Zamp: ainda que o Mubadala não seja o controlador formal, ele agora é de longe o maior acionista com 40% das ações Foto: Leandro Fonseca/Exame (Leandro Fonseca/Exame)
Editora do EXAME IN
Publicado em 15 de janeiro de 2024 às 14h47.
Última atualização em 16 de janeiro de 2024 às 10h52.
Uma novela que se arrasta há mais de um ano e meio, a entrada do Mubadala na Zamp, operadora do Burger King e do Popeye’s, trouxe uma série de especulações sobre as intenções da gestora de private equity que tem como principal investidor o fundo soberano de Abu Dhabi.
Uma agenda mais ambiciosa de crescimento, tanto via expansão das marcas atuais quanto potenciais M&As para agregar novas marcas ao portfólio, de fato, faz parte de estratégia.
Mas o plano é que essas mudanças aconteçam de forma gradual – mantendo inclusive o atual time de gestão da companhia, liderado pelo CEO Ariel Grunkraut, que está no cargo há pouco mais de um ano e meio, mas que acumula mais de 10 anos de casa nas áreas de marketing, vendas e tecnologia.
“O time de gestão é um dos elementos que atraíram o interesse do Mubadala, desde a oferta pelo controle da companhia em 2022”, afirmou uma fonte próxima ao fundo.
Uma antecipação do vesting das ações previstas no plano de opções dos executivos, aprovada logo em seguida à assembleia que tirou a Zamp do Novo Mercado e marcou a entrada formal do Mubadala na empresa, levou o mercado a acreditar que poderia haver uma limpa no comando.
Mas a leitura é infundada, garante a fonte. O contrato de opções que baliza a remuneração dos executivos já tinha uma previsão que, em caso de formação de controle, o vesting poderia ser adiantado. O que aconteceu foi uma permissão extraordinária para fazer essa antecipação.
Ainda que o Mubadala não seja o controlador formal, ele agora é de longe o maior acionista com 40% das ações, e deve ter ascendência sobre as decisões estratégicas, após dois membros indicados por ele terem sido eleitos para o conselho que tem no total sete cadeiras. Hoje, o conselho está sem um presidente, mas a expectativa é que um dos indicados do Mubadala assuma essa posição na primeira assembleia geral do ano, ainda sem data marcada.
“A antecipação do vesting foi aprovada pelo conselho anterior à entrada dos membros do Mubadala”, aponta outro interlocutor. “Não teve sequer o dedo deles.”
O modus operandi do Mubadala foi uma das razões que trouxeram uma onda de especulação a respeito do futuro da companhia. Após a oferta frustrada de compra de controle ter sido rejeitada em setembro de 2022, no ano passado a gestora partiu para uma estratégia agressiva de compra de ações em bolsa, saindo de cerca de 5% do capital para os quase de 40% antes de pleitear as vagas no conselho, obtidas agora no começo de janeiro.
Enfrentando a resistência de minoritários – especialmente da Fit e da Mar Asset, que chegou a tentar emplacar uma poison pill de 33% –, o Mubadala veio com uma proposta polêmica de retirada da Zamp do Novo Mercado.
Minoritários tentaram barrar a operação, vista como uma forma de baixar o preço das ações para que o Mubadala conseguisse avançar no capital da empresa com desconto – ou então fechar um movimento de M&A evitando sua própria diluição.
Como sinalizado pela gestora na proposta da assembleia para deliberar sobre o tema, a fonte próxima ao Mubadala afirma que a intenção é deixar a estrutura societária flexível para aumentos de capital e movimentos de fusões e aquisições, o que inclui a possibilidade de emissão de ações preferenciais (vetadas para empresas do Novo Mercado) ou incorporação por uma companhia que não seja listada no segmento diferenciado de governança corporativa.
A gestora manteve em estatuto disposições de governança garantidas pelo segmento de listagem, como o tag along de 100% para os acionistas minoritários (tanto das ONs quanto das PNs); a exigência de ter pelo menos dois conselheiros independentes no board; e a competência do conselho de elaborar e divulgar um parecer sobre qualquer oferta pública de aquisição. Mas minoritários argumentam que o estatuto é diferente do regulamento de listagem e pode ser alterado com certa facilidade.
A ideia central do Mubadala é que a Zamp tem vocação para ser o que se propõe desde o início: uma plataforma de marcas de alimentação. “Eles acreditam que tem potencial para impulsionar essa estratégia na condição de acionista de referência, coisa que o BK não tem desde a saída da Vinci Partners.”
Hoje, a Zamp é operadora do Burger King e do Popeye’s, focada no mercado de frango. Não há, no entanto, um movimento de M&A engatilhado, diz o interlocutor, que falou em condição de anonimato.
“Há muitas oportunidades de consolidação no setor de QSR [quick service restaurante, de fast food] e quando se trata de M&A é preciso estar pronto para poder aproveitar as oportunidades rapidamente quando elas surgem”, diz. Uma das possibilidades aventadas pelo mercado é a compra das operações de Subway ou Starbucks no Brasil, detidas pela South Rock e entrou em recuperação judicial.
O Mubadala chegou a avaliar as marcas, mas não há nada iminente, diz a fonte. “A estratégia de entrada no Burger King veio muito antes da crise da SouthRock. O plano é, agora que eles estão no conselho, entender junto com a gestão da companhia quais as possibilidades que fazem mais sentido.”
Se a estratégia de M&A ainda é uma caixa preta, o que está certo é que os árabes veem um potencial para crescimento mais agressivo da marca Burger King e principalmente do Popeye’s.
“Com a estrutura de capital que tem hoje e com dinheiro caro, não dá para bancar uma estratégia muito mais agressiva. Mas a Zamp chegou a abrir de 90 a 100 lojas por ano e para 2024 prevê algo como 40. Tem espaço para crescer muito mais com mais acesso a capital”, aponta a fonte.
Com uma dívida líquida de R$ 759 milhões ao fim do terceiro trimestre, a Zamp estava com uma alavancagem equivalente a 2,3 vezes seu EBITDA e a expectativa é de chegar a um patamar mais próximo de 1,5 vez ao fim do ano, segundo uma fonte próxima à companhia.
“Liquidez definitivamente não é um problema, porque a Zamp é uma empresa que tem R$ 600 milhões em caixa e gera entre R$ 300 milhões e R$ 400 milhões de EBITDA. Mas com a disparada dos juros, a opção foi ser mais conservador na estrutura de capital”, diz esta fonte, que garante que o Burger King nunca abandonou os planos de expansão.
Segundo essa fonte, a narrativa de trade off entre eficiência e crescimento que ganhou terreno no mercado é “simplista”.
No acumulado dos últimos doze meses encerrados em setembro (último dado disponível), a Zamp abriu 45 lojas e a expectativa é de ficar com algo mais próximo das 60 lojas no consolidado de 2023.
Com o varejo como um todo sofrendo no Brasil, as redes de fast food concorrentes vem colocando o pé no freio, com abertura mais seletiva de lojas – o que, na visão do minoritários que vem acompanhando a companhia justifica a postura mais conservadora da Zamp. O McDonald’s, por exemplo, abriu 20 lojas no último ano.
“Mas eles já têm uma presença mais consolidada no Brasil e não tem uma marca mais jovem e que tem muito a ganhar em footprint, como é o tanto de Burger King, mas principalmente de Popeye’s”, diz o interlocutor que conhece os planos do Mubadala.
A estratégia, no entanto, não deve ser de crescimento desenfreado. “Eles não estão no business de perder dinheiro, vão entrar, entender melhor a visão da empresa e ver onde estão as principais oportunidades para crescer”.
Um ponto já alinhado ao que vem pregando a gestão de Ariel Grunkaut: em BK, a expansão deve se concentrar em lojas de rua, já que, no pós-pandemia, cresceu o apetite do consumidor por alimentação fora de casa e não apenas nos shoppings, onde a rede também já tem mais presença. Para Popeye’s, marca num estágio ainda mais inicial, ainda há espaço para crescer dentro dos shoppings, diz a fonte.
Entre a oferta frustrada feita em meados de 2022 e a nova investida do Mubalada, uma diferença importante foi a postura da Restaurant Brands International (RBI), dona das marcas Burger King e Popeye’s e que tem cerca pouco menos de 9% do capital da Zamp.
Há um ano e meio, além da resistência dos minoritários, a postura mais dura do RBI, que disse não ser possível garantir que manteria o contrato de franqueadora da Zamp se houvesse mudança de controle, foi crucial para que o Mubadala tirasse o time de campo.
Agora, não há um aval formal, mas houve um alinhamento prévio entre Mubadala e RBI. “Da outra vez, a tender offer não deu o tempo necessário para que o RBI conhecesse os planos do Mubadala, mas desde então houve conversas para que eles se conhecessem melhor e o RBI está a par dos planos”, afirma a fonte próxima à gestora árabe. O fundo já foi acionista de RBI, herdando em 2013 uma participação que pertencia a Eike Batista – vendida em 2019 com lucro.
Na época da oferta pelo controle, uma das razões apontadas pela dona das marcas BK e Popeye’s para ser contra o avanço do Mubadala foi o fato de o fundo ter participação em empresas fora do Brasil que podiam configurar a quebra da cláusula de não-concorrência prevista para nos contratos com a Zamp.
A gestora tem participações na Reef Technology, uma empresa americana que opera dark kitchens para marcas como a Wendy’s, de hamburgueres, além da K-MAC, que opera franquias da Taco Bell e da KFC nos Estados Unidos. As participações estão mantidas, mas a K-MAC não tem mais lojas da KFC, que bate mais de frente com o Popeye’s apurou o INSIGHT.
Uma questão que permanece em aberto é até onde o Mubadala vai no capital da Zamp. Com representantes no conselho, a gestora agora tem mais restrições para fazer compras em bolsa – que devem diminuir de ritmo, pelo menos no futuro mais próximo.
“Tudo vai depender de três fatores: o que eles vão encontrar quando sentarem no conselho, as conversas do RBI e o preço da ação”, pondera a fonte próxima à gestora.
O Mubadala ofereceu R$ 8,31 por ação da Zamp em julho de 2022. O preço da ação despencou desde então e caiu para algo mais próximo dos R$ 6,20 até a proposta de saída do Novo Mercado. Neste começo de ano, com a saída de segmento de listagem e as dúvidas sobre o futuro da companhia, o papel chegou a cair 20% num só pregão, mas recuperou o fôlego e negocia em alta de 4,6%, a R$ 5,88. A empresa vale hoje R$ 1,6 bilhão na B3.