João Paulo Ferreira: grupo Natura &Co vai diminuir prioridade de 150 projetos para reduzir pressão sobre funcionários (Leonardo Benassatto/Reuters)
Graziella Valenti
Publicado em 2 de abril de 2021 às 15h45.
Última atualização em 28 de abril de 2021 às 14h37.
“Vivemos uma situação de colapso na sociedade. E não é só na saúde. O colapso é econômico e é emocional. Vamos levar décadas para nos recuperar.” A fala é do presidente da Natura &Co para América Latina, João Paulo Ferreira. O grupo vai doar R$ 30 milhões para medidas de apoio à saúde pública e às comunidades extrativistas que se relacionam com a empresa e também para as 4,5 milhões de consultoras de beleza das marcas Natura e Avon na região.
“É muito difícil falarmos de negócios sem nos inserirmos nesse contexto”, essa é a explicação do executivo a respeito da motivação das iniciativas. “Estamos colocando as pessoas antes das coisas”, diz, em entrevista exclusiva ao EXAME IN.
A companhia anunciou na semana passada a destinação de R$ 4 milhões para compra de vacinas para o Conectar (Consórcio Nacional de Vacinas das Cidades Brasileiras), grupo formado com o apoio da Frente Nacional de Prefeitos — a primeira doação feita a esse coletivo. Quando questionado se a empresa vacinaria seus funcionários, Ferreira é categórico na negativa: “somos contra privilégios, isso só aumentaria ainda mais o fosso entre as classes sociais.”
O valor dedicado ao grupo de prefeitos faz parte de um total de R$ 10 milhões que serão destinados para atuação na frente da saúde pública no Brasil, dentro do combate à covid-19. A empresa também integra o “Unidos pela Vacina”, grupo liderado pela empresária Maria Luiza Trajano, presidente do conselho de administração da varejista Magazine Luiza. Esse coletivo tem várias frentes, que vão desde melhorar a logística para a vacina e imunizantes até a compra de seringas e agulhas. “Vamos buscar coalizações e atividades colaborativas que mirem o bem comum”, detalha Ferreira.
Há ainda outros R$ 10 milhões com essa mesma finalidade que serão destinados para outros países da América Latina. Dentro desse total, há esforço para o cuidado das comunidades extrativistas que atuam como fornecedoras da companhia e também de catadores. “Assim, vamos desde os nossos fornecedores até aqueles que trabalham com os resíduos de embalagens de nossos produtos, essenciais para a cadeia de reciclagem.”
Os detalhes de toda a atuação estão em processo de definição junto com a pesquisa e a formação de parcerias com grupos que possam garantir a efetividade das medidas.
O esforço de atuação inclui ainda um aporte de R$ 10 milhões no fundo de amparo às consultoras, criado no ano passado. Esse fundo busca promover transferência de renda a essa frente de vendas do grupo — e compreende as marcas Natura e Avon, que adotam esse modelo. Os recursos são usados por meio de solicitações dessas profissionais para situações que vão desde a necessidade de auxílio funerário até circunstâncias de segurança alimentar e combate à violência doméstica, atuação na qual a Avon tem ampla experiência.
“As pessoas ainda não se deram conta do tamanho do retrocesso e de quanto o efeito disso será duradouro. Antes, nós buscávamos discutir medidas de melhoria do ensino fundamental. Agora, voltamos a debater evasão escolar.”
Para Ferreira, é uma obrigação das companhias contribuírem nesse momento. “Nós recebemos da sociedade uma autorização para operar. Portanto, devemos sempre devolver benefícios a essa sociedade, e situações trágicas como a atual demandam um auxílio desproporcional.”
Os R$ 30 milhões que o grupo Natura &Co reservou para esse momento, somam-se a mais de R$ 60 milhões destinados ao combate à pandemia do ano passado, em doação de materiais e produtos e também de auxílio às consultoras.
Com pandemia e esforço de integração da Avon, absorvida em janeiro de 2020, o grupo teve prejuízo superior a R$ 650 milhões no ano passado. Além da marca de origem americana e da Natura, o conglomerado de beleza, quarto maior do mundo, é dono também das bandeiras The Body Shop e Aesop.
Em 2020, a companhia transformou suas unidades para fabricação de álcool em gel, durante a escassez do produto, e ainda deu foco aos bens de higiene de primeira necessidade, essenciais à redução do contágio, com sabonetes.
Logo que a pandemia teve início e que foi adotada a estratégia do isolamento social, João Paulo Ferreira assim relatou sua experiência: “Eu achei que iria trabalhar de casa, mas logo percebi que estava dormindo no trabalho.” Passado um ano, o grupo está preocupado com a situação de exaustão e equilíbrio emocional de seus colaboradores.
Por essa razão, decidiu adotar algumas medidas para tentar lidar com o cenário. A primeira foi criar pequenas licenças remuneradas que podem ir de 2-3 dias a um máximo de 12 dias. “Queremos que os nossos possam cuidar de si e dos seus. A doença está cada vez mais perto e praticamente todos nós temos algum familiar contaminado, que precisa de ajuda.” As medidas valem desde o operacional, passando pelo administrativo até a força de vendas.
Além disso, foi adotada uma iniciativa de grande impacto no grupo. Para diminuir a carga de trabalho das equipes nesse momento considerado crítico, o grupo vai reduzir a prioridade de nada menos do que 150 projetos em andamento em diversas áreas. O objetivo é manter o foco no que é essencial para o negócio e postergar as demais iniciativas. Os detalhes ainda estão sendo definidos.
Também existe uma preocupação em reduzir o excesso de reuniões por videoconferências que contaminou a vida de todos. A Natura &Co quer garantir que as discussões ocorram entre as 9h e as 18h, e que sempre haja um intervalo mínimo de 15 minutos entre os encontros virtuais. Para isso, a companhia pediu que todos os times reflitam sobre a real necessidade dos presentes nas reuniões.
A duração da pandemia, o home-office junto e mais todas as pressões emocionais envolvidas têm transformado a maravilha que muitas companhias acreditaram — de ganho de produtividade — em um verdadeiro desafio corporativo.
A Natura &Co quer deixar claro aos seus funcionários que, além de se preocupar com a sociedade fora da empresa, também cuida dos seus. Para proteger os funcionários, além de transporte próprio, a empresa formou “brigadas de covid”, semelhante às brigadas de incêndio. São times de funcionários que estão dedicados a cuidar das regras de segurança contra o contágio e que são treinadas para agir em casos de suspeita e de confirmação de contaminação de colaboradores.
“Um dos nossos papéis nesse momento tão crítico também é gerar um sinal de esperança. É importante a existência de referências que apontem nessa direção”, termina Ferreira.