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Paul Krugman, Nobel de Economia: 'Essa não é uma crise da globalização, mas da liderança americana'

Economista vê inflação pressionada e risco de recessão dos Estados Unidos — e acredita que a erosão da confiança na maior economia do mundo vai persistir para além de Donald Trump

Krugman: “Quando eu espero que os EUA voltem ao que eram? Não acho que vou viver para ver” (Gene Medi/NurPhoto /Getty Images)

Krugman: “Quando eu espero que os EUA voltem ao que eram? Não acho que vou viver para ver” (Gene Medi/NurPhoto /Getty Images)

Rebecca Crepaldi
Rebecca Crepaldi

Repórter de finanças

Publicado em 26 de junho de 2025 às 07h48.

Última atualização em 26 de junho de 2025 às 07h53.

“Não me lembro de um momento na história em que as coisas estivessem tão incertas”, disse o economista americano Paul Krugman, vencedor do Nobel de Economia em 2008, durante participação no evento anual da Anbima em São Paulo — resumindo a sensação de mundo em vertigem deste primeiro semestre de 2025.

Para ele, no entanto, o mundo não está fadado à crise, mas sim os Estados Unidos. “Não acho que estamos enfrentando uma crise da globalização, mas sim uma crise da liderança americana.”

Na avaliação do economista, a política tarifária de Donald Trump é um enorme retrocesso, que deve resultar numa disparada da inflação e pode jogar a maior economia do mundo numa recessão.

E, caso os EUA continuem com as políticas atuais, seu palpite é que o comércio americano como um todo vá cair cerca de 50%.

“Estamos olhando para algo basicamente como a reversão de toda globalização que os EUA promoveram desde os 1980 [...] Estamos voltando no tempo”, diz.

Apesar disso, ele acredita que o principal impacto vai ficar nos próprios Estados Unidos: “Não vislumbro uma crise econômica global, possivelmente uma crise americana, mas não global.”

Nesse sentido, a sensação de que as coisas melhoraram por conta da reversão das tarifas astronômicas propostas pelo presidente americano é passageira, diz o Prêmio Nobel.

Embora a inflação ainda não tenha subido, o impacto deve vir mais à frente, já que o comércio internacional reage com defasagem. “Não tenho um motivo razoável para acreditar que isso não terá um impacto nos preços”, afirmou.

“O que aprendemos na pandemia é que o comércio internacional leva tempo”. A grande questão é se o impacto será transitório ou permanente.

Krugman também apontou riscos de uma desaceleração mais severa. Embora tarifas, isoladamente, não levem necessariamente a uma recessão, explica, o atual ambiente de insegurança tem colocado a economia em espera. “Certamente vamos ver uma contração e talvez uma recessão na maior economia do mundo”, alertou.

“O dólar ainda é especial”

O comportamento recente do dólar também chamou atenção de Krugman, que classificou como “peculiar” o enfraquecimento da moeda americana em meio a um cenário de alta das tarifas — movimento que, em tese, deveria impulsioná-la.

Para o economista, o padrão de reação do mercado americano se assemelhou mais ao de países emergentes, como Brasil e Argentina, do que ao de uma economia desenvolvida.

Historicamente considerado um porto seguro, os Estados Unidos estariam perdendo a confiança dos investidores internacionais, segundo ele.

“Não estamos falando do colapso da moeda, mas isso sugere já que os EUA não estão sendo mais visto pelos mercados como um lugar confiável - e isso é uma notícia ruim”, aponta.

Apesar das incertezas, o Nobel descarta por ora a substituição do dólar por outra moeda dominante. A China tem controle de capitais e a Europa é fragmentada.

“As pessoas se perguntam qual o risco do dólar ser substituído por outra moeda. O risco é não ser substituído por nada, chegarmos num cenário em que não exista uma moeda global aceita por todos.”

Mesmo com o avanço das stablecoins, o economista destacou que elas ainda estão longe de substituir o dólar em transações internacionais. “É a primeira vez que digo isso em público”, finalizou, deixando no ar a gravidade do momento: “O dólar ainda é especial — de um jeito que os EUA talvez não sejam mais.”

E os Estados Unidos poderiam recobrar sua posição institucional no mundo? Para Krugman, isso dependeria de ter “vários presidentes razoáveis na sequência”, já que “um só não seria o suficiente”.

Mas a perspectiva foi além: “Quando eu espero que os EUA voltem ao que eram? Não acho que vou viver para ver.”

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