Exame IN

Ometto aproveita crise para comprar R$ 422 milhões em ações da Cosan

Empresário tem prática histórica de adquirir mais papéis do próprio negócio e concentrar participação

Produção de açúcar e álcool: berço do grupo Cosan, que hoje também opera combustíveis, gás, lubrificantes e ferrovias (Divulgação/Divulgação)

Produção de açúcar e álcool: berço do grupo Cosan, que hoje também opera combustíveis, gás, lubrificantes e ferrovias (Divulgação/Divulgação)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 15 de maio de 2020 às 19h07.

Última atualização em 15 de maio de 2020 às 20h22.

A queda no preço das ações da Cosan atraiu seu maior investidor: o próprio controlador Rubens Ometto. Nos meses de março e abril, Ometto, por meio da holding Cosan Limited, listada em Nova York e conhecida pela sigla CZZ, adquiriu nada menos do que 422 milhões de reais em papéis da empresa, que ainda em fevereiro havia alcançado sua máxima história.

Após o Carnaval, a Cosan estava avaliada em cerca de 29 bilhões de reais na B3, valor que caiu para 21,2 bilhões ao fim de março e que agora está em 23,3 bilhões de reais. A companhia, que teve receita líquida de 73 bilhões de reais no ano passado, reúne sob seu guarda-chuva as usinas sucroalcooleiras da Raízen, junto com as operações na bandeira Shell no varejo de combustíveis, mais os negócios de gás, com a Comgás, e a área de lubrificantes, com a Moove. O grupo também é dono da maior operadora logística de base ferroviária, com a Rumo Logística.

Em março, as compras ocorreram diretamente na bolsa. Já em abril, foram feitos contratos de investimento por meio de derivativos chamados total return swap — um crédito bancário atrelado aos papéis.

As aquisições dos dois últimos meses equivalem a uma respeitável fatia de 1,8% do capital total da empresa e não possuem nenhuma relação — além da filosofia de investimento — com os programas oficiais de recompras de ações. Nesse último caso, a empresa adquire os papéis com recursos da própria tesouraria e, em seguida, eles são cancelados. Em março, a empresa lançou um programa da ordem de 600 milhões de reais.

As compras em questão foram feitas pela holding Cosan Limited. Paula Kovarsky, diretora de relações com investidores da Cosan, destacou em entrevista ao EXAME In que as transações estão alinhadas com a conduta do controlador e da própria empresa. “Há quatro anos, temos deixado muito clara a mensagem de que a melhor alocação de capital, no nosso entendimento, é a compra de nossas próprias ações. Claro que sempre, e ainda mais num momento como o atual, com muita disciplina financeira”, enfatizou a executiva.

Ela ressaltou que a companhia tem como referência a manutenção de uma relação entre a dívida líquida e o Ebitda entre 2 vezes e 2,5 vezes. “Pensando sempre em ficar o mais próximo possível de 2,0 vezes.”

Embora sejam movimentos separados, quando combinadas, a recompra de ações da Cosan e a aquisição de papéis pela Cosan Limited podem levar a participação da controladora no negócio a subir de 64% para 68% — um avanço bem superior, portanto, ao 1,8% do capital adquirido.

A Cosan, após as recompras, tem como prática cancelar os papéis, o que naturalmente amplia a participação dos investidores no negócio — os cancelamentos funcionam na oposta direção das emissões, que diluem os investidores. No ano passado, a Cosan Limited investiu um total de 962 milhões de reais na compra de ações da Cosan da B3. Em dois meses, portanto, já fez 44% do volume de todo exercício de 2019.

Bilhões e bilhões

Comprar ações do próprio negócio e concentrar participações é uma prática tão transparente no grupo Cosan que a companhia dedica tempo e espaço de seu Investor Day para falar do assunto. Na apresentação de 9 de março deste ano, a empresa destacou um slide detalhado com o saldo desses movimentos nos últimos quatro anos. A cifra acumulada alcança 7,5 bilhões de reais.

Essa conta inclui as recompras feitas aqui no Brasil e as realizadas na bolsa de Nova York (Nyse), com os papéis da Cosan Limited. Elas demonstram uma concentração consistente do controlador nos diversos níveis da cadeia societária — passam desde a compra da fatia de sócios em controladas (como foi o caso da aquisição da fatia da Shell na Comgás) até as ofertas públicas na Nyse.

O documento aponta ainda que a “carteira CZZ” — que inclui as participações na Cosan, na Rumo e mais as fatias adquiridas ao longo dos anos — teve valorização acumulada de 481% desde 2010, até o fim do ano passado, ante um desempenho do Índice Bovespa de 65% no mesmo período.

A torcida pelo colapso

Embora consistentes no contexto histórico, as movimentações de Ometto e suas holdings sempre trazem indagações aos investidores do grupo e não foi diferente com as compras dos últimos meses. O empresário, um dos maiores do Brasil, não esconde de quem o pergunte que tem intenção de simplificar a estrutura societária do grupo, o que passa por eliminar a estrutura de duas holdings — a própria Cosan, da B3, e a CZZ, na Nyse. Por isso, qualquer movimentação sua mais relevante gera frisson.

A conta que o mercado faz é que, com todas as recompras de 2019, mais esses movimentos recentes, Ometto conseguiria elevar sua fatia indireta na companhia brasileira de 31% para 35%, considerando o cancelamento dos papéis mantidos em tesouraria tanto nos Estados Unidos como no Brasil. Na visão de alguns investidores, trata-se de um percentual que já poderia garantir conforto para o colapso das holdings, ou seja, a tão aguardada simplificação do modelo. O empresário conseguiria ser assim um minoritário com fatia suficientemente confortável para se manter como “controlador na prática” — em proporção semelhante a usada pelo grupo Ultra quando migrou para o Novo Mercado.

Essa é uma conta que continuará sendo perseguida pelos investidores até que a simplificação das estruturas de fato ocorra. Sobre o tema, Kovarsky preferiu não tecer qualquer comentário.

A CZZ é fruto de um movimento realizado por Ometto em 2007. O empresário criou e listou na Nyse a holding Cosan Limited, com estrutura de supervoto, a exemplo de modelo que passou ser amplamente adotado pelas empresas de tecnologia. Essa arquitetura permite uma hiperalavancagem do controlador sem perder a maioria política, pois somente sua classe de ação dá direito de voto 10 vezes maior que a classe de ação negociada pelo mercado. Na época, as maiores expoentes dessa alavancagem do controle eram a tradicional Ford e o Google. A CZZ levantou 1 bilhão de dólares com a transação 13 anos atrás, mas esperava conseguir o dobro disso.

Por causa desse movimento, a ação da empresa no Brasil, listada no Novo Mercado sob os rígidos princípios de "uma ação, um voto" apanhou um bocado. Criou-se, então, uma mácula na governança do grupo e até mesmo do Novo Mercado, cuja eficácia ficou em xeque.

Ometto adotou essa estrutura pensando que as petroleiras um dia bateriam na sua porta em busca de seu modelo de etanol, à procura de fonte de energia limpa. O desejo maior do empresário se concretizou quando a Shell surgiu para negociar a criação da Raízen, poucos anos depois. Mas a CZZ em nada foi útil para tal. Exceto pela captação original, a holding americana não foi usada.

Desde então, o grupo carrega o peso desse modelo. A grande questão que o mercado acompanha é quanto Ometto possui efetivamente do capital da Cosan brasileira. A tentativa será sempre advinhar o momento ideal de uma transação, isso porque há um desconto histórico entre as duas companhias e os investidores tentarão aproveitar essa oportunidade de arbitragem quando tiverem certeza de uma transação. Algo que, por enquanto, só Ometto sabe — ou talvez, nem ele, por enquanto.

Acompanhe tudo sobre:B3CosanRaízenRubens OmettoShellUltrapar

Mais de Exame IN

Renner vem bem no terceiro trimestre – mas não tão bem quanto se esperava

Vinci compra controle do Outback no Brasil em operação de R$ 2 bi

Magazine Luiza lucra R$ 70 milhões no 3º tri e bate (de longe) consenso

Para lidar com juros altos, Assaí reduz alavancagem e fica menos promocional no 3º tri