Repórter Exame IN
Publicado em 28 de agosto de 2024 às 18h36.
Última atualização em 28 de agosto de 2024 às 20h28.
A mudança de comando da Ambev não marca necessariamente uma mudança de rota. Mas a experiência de Carlos Lisboa na construção de marcas, com ascensão global de Corona, e conhecimento do mercado brasileiro, onde já atuou como CMO e nutriu o crescimento de Skol e Skol Beats, são apontados como fortalezas num momento em que a competição está muito mais acirrada no Brasil – seja pela força da Heineken nos mercados premium e core plus ou pela agressividade de preços do Grupo Petrópolis.
Há trinta anos na AB InBev, Lisboa (que também é membro do conselho da Ambev e deve deixar o cargo em janeiro ) é descrito por pessoas que trabalharam com ele na empresa como um "apaixonado por marcas".
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“Ele é muito experiente, passou por várias áreas e tem muito conhecimento de marketing e vendas”, diz uma pessoa próxima ouvida pelo INSIGHT. “É muito focado em resultado e reconhecimento de marca, o que é essencial em um cenário competitivo mais desafiador e em um mercado mais maduro, como o brasileiro.”
O executivo fez da chamada Middle America, unidade que inclui – entre outros mercados – México e Colômbia e que será comandada a partir de 2025 por Jean Jereissati, o maior mercado da AB InBev, puxado especialmente pelo crescimento das marcas mexicanas Modelo e Corona. A área respondeu por 26% do volume da holding no segundo trimestre, seguida pela Ambev, com 25%.
Corona, por exemplo, foi eleita pela primeira vez como “marca mais amada” globalmente e ganhou destaque no último mês como primeira cerveja a patrocinar uma edição de Jogos Olímpicos. No Brasil, a marca é a que mais cresce neste ano no portfólio da Ambev, tendo ganhado, recentemente, versões em lata e de garrafas de 600 ml.
Antes disso, Lisboa também foi CMO da Ambev – e, na cadeira, foi um dos responsáveis pelo momento de ascensão da Skol e atuante na criação da Skol Beats, uma das inovações recentes mais longevas da companhia.
Hoje sessentona, a Skol tem ocupado espaço menor na estratégia do grupo, que tem concentrado seus esforços e investimentos em quatro “marcas foco”: Corona, Spaten, Budweiser e Brahma.
Em volume neste ano, esses rótulos cresceram mais de 10% combinados, um percentual 120% do que o crescimento médio da empresa. Uma força que a companhia aposta para tentar lidar com o trabalho forte de marca do concorrente Grupo Heineken, que concentra atenção em Heineken e Amstel.
E é essa “saúde” das marcas que deve sustentar o market share de mais de 60%.
“Carlos Lisboa chega à Ambev em um momento de discussão sobre alocação de capital, valor de marca e estratégia de crescimento”, escrevem os analistas do Citi.
A troca de cadeiras chegou de maneira inesperada, mas não surpreendente, como observou o time do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME). Tanto a cervejaria brasileira quanto a AB InBev, sua holding, têm uma longa cultura de promoção e rotação de executivos.
“É uma continuidade”, acredita uma pessoa com conhecimento da operação da ABI e da Ambev. “Cada CEO acaba tendo um DNA e marca uma fase da operação.”
De 2015 até 2019, a Ambev foi comandada por Bernardo Paiva, cujo foco foi muito na capacidade de produção e na cultura cervejeira, justamente quando o mercado brasileiro começava a conhecer os rótulos puro malte – foi nesse intervalo, em 2017, que o Grupo Heineken comprou a Brasil Kirin e se tornou a segunda maior cervejaria do país.
Vindo de uma temporada na ABI Ásia, Jereissati chegou à Ambev em 2019 trazendo na bagagem a experiência de intensa digitalização dos mercados asiáticos, em especial da China.
Foi a partir daí que a Ambev ficou “mais tech”, numa visão de que mais do que uma fabricante de cerveja, a companhia tinha que ser “uma plataforma”, como repetiu por algumas vezes o executivo, numa espécie de mistura entre venda de bebidas e serviços.
De antes da pandemia de covid, em 2020, para agora, a base de mais de 1 milhão de clientes, bares, restaurantes e varejistas, se digitalizou: eram 15% que faziam pedidos digitalmente e passou dos 80%.
Foi nesse contexto que a plataforma BEES, de venda para os clientes comerciais, ganhou robustez e passou a ser não só o sistema de vendas das bebidas da companhia, mas um marketplace de parceiros, como BRF, M. Dias Branco e Pernord Ricard. Também conectou os empresários a distribuidores de energia renovável e ofereceu serviços de banco digital.
De ainda mais destaque foi a consolidação do aplicativo Zé Delivery, que conectou a Ambev diretamente aos consumidores, com a venda delivery das bebidas e de alimentos de parceiros. Hoje, o Zé tem mais de 5,5 milhões de usuários ativos no país e atendendo a mais de 700 cidades.
“Sob sua liderança, a Ambev intensificou iniciativas que agregam valor, como o Zé Delivery e o BEES, além de lançar marcas de sucesso como Spaten e Brahma Duplo Malte, e colocar a Corona em destaque”, destacaram os analistas do Citi em relatório.
Foi também com Jereissati que o grupo chegou ao recorde de volume de cerveja no Brasil, em 2023, depois de um período de ressaca de todo o setor entre 2017 e 2019.
De acordo com os analistas do Citi, a troca de lugares entre Lisboa e Jereissati pode ser uma pista de mais mudanças na ABI e na Ambev.
“A troca de papéis entre Jereissati e Lisboa trará insights positivos para ambas as regiões, pois os aprendizados e experiências do mercado mexicano podem gerar impactos positivos no Brasil”, diz o relatório.
O México tem um volume 50% menor do que o do Brasil, mas a perspectiva de crescimento composto anualizado entre 2023 e 2028 é de 2,8% contra 1,7% brasileira, segundo a Euromonitor.
Em roadshow recente do banco americano, um dos tópicos discutidos sobre Ambev tratava a estratégia de alocação de capital para incorporar oportunidades de crescimento. Entre elas estaria a potencial incorporação da Colômbia e do México, além de potenciais desinvestimentos.
Os últimos resultados têm mostrado mercados como o Canadá e CAC (países do Caribe, como República Dominicana, Guatemala e Cuba) com vendas desfiadas, enquanto o desempenho em LAS, que reúne os países mais próximos do Brasil (Paraguai, Bolívia, Uruguai, Chile e Argentina), tem sido fortemente afetado pelo câmbio e a hiperinflação argentina.
“No Brasil, o ambiente competitivo é pior do que se tinha no passado. E as outras unidades não animam”, diz um gestor que acompanha de perto o papel.
Enquanto isso, apesar de ser a líder isolada no país, ter ROIC elevado e margem boa para a operação brasileira, o valuation e o tempo de ação jogam contra, de acordo com ele.
"Vítima do próprio sucesso”, a percepção do mercado é de qualquer crescimento de volume hoje é muito pouco para mexer o ponteiro na gigante, mas força de marca não fará mal na briga na mesa do bar.