurar melhor o que disso tudo foi efeito da pandemia. A direção está dada: a pessoa física está mais interessada pela bolsa e decidiu fazer sozinha seus investimentos — ou parte deles.

O que precisa ser desvendado é quanto o movimento já visto em 2020 foi produto da sensação do efeito saldão da pandemia — tudo está barato, então, vai ser difícil errar — e do tempo disponível com o home offices. Será que se estivessem nos escritórios, as pessoas cuidariam tão de perto de suas aplicações? Quando a covid-19 for controlada, ou contida, vai ser possível montar a cartela de cores desses dados.

Na indústria de fundos tampouco há certezas. Há os mais incomodados e os mais otimistas com esse investidor que chega para comprar ações diretamente. Alguns entendem que esse caminho ajuda na educação financeira e levará as pessoas, quando tiverem patrimônio maior e menos tempo disponível, aos gestores profissionais. Questão de tempo e dinheiro, literalmente. Outros estão mais pessimistas e entendem que essa competição pode prejudicar a indústria de fundos de ações – mas são a minoria.

O que ninguém, mas ninguém mesmo, ousa dizer o contrário é que tudo isso é muito salutar para o desenvolvimento do país. Ajuda na educação financeira e no financiamento ao empreendedorismo: 2020 também foi o ano do IPO da maior empresa, com a Rede D’Or avaliada em mais de 110 bilhões de reais, e das menores, com as estreias de startups como Méliuz e Enjoei no pregão. Mas isso já é outro assunto.

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