À espera de uma nova era: funcionário prepara palco para posse do democrata Joe Biden, 46º presidente dos Estados Unidos (Kevin Lamarque/Reuters)
Graziella Valenti
Publicado em 26 de janeiro de 2021 às 17h38.
Última atualização em 26 de janeiro de 2021 às 21h53.
Tudo bem que, quando o assunto é mercado, a velha máxima de que o passado não garante o futuro tem que estar na cabeça. Mas quem resiste, né? Qual investidor não gosta de um retrovisor? Com início da gestão do democrata Joe Biden nos Estados Unidos, a curiosidade do momento é saber se a bolsa americana vai bem — ou melhor — com democratas ou republicanos.
A primeira parte da resposta é simples. Na dúvida, fique com Warren Buffet. Pelo menos, é praticamente isso que a fotografia do quadro a quadro por mandatos aponta a respeito do S&P 500 nos últimos quase 70 anos.
Na assembleia virtual da Berkshire Hathaway de 2020, em plena pandemia e bem antes do rally de recuperação, o oráculo de Omaha apresentou todas suas dúvidas, toda a nebulosidade do cenário e seus desafios, para então abordar sua única certeza: “never bet against America”. Nunca aposte contra a América.
O primeiro olhar do gráfico de barras dessa matéria mostra que desde o primeiro mandato de Dwight Eisenhower, em 1953, apenas três gestões presidenciais terminaram com um acumulado negativo no desempenho do S&P 500, composto tanto por empresas da Nyse como da Nasdaq.
Por ser um indicador tão abrangente quanto o S&P 500, é quase como dizer sempre há companhias crescendo e lucrando — ou, pelo menos, na maior parte do tempo. É quase o sonho americano em barras.
E vale pontuar que das três gestões negativas, as duas de George W. Bush abrigam nada menos do que o ataque às torres gêmeas do World Trade Center, em 2001, toda campanha anti-terrorismo nos anos seguintes, e ainda a crise de 2008, do subprime (alguém ainda lembra o que é isso?).
Mas, com alguns segundos a mais de observação, é possível perceber que os três mandatos com melhor desempenho são de governos democratas: a primeira temporada de Barack Obama, seguida pelas duas de Bill Clinton. O resultado é ligeiramente surpreendente, uma vez que existe uma tendência de se acreditar que os republicanos são mais liberais e, portanto, pró-mercados, além de abertos e favoráveis ao comércio global, inclusive.
Considerações sobre exceções sempre haverá. O gráfico é para ser curioso e não uma tese de doutorado. “Eu acredito que, de forma geral, os mercados superestimam os republicanos e subestimam os democratas”, comenta Maurício Moura, economista do Instituto de Pesquisa IDEIA, que tem parceria com a EXAME. “No fim das contas, não se sustenta que republicanos são melhores para os mercados.”
O economista aponta que o desempenho da bolsa acaba mostrando correlação com a situação de solvência do próprio governo e, portanto, do país. “Os democratas demonstram uma gestão melhor da relação entre a dívida pública e o produto interno bruto (PIB).”
O endividamento americano vem subindo ano após ano. Mas, dentro dessa trajetória, há diferenças. E o controle maior acaba se apresentando nas administrações democratas, diante das circunstâncias vividas a cada um dos governos.
É claro que cada administração tem uma campanha e um momento econômico para dar conta, com suas peculiaridades, mas no fim das contas, na opinião de Moura, o fator mais predominante na reação do mercado é mesmo a surpresa positiva.
A constatação também é que nem sempre os republicanos são mais abertos ao comércio internacional como deveriam ser, pelo discurso liberal. “O nível do protecionismo no governo Trump foi altíssimo.” De forma simples, a questão, de acordo com o economista é que os democratas não são tão radicais como pensam as pessoas e os mercados.
Olhar o passado pode não servir para garantir o futuro, mas a história sempre deveria ajudar a entender o presente. Sendo assim, o Brasil segue trabalhando contra a lógica. A liquidez vem se sobrepondo como fator propulsor dos mercados, uma vez que a situação fiscal do país piorou profundamente em 2020. O déficit primário do país ficará próximo de R$ 850 bilhões ao fim do ano passado, comparado a R$ 62 bilhões, em 2019. O Índice Bovespa fechou 2020 em alta de 2,92%, apesar dos pesares, e segue renovando as máximas nesse começo de 2021.