Marcelo Trindade: corpo a corpo da campanha, em 2018, em Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro (Ilan Vale/Divulgação)
Graziella Valenti
Publicado em 15 de setembro de 2020 às 10h58.
Última atualização em 15 de setembro de 2020 às 21h40.
“Insider trading, no Brasil, a gente trata é no porrete.” Essa foi uma das falas de Marcelo Trindade como presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Era sua primeira aparição em um evento público sobre mercado de capitais depois da ação inédita comandada por ele, em parceria com o Ministério Público Federal (MPF), de congelar as contas de suspeitos de terem negociado ações de posse de informação privilegiada, em 2007.
Qualquer um que tenha assistido à verve de Trindade para falar de direito societário — assunto até popular hoje em dia, mas muito menos 13 anos atrás — não se surpreende com sua vocação política. Só o tema é que mudou. Agora, ela está direcionada à política, como na fala sobre o Brasil de hoje: "Estamos zonzos, polarizados, completamente desnorteados, sem planejamento, sem execução, sem nada."
A surpresa da corrida eleitoral de 2018 veio justamente da disposição de trocar, ainda que temporariamente, o sucesso profissional, reputacional e financeiro pela gestão do problemático Rio de Janeiro. Não por acaso, no “corpo a corpo raiz”, como ele nomeia, foi muitas vezes chamado de “candidato rico”.
Essa percepção é algo que ele trata logo na abertura do livro “O caminho do centro — Memórias de uma aventura eleitoral”, que chega nesta terça-feira às livrarias e à Amazon, a história de sua campanha ao governo do Rio de Janeiro, pelo Partido Novo, nas eleições de 2018. Mais à frente ele explica que 75% dos 2 milhões de reais gastos foram tirados do próprio bolso. O custo, aliás, foi o mesmo que o do vitorioso do pleito, o também desconhecido Wilson Witzel (PSC).
O livro é o segundo do selo “História Real”, da Editora Intrínseca, e que conta com a curadoria de Roberto Feith, ex-Editora Objetiva. Foi ele, aliás, quem convenceu Trindade a escrever.
Em 2018, o escritório butique de direito empresarial Trindade Advogados tinha mais do que sucesso. Já estava — e ainda está — presente em grande parte das grandes transações corporativas do país ou disputas empresariais. O ex-presidente da CVM consegue ser um dos mais cobiçados tanto por famílias tradicionais do empresariado como por grandes investidores que tenham condições de buscar defesa para seus direitos e princípios.
Mas foi justamente a constatação de que o Brasil e o Rio de Janeiro tiveram trajetória oposta à sua própria que levou Trindade a sentir necessidade de fazer algo pelo país e à decisão de partir para a política. Em entrevista ao EXAME IN sobre o livro e sobre política, conta que não houve uma data, um dia, um fato que o colocou ali. Antes disso, sua maior incursão na política foi ter apoiado e aceitado participar de um possível governo de Aécio Neves (PSDB), nas eleições de 2014, ao lado de Armínio Fraga, ex-diretor do Banco Central. Contudo, o Joesley Day e os diálogos nada republicanos entre o ex-presidenciável e o empresário levaram Trindade a provocar as pessoas que antes queriam ajudar políticos tradicionais de centro a serem candidatas elas próprias. “Só dá para confiar na gente mesmo”, chegou a dizer a Fraga.
Mesmo diante da frustração assumida de ter perdido a eleição para o radical assumido Witzel, não perdeu nem a fé no centro e sua capacidade de fazer uma coalisão — o que ele vem defendendo como grande e necessária concertação — nem na política como o caminho de causar impacto. Já afastado do governo, Witzel foi novamente denunciado na segunda-feira, 15, pela Procuradoria Geral da República, por organização criminosa.
Logo após acabar a campanha, que conduziu apaixonado, mas que lhe rendeu apenas 1,14% dos votos, sabia que queria fazer um registro de tudo que tinha experimentado e aprendido. “Eu estava muito feliz e curiosamente otimista, perto do que eu deveria estar depois do resultado. Eu queria registrar aquele sentimento. Para mim, para eu não esquecer. Depois é que virou contar.”
De fato, no livro, Trindade não consegue esconder seu otimismo com a política, apesar dos políticos, dos eleitores e da mídia — sim, há críticas para todo mundo na história vista em retrospectiva, e autocrítica também. Em alguns momentos, talvez, o leitor possa ver certa ingenuidade ou romantismo — ou ainda se identificar. Ao longo do texto, ainda que trate de temas sérios como políticas públicas para segurança e educação, dá até para rir alto, como na passagem sobre o Encontro Nacional do Novo em São Paulo. Diante de um auditório lotado com mais de mil pessoas, foi falar da onda laranja (cor do partido) e disse verde — é muito bom com ele contando.
Ao comentar uma conversa com o jornalista Pedro Bial sobre o livro, confessa sua sensação: “Eu fui aquele participante do BBB6 que saiu no terceiro paredão. Ninguém sabe bem quem é”, diz, admitindo que teve muitas dúvidas se havia interesse em sua experiência, dado seu resultado.
“O caminho do Centro” é um relato absolutamente pessoal, mas nem por isso menos instrutivo sobre a cena política de 2018 e a polarização do país, vícios de um professor de Direito há 26 anos. Tudo ali é para lá de atual. “Primeiro, eu fui contando. Depois, veio o título. Fui percebendo que era a história de alguém que não quis se polarizar.”
Evitar extremos não significa menos convicções, só admitir soluções necessárias e não apenas ideológicas. “Um liberal na economia e nos costumes” é como se define. Mesmo assim, falando de boca cheia, acha que o Estado deve assistir aos mais necessitados. “O básico da subsistência é preciso suprir. Não tem outro jeito. É muito complicado o que a gente vê na rua”, diz, mostrando-se totalmente contrário à percepção de que a população vai escolher viver com menos só para não trabalhar ou viver na rua por opção. “O antagonismo evita que haja acordo sobre o básico, que faria muita diferença para o país. É uma perda de tempo essa discussão capitalismo x socialismo”, enfatiza na entrevista.
O entusiasmo inegável de Trindade com o Brasil e a política é necessário. Torna a leitura importante em tempos de tanta descrença e desânimo. No fim do livro, fica um pouco mais claro de onde vem a alegria com o assunto, para além da vocação, apesar do fracasso nas urnas. Talvez, do sucesso em seguir o conselho de Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo. “O importante não é ganhar, é participar. O importante é perder ganhando”, conta ao EXAME IN algumas das frases ouvidas, rindo em seguida: “Isso de um cara que ganhou tudo no primeiro turno, é mole?”
Apesar de denso, como foi sua campanha, o livro é descontraído e prazeroso. E só uma coisa é melhor do que ler Marcelo Trindade falando dessa experiência e das reflexões que provocou e ainda provoca: ouvir. Por isso, não há remédio a não ser dividir alguns trechos da conversa para quem quiser se esticar no tema político um pouco mais. Confira a seguir:
Você me parece um sujeito vocacionado para a política. Por que não continuar?
Eu não digo que não vou continuar. Eu só digo que é uma ladeira muito íngreme para uma pessoa desconhecida. Eu não tenho 30 anos, tenho 56. Uma pessoa desconhecida, ficar conhecida, fazer seu nome ao ponto de se tornar eleitoralmente relevante... Continuo preferindo apoiar e trabalhar com alguém novo que seja mais claramente viável do ponto de vista eleitoral. Não tenho ansiedade eleitoral. Eu fui da CVM e sei que é possível influenciar. Sempre digo que a lista de coisas que você não deixa fazer pode ser mais importante do que as coisas que você faz. Eu sou mais útil assim do que tentando me eleger.
Você sempre frisa que a advocacia te tomou de volta. O que te mobiliza hoje?
O assunto que me mobiliza na vida é: não é possível a gente continuar dando errado! É muito frustrante chegar a essa altura da vida e as mínimas coisas não acontecerem no Brasil. Nos dois governos do Fernando Henrique Cardoso [PSDB] e no primeiro do governo do Lula [PT], eu me convenci de que o Brasil era o país do futuro. Acho que todo mundo. Mas andamos completamente para trás, desde então. Estamos zonzos, polarizados, completamente desnorteados, sem planejamento, sem execução, sem nada. E eu acho que a maneira como você causa maior impacto ainda é com a política.
E por que?
Porque o governo tem uma capacidade de causar impacto muito grande. Trabalhar no governo é a maneira mais rápida de fazer algo que produza impacto. Você ser candidato é uma circunstância e não é o caminho que eu prefiro. Eu prefiro um caminho mais fácil. Um Bernardinho, um político que já tenha voto. Eu escrevi um artigo pró-concertação no jornal O Globo. A gente vai precisar.
Precisar de que, de uma união maior?
Quando você vê o Bolsonaro torcendo para o Lula ser candidato significa que, daqui a pouco, nós vamos bater palma para maluco dançar, se não houver uma concertação de centro. Se todo mundo não se juntar, todos que não são Bolsonaro nem Lula, a gente está perdido.
Você ajudaria em um governo de Luciano Huck?
Certamente, se eu fosse chamado. Do Huck e de qualquer um que propuser um governo de coalisão de centro. E acho que todo mundo que puder, deveria ajudar. Só que um governo de coalisão não pode ser um governo que não tenha princípios muito claros. Não é não fazer política: traz sim gente de todos os partidos, mas seleciona na entrada. Colocar gente técnica nas áreas mais importantes, de maior visibilidade, lotear o resto e deixar roubar não é coalisão. Coalisão é fazer um governo para valer, eficiente, com políticas públicas definidas. Negociado uma agenda mínima, com gente boa de todos os lugares, com uma base. Daqui dois anos, todo mundo volta a competir.
Você realmente acredita nisso, nessa possibilidade?
Eu acho isso viável. Se tiver um líder. Mas não dá para nomear o sujeito do jabá na coalisão. Não vale.
Volto a insistir: dá para articular isso na política, nessa que a gente vê todo dia no jornal?
Acho que dá, sim, por uma questão de sobrevivência. Para atrair gente boa, precisa de compromissos claros. Eu também não me arrisco com compromisso que não é sério. Mas se tivesse esse chamado, muita gente boa vinha ajudar. E, se a gente olhar, está sim tendo renovação. Já teve em diversos estados.
E como faz para os políticos aceitarem fazer esse chamado?
Só tem uma solução: derrota. Eles terem medo de perder. Mas eu estou muito surpreso porque, apesar do que aconteceu em 2018, com a eleição de tantos outsiders, eles não estão me parecendo com medo da derrota nessa eleição.
Você gostaria que algum filho teu fosse político?
Eu adoraria. Ficaria muito orgulhoso. Não precisa ser candidato necessariamente. Há muitas formas de participar da política. Só que tem uma questão, ir cedo para a política ajuda. Somos muito deficientes na formação do gestor público. É algo que a maior parte acaba aprendendo na prática. E para melhorar esse caminho seria fundamental ter o voto distrital, para aqueles que têm mesmo a vocação. A campanha ficaria mais barata e a gestão mais eficiente.
Por que mais barata?
Eu conto no livro – trato muito do dinheiro – quando entrei na campanha, o último, não tinha nem conta em rede social. Criei naquele dia, o que mostra o improviso. Aí descobri que tinha o tal do impulsionamento. O grande símbolo do capitalismo. Os preços desse serviço explodiram durante a campanha e vinha tudo de fundo partidário [cuja origem é o próprio orçamento da União e doações de pessoas físicas]. Então, você veja: a população do Brasil dando dinheiro para o Facebook. O pobre brasileiro dando dinheiro para o Facebook. Um completo absurdo. Se for distrital, não tem tanto Facebook, é o olho no olho. O jovem vai precisar resolver essa questão. Precisa mudar isso na reforma política. Do contrário, vamos acabar desestimulando os mais jovens. Vira um projeto tão impossível ou tão caro que mesmo que esteja num partido com grana, não chega até o novato, fica com o cacique.
"O caminho do centro - Memórias de uma aventura eleitoral"
Editora: Intrínseca
Onde: livrarias e Amazon
Valor: 49,90 físico e 24,90 ebook