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Nubank: IPO a US$ 50 bi é teste de valor para a economia digital

Entenda a matemática que pode levar a fintech a dobrar de valor em 2021, com IPO, e a grande dúvida dos investidores

Nubank estima ter gerado economia de R$ 18,6, bilhões em tarifas bancárias para os clientes (Sopa Images/Getty Images)

Nubank estima ter gerado economia de R$ 18,6, bilhões em tarifas bancárias para os clientes (Sopa Images/Getty Images)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 2 de novembro de 2021 às 09h35.

Última atualização em 10 de novembro de 2021 às 23h11.

Não resta dúvida que a oferta pública inicial (IPO) do Nubank, uma operação global na Nyse (EUA), é o evento do ano. Daria para dizer da década, se ela não estivesse no começo e se o mundo não estivesse se transformando tão rapidamente. Aqui no Brasil, serão negociados BDRs nível III — cada qual equivalente a 1/6 de uma ação ordinária.

Será o grande teste dos novos paradigmas e formas de avaliação da economia digital, sem legado e totalmente direcionada ao cliente. O Nubank costuma dizer — e reforça isso na documentação da oferta e, inclusive, em uma carta dos fundadores — que não quer apenas clientes, quer fãs. O sucesso da fintech brasileira, que agora começa a se espalhar pela América Latina, é caso de estudo até mesmo nos cursos da reputada universidade de Stanford.

Se a demanda for suficiente para que todas as ações sejam vendidas, incluindo lotes adicional e suplementar, a oferta do banco pode alcançar R$ 22,2 bilhões, o equivalente a quase US$ 4 bilhões, pelo câmbio usado no prospecto da transação (R$ 5,61 por dólar). Nesse cenário, um grupo de acionistas vai embolsar conjuntamente R$ 2,55 bilhões, ou menos de US$ 500 milhões.

Os valores consideram o preço intermediário da estreita faixa sugerida para a ação, de US$ 10 a US$ 11. Ainda não foram definidos os potenciais agraciados da ilustre lista de acionistas da fintech — com 48 milhões de clientes, ainda pode chamar desse jeito, será? Tudo que se sabe é que os sócios fundadores não venderão seus papéis. Serão alguns investidores ainda a serem definidos.

O Nubank pretende conseguir do mercado uma avaliação entre US$ 46 bilhões e US$ 51,2 bilhões, do pior ao melhor cenário possível das condições pré-definidas — o que quer dizer, de R$ 258 bilhões a R$ 274 bilhões.

No teto das expectativas, é chegar ao mercado valendo exatamente um Itaú (valor do fechamento da bolsa no fim de outubro) sem ainda dar lucro; ou mais de 3 vezes o Banco do Brasil, avaliado em R$ 87,2 bilhões. Isso sim é disrupção na veia. Sem ainda oferecer retorno na forma de dividendos e sem entregar muito da estratégia de como fará para tanto.

O prospecto da oferta do Nubank dá pistas de como rentabilizar a massa de usuários conquistados, o equivalente a 9 vezes o total existente em 2018 — que eram 5,2 milhões em setembro daquele ano.

Dessa expansão (convenhamos, incrível!), a estimativa é que entre 80% e 90% foi realizada organicamente, ou seja, quase sem custo de marketing.

A definição do preço da oferta está marcada para 8 de dezembro, exatamente seis meses depois de o bando digital ter sido avaliado em US$ 30 bilhões em uma rodada que trouxe para base de sócios ninguém menos do que o oráculo de Omaha, Warren Buffett, com sua Berkshire Hathaway, e fundos nacionais como Verde e Absoluto. Isso em uma lista de acionistas que tem Tiger, Sequoia, Tencent.

A instituição já tinha se superado, no quesito valorização, pois em janeiro deste ano foi avaliada em US$ 25 bilhões. Então, em cinco meses deu um salto de 20% e agora o plano é dar outro de, pelo menos, 50%. Na prática significa que em 2021, o valor do Nubank dobrará, em dólares, para uma economia majoritariamente em reais, inflacionada e com taxa de juros crescente (mas juros altos nunca foram problemas para bancos, não é mesmo!?). E não vai dar para dizer que tudo isso é prêmio de liquidez (pela redução de risco para o investidor que pode entrar e sair da ação quando quiser, diferentemente dos fundos privados que correm perigo de morrer com grandes prejuízos na mão).

A grande aposta

Grandes casas de gestão nacionais estão chegando perto da instituição para entender melhor. As primeiras apresentações começaram ainda em setembro. Ao que tudo indica, os investidores estão se tornando fãs também. Mas sem perder a racionalidade. Fazer os fundos nacionais pagarem US$ 50 bilhões não será assim tão simples. Embora o planejamento e a execução encantem, os gestores nacionais ainda não têm certeza de que o valor é adequado.

E quem tem? O desafio desse IPO, segundo esses gestores ouvidos pelo EXAME IN, é exatamente esse: o mundo novo. Se fossem olhar apenas para os bancos tradicionais, considerando uma instituição sem legado, sem ativo fixo e com grande engajamento, é possível dizer que sim.

Mas há uma grande questão que ainda ninguém tem a resposta definitiva: quanto da riqueza dos modelos tradicionais a nova economia vai manter e quanto será transferido em benefícios para os clientes, ou seja, para os consumidores. E a dúvida não diz respeito apenas ao Nubank. O material da oferta dá destaque à informação que o banco estima ter gerado R$ 18,6 bilhões em economia para os clientes com tarifas bancárias. Em contrapartida, calcula que suas despesas administrativas por usuário — só por não ter milhares de agências e um quadro gordo de funcionários — são em média 85% menores que dos bancões comerciais.

O próprio Nubank afirma, no prospecto, que não espera obter de seu cliente a mesma receita que as grandes instituições financeiras. “Estimamos que a receita média mensal por cliente de varejo ativo para bancos incumbentes no Brasil foi 10x maior que a nossa nos seis meses findos em 30 de junho de 2021. Embora nós talvez não venhamos a atingir esses patamares de receita média por cliente (RMPCA) uma vez que a grande maioria de nossos produtos não tem cobrança de tarifa, acreditamos que podemos aumentar significativamente a nossa RMPCA mensal ao longo do tempo ao  capturar uma participação maior no uso dos nossos atuais produtos pelos nossos clientes e oferecer aos nossos clientes novos produtos”, diz o Nubank.

O banco digital relata que seu custo de aquisição de cliente (CAC) foi da ordem de US$ 5 dólares, nos nove meses encerrados em setembro de 2021. “Com base em pesquisas internas e informações públicas, acreditamos que o nosso CAC é um dos mais baixos entre as empresas de tecnologia financeira (“fintechs”) no mundo”, diz o prospecto da empresa, mas sem oferecer dados comparativos.

A receita média por usuário foi de US$ 4,90 no terceiro trimestre. Para os clientes ativos que possuem cartão, conta e empréstimos pessoais, variou de US$ 23 a US$ 24 nesse período. O Nubank diz ser capaz de obter retorno positivo com os clientes após o primeiro ano dele na base, e seguir expandindo a margem de cada qual.

O banco apresenta números sobre como multiplica, a cada ano que passa, o valor gerado por cliente. Os usuários obtidos em 2017, por exemplo, hoje dão origem a uma receita 6,3 vezes a do ano inicial da adesão. Para quem chegou no ano passado, o múltiplo já estaria em 4,2, de acordo com o prospecto.

É essa realidade que os investidores gostam. Mas, ainda assim, têm dúvidas. Nenhum grande questionamento sobre estratégia ou engajamento, a questão é quanto isso vale. O Nubank diz que 35,3 milhões de seus clientes estavam ativos no terceiro trimestre, ou seja, fizeram ao menos uma transação mensal. Eles geraram juntos uma receita líquida de R$ 2,5 bilhões no terceiro trimestre, 198% a mais do que do que no mesmo intervalo de 2020

Já que o Itaú é a comparação, só no segundo trimestre de 2021, o lucro líquido foi de R$ 6,5 bilhões ou 2,6 vezes a receita do Nubank, com um retorno sobre patrimônio de quase 19%. Sobre a vida digital, o banco diz que o total de contas abertas cresceu 23% na comparação anual entre o segundo trimestre de 2021 e o de 2019 e que 54% delas foram iniciadas de maneira totalmente eletrônica — o que significa que 4,7 milhões de pessoas abriram conta na instituição totalmente pela internet no período.

A filosofia

O Nubank quer provar sua filosofia de cuidado com o cliente com um presente: um BDR a todos os usuários elegíveis (com contas ativas e sem débitos pendentes com a instituição). Um total equivalente a R$ 180 milhões — podendo chegar a R$ 225 milhões, ou menos de 0,1% de seu valor de mercado projetado para o IPO — foi reservado para essa espécie de “doação”.

Cada BDR equivale a 1/6 de uma ação — e a faixa indicativa de preço para o recibo brasileiro varia de R$ 9,35 a R$ 10,29.

A iniciativa lembra a da Telebrás, nos tempos estatais, em que um telefone fixo era um investimento capaz de gerar aluguel de linha. As teles davam ações por linhas adquiridas, o que gerou um tremendo e complicado legado para conviver no pós-privatização (além de enormes e custosos processos judiciais).

No caso do Nubank, a ideia é impulsionar o Nuinvest, a plataforma de investimento. Mas não se habilitar a abrir uma conta de investimento, mas for elegível, terá sua posição cuidada pela instituição por 12 meses.

Aqui, cabe colocar alguns números em perspectiva: a B3 tem hoje cerca de 4 milhões de contas abertas para negociação direta no mercado. No prospecto, o Nubank afirma que 5,1 milhões de seus clientes, pouco mais de 10% do total, tiveram na instituição ou sua primeira conta bancária ou seu primeiro cartão. Agora, provavelmente, terão sua primeira ação. A campanha para informar os usuários já começou e uma coleção de emails tem sido disparada.

A banco digital afirma, quando o assunto são os fatores ambientais, sociais e de governança (ESG), que seu objetivo é unir "lucro e propósito".

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