Raízen: missão é de transformar dados do Shell Box em valor para a companhia (Tulio Vidal/Divulgação)
Karina Souza
Publicado em 17 de outubro de 2022 às 19h51.
“A gente agora virou a chave, ligou o carro e começou a andar”, diz Carlos Moura, CFO da Raízen, a respeito da aquisição da startup de meios de pagamento Payly. A compra — a única prevista — para criar a unidade de meios de pagamento da empresa foi anunciada mais cedo nesta segunda-feira, em uma transação de R$ 78 milhões. O dinheiro foi pago à Cosan, antiga dona da empresa, livre de qualquer endividamento. Daqui para frente, segundo o CFO, a empresa fará um esforço orgânico para crescer e já sabe até quanto vai investir para criar a divisão completa, mas mantém esse dado sob sigilo.
Por enquanto, o que se sabe é que a área de meios de pagamento, completa, pode gerar um resultado significativo à companhia: agregar de R$ 300 a R$ 500 milhões ao Ebitda da Raízen ao longo dos próximos cinco anos. Para 2022, a estimativa é que contribua com 5% do indicador, estimado entre R$ 13 bilhões e R$ 14 bilhões. Mas afinal, como isso deve acontecer?
Tudo passa pelo Shell Box. O aplicativo de pagamentos da rede de postos faz, hoje, uma intermediação entre as adquirentes e os distribuidores, funcionando como uma instituição de pagamento. No passo a passo: quando um cliente usa o app e faz um pagamento no cartão de crédito, a Payly consegue mostrar para o posto em questão quando aquele pagamento foi feito e a previsão de tempo para recebê-lo (em torno de 27 dias). Caso o revendedor queira fazer a antecipação desse valor, a Payly faz o meio de campo entre ele e a adquirente, funcionando apenas como uma carteira digital. Sem pegar nenhuma fração do dinheiro que circula no próprio ecossistema — algo que está em torno de R$ 200 bilhões, segundo a empresa.
“Hoje, a Payly é um back-office do Shell Box, mas a gente pode muito mais”, diz Moura, ao EXAME IN. Em números, cerca de 4 mil postos da rede têm pagamentos habilitados em Shell Box, um total que representa, em receita, 85% do volume de venda de combustíveis comercializado pela Raízen.
De olho em gerar mais conveniência para os usuários e revendedores, a empresa quer expandir a atuação do app de pagamentos para além de sua função habitual. O caminho é o de tornar o Shell Box um hub de serviços, em que será possível, por exemplo, fazer um orçamento de seguro de carro por meio dele. Além de oferecer uma gama maior de produtos, como lubrificantes, em uma data próxima de manutenção do carro dos consumidores.
A chave para conseguir colocar não só essa, mas todas as ofertas de pé, está na quantidade de dados que a Raízen tem a respeito dos consumidores. Hoje, o app funciona a partir de nome completo, CPF, modelo e placa do carro inseridos pelos clientes. E tem mais de 10 milhões deles (ante 4 milhões no mesmo período do ano passado), o que ajuda a comprovar que se trata de uma solução de alto crescimento. Tratar essa base de dados significa abrir um mundo de possibilidades — que devem funcionar como um ‘incentivo’ para que os revendedores prefiram a marca Shell, no fim das contas.
Há ainda um outro ponto que colabora positivamente para o avanço do Shell Box: a diferença de como ele é estruturado em relação à concorrência. Quem abastece carro já pode ter percebido que há redes em que, para conseguir algum desconto, é necessário inserir o aplicativo do próprio posto de gasolina, seguido pelo aplicativo da rede em si. Para prevenir que isso aconteça no Shell Box, Moura afirma que a Raízen arca com a parcela de desconto concedida ao cliente final. “Dessa forma, não interessa ao revendedor dar um duplo desconto, uma vez que ele já vai receber o valor integral”, diz.
Muito bem, entendido esse primeiro ‘agente’ na cadeia de crédito que a companhia pretende estruturar, dá para dar um passo além. Se hoje a Shell se relaciona somente com os postos de gasolina, agora, quer ir até o consumidor final. Importante frisar que a empresa não vai se envolver diretamente no risco de crédito, mas se define como uma ‘angariadora de oportunidades’ nesse sentido. O que isso quer dizer, no fim do dia? Parcerias com instituições financeiras.
A Raízen planeja usar o ‘benefício’ da franquia de crédito da empresa — que tem uma reputação de grau de investimento — para mobilizar bancos e trazer taxas melhores de antecipação de recebíveis. Primeiro, para os revendedores. “A Payly era só a carteira digital onde o posto recebia a informação de quanto ia receber e podia solicitar a antecipação. No fim das contas, esse serviço era feito por uma adquirente ou pelo banco em que o posto tem conta, por exemplo. Eu era só o provedor de informação. Agora, o meu foco é fazer com que o revendedor entenda que eu posso agegar nessa relação e que vamos privilegiar o que for melhor para ele. Mas isso ainda é só o começo”, diz Moura.
Em relação aos próximos passos que a empresa pode dar, um deles está relacionado ao grupo de empresas que já está no ecossistema da Shell. Ou seja, incluir no Shell Box tanto as empresas que já fazem parte da galeria dos postos quanto fornecedores e parceiros produtores de cana, além da rede Oxxo.
Isso sem falar no consumidor final. “Uma possibilidade, por exemplo, está na Payly analisar os dados de consumidores e oferecer a chance de pagarem pelo tanque cheio em 90 dias, a partir de uma taxa pré-definida”, diz Moura. Considerando um horizonte de médio prazo, soluções para consumidores comerciais e para o final, com financiamento de painel solar e do parcelamento de conta de energia para abastecimento da própria casa e do carro, também podem ser incluídos.
"O mundo entrou em um cenário de desintermediação financeira. É um fenômeno global. Isso sem dúvida potencializou a nossa ambição e o nosso interesse em construir essa unidade. Ela será totalmente baseada em dados, para cumprir a nossa missão de transformá-los em valor", diz Moura.