Robótica: a estória de um telescópio e de como a paixão de dois garotos pelo tema pode se multiplicar (m-gucci/Thinkstock)
Graziella Valenti
Publicado em 4 de setembro de 2022 às 19h49.
Última atualização em 4 de setembro de 2022 às 20h27.
“Vô, vamos fazer um telescópio?”, foi o convite do jovem carioca de 17 anos, Rodrigo Andrade, durante uma das fases da pandemia. Engenheiro elétrico, o avô, Dilio Penedo, disse: “Não sei como, mas vamos.” Não se tratava de um lego ou algo pré-fabricado que se compra em lojas de brinquedos educativos, mesmo dos mais elaborados. Aqui era fazer um telescópio newtoniano realmente do zero. A única coisa pronta utilizada foi o espelho esférico. Mas toda a estrutura de montagem e todos os cálculos necessários sobre a posição de espelhos e lentes foram feitos por Rodrigo. E deu certo. O telescópio enfim ganhou vida.
Montar o equipamento foi um hobbie, um interesse despertado enquanto estudava ótica. Mas é robótica a grande paixão de Rodrigo desde que se entende por gente. Ou até antes. “Tenho fotos minhas muito pequeno brincando com eletrodomésticos”, se diverte. Aluno de ótimos colégios, como Santo Inácio e Escola Britânica, no Rio de Janeiro, com passagem pela Avenues, durante o breve período em que viveu em São Paulo, sabe dos desafios que enfrentou para evoluir nessa área de conhecimento, pelo fato de não ser nada trivial.
Ciente de seu privilégio, Andrade decidiu, junto com o amigo Artur Primo, que é fissurado por ciência da computação, liderar um projeto de ensino de robótica para alunos de escolas públicas. E, há oito meses, eles conduzem duas turmas, com crianças entre 10 e 13 anos, para despertá-las para esse mundo — num total de cerca de 30 aprendizes. “Muita gente, no começo, defendia que deveríamos fazer o curso online. Mas insistimos muito no ensino presencial e agora, com o tempo, vimos que estávamos certos nessa escolha”, relembra Artur. “Muitos alunos não teriam a oportunidade de fazer a aula se fosse online.”
Deu trabalho encontrar um lugar em que pudessem realizar os encontros, mas valeu a pena. A dupla usa um laboratório de computação cedido pela Estácio, e as turmas vieram de dois colégios: Pedro Ernesto, na região da Lagoa de Humaitá, e da Escola Municipal Minas Gerais.
A iniciativa nasceu de uma exigência da Escola Britânica, de que todos os alunos tenham alguma experiência com projetos sociais ou de voluntariado. O próprio colégio, inclusive, já fornece uma lista de programas parceiros. Mas nenhum dos dois se identificou com eles e também não queriam apenas “cumprir horário”. Ambos queriam fazer algo real.
Há muito tempo que a tabela de horas da dupla está preenchida. Mas tudo que eles querem é que o Projeto, que leva o nome de Mais Mais (Projeto++), cresça e se torne autossustentável, pois em 2023 ambos pretendem fazer faculdade nos Estados Unidos. Lançado em novembro do ano passado, o programa já tem quase um ano, mas como os apaixonados por cálculo reforçam que não houve aula nas férias, na prática, o tempo efetivo de aulas concedidas foi menor.
Além de trabalharem na continuidade e expansão do Mais Mais, ambos também começam, agora sim, a produzir conteúdo online, para que possa ser usado por um número maior de colégios e até de outras cidades — algo que, por enquanto, é difícil pensar em executar (sair da cidade do Rio de Janeiro).
O ensino médio será concluído neste ano, mas as aulas nas faculdades americanas têm calendário diferente e começam em setembro apenas. Assim, Rodrigo e Artur já preveem dedicar toda primeira metade de 2024 e mais um pouco a essa finalidade. Questionados sobre qual tamanho planejam para o programa, eles respondem que o limite não está na quantidade de alunos, mas na de voluntários que aceitem ser professores das turmas. “A gente se propõe a preparar essas pessoas com o que aprendemos até aqui”, reforça Rodrigo.
Enquanto ele sempre foi apaixonado por robótica — desde os cinco anos pediu aos pais para aprender, levando-os em busca de um professor particular —, Primo se encontrou aos 15 anos na Ciência da Computação e Programação. Mas ele conta que durante a pandemia sentiu um impulso, uma necessidade, de ver a real aplicação daquilo que “escrevia” no computador no mundo físico. O encontro da dupla foi para lá de complementar. E rendeu muitos frutos.
Inclusive um projeto que consegue aumentar em 30% a produção de energia por placas solares. Como? Elas se movem sempre em direção ao sol. Rodrigo montou um protótipo incentivado pelo pai, Claudio Andrade, sócio-fundador da gestora de recursos Polo Capital, como extensão de trabalho de escola.
Rodrigo mediu a cada 15 minutos a geração de energia de um protótipo miniatura montado em casa. A ideia do pai, no fim, era que ele pudesse até mesmo aplicar a solução inclusive na residência — etapa que emperrou no desafio de medir a estrutura necessária para a placa real e o que a casa suportaria. Artur usou a ideia para um trabalho de matemática, no qual calculou o ângulo ótimo e dinâmica "cinemática" (dos movimentos, em livre tradução para os leigos) das placas. Ah, tem isso. Conversar com essa dupla é cheia de termos.
Mas a experiência como professores os tornou muito didáticos: “robótica é a união do mundo abstrato da programação com o mundo físico”, explica Rodrigo. Desse ponto de vista, é quase tudo. Ou, como diz Primo, “a aplicação é quase infinita”. Um computador, ou notebook, é programação, mas seu uso, sua interface, com teclado, mouse, tela, é do mundo físico.
Para despertar o engajamento dos alunos logo no começo da turma, eles montaram um circuito elétrico para ligar uma luz LED. Mas os trabalhos em sala já renderam muitas coisas, como uma mini estação de tempo que mostra temperatura, pressão atmosférica e umidade do ar, e um relógio digital que não perde a hora quando desligado (e não é com pilhas). Com eles, ninguém perderia a hora de despertar, nos dias em que faltasse luz durante a madrugada!
O Projeto++ consolidou em ambos algo que aprenderam no berço, muito mais do que no incentivo escolar: a consciência sobre a desigualdade social. Como robótica exige materiais, tiveram de trabalhar também para arrecadar recursos para conseguir tornar o ensino acessível. Ao todo, levantaram cerca de R$ 7,4 mil para compra do que era necessário. A arrecadação veio de uma vaquinha virtual e da venda de doces que eles próprios faziam, junto com os demais da turma que também se engajaram no programa, e vendiam na escola.
Rodrigo lembra que, na época das mesadas, o 'Andrade pai' sempre o incentivou a dividir os fundos em três: a fatia para gastar, a para poupar e outra para doar. “Mas, com as aulas, eu pude realmente sentir como é fazer a diferença.” O objetivo do projeto não é formar profissionais ou educar a turma em física, matemática ou nada disso: é o despertar para esse conhecimento.
“Uma coisa que encanta os alunos e ajuda muito a reter a atenção é que eles saem da sensação de espectadores do mundo, para a de criadores, quando percebem que também podem construir coisas”, contam, quase em jogral, empolgados com o resultado. Reter a atenção de crianças em algo tão complexo é algo desafiador até para professores profissionais que muitas vezes precisam explicar temas muitas vezes mais simples. Aliás, entender, sentir na pele, o drama real dos professores é outro saldo do projeto.
Com apenas 17 anos, ambos têm muita clareza do futuro. Como robótica não é uma formação universitária — nem aqui, nem nos Estados Unidos —, Rodrigo pretende cursar Engenharia Elétrica, como o avô, figura essencial a dar vazão nesse talento, tão essencial quanto os pais, e Arthur, Ciência da Computação ou Engenharia da Computação. Isso e garantir a perenidade do Projeto++. "Meus pais não entendem do assunto, mas ficam muito empolgados com o que faço e me instigam muito", comenta Rodrigo.
O orgulho do que ambos os garotos despertaram — sim, ainda são garotos, pelo menos em suas certidões — não é só dos pais. A própria Estácio, da Yduqs, uma companhia aberta avaliada em R$ 3,6 bilhões na B3, também faz questão de valorizar o esforço e compartilhar os objetivos. “Transformar vidas. É isso o que a Estácio e o Instituto Yduqs fazem. E seguindo essa premissa, nos tornamos parceiros do Projeto Mais Mais, idealizado por dois jovens brilhantes que se preocupam em fazer o melhor, e propõem de forma inovadora a capacitação de adolescentes, por meio da robótica. A Estácio e o Instituto Yduqs vêm compartilhando os seus espaços físicos com o projeto, no intuito de apoiar e potencializar cada vez mais essa iniciativa, e ficamos muito orgulhosos de ver como alunos da rede pública de ensino terão suas vidas impactadas por essa ação extremamente relevante, liderada por Rodrigo Andrade e Artur Primo”, afirma Cláudia Romano, presidente do instituto Yduqs, e vice-presidente de relações governamentais, comunicação e sustentabilidade da companhia, em nota enviada ao EXAME IN.
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