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Nos conflitos do Oriente Médio, a 'ordem do caos' favorece o Irã

Teerã se fortaleceu com milícias regionais e age nas sombras para deter a modernização da região, diz especialista: “o caos, por si, representa uma vitória”

Irã é o sétimo maior produtor de petróleo do mundo e financia grupos como o Hamas e o Hezbollah (Lisi Niesner/Reuters)

Irã é o sétimo maior produtor de petróleo do mundo e financia grupos como o Hamas e o Hezbollah (Lisi Niesner/Reuters)

Luiz Anversa
Luiz Anversa

Repórter colaborador

Publicado em 15 de abril de 2024 às 11h29.

Última atualização em 15 de abril de 2024 às 11h54.

Os ataques do Irã contra Israel no final de semana trouxeram muitas dúvidas e uma certeza. As dúvidas estão relacionadas aos próximos passos. Vai haver retaliação à retaliação? Como ficam Rússia, Estados Unidos e China? E qual o impacto na Ucrânia e em Gaza?

Já a certeza é a confirmação de que o Irã é um elemento gerador de caos, com tentáculos em cada uma das crises do Oriente Médio nos últimos 45 anos.

Foi a primeira vez que Teerã disparou de seu território mísseis em direção ao território israelense. A ação foi uma resposta dos iranianos a um ataque de Israel contra uma representação diplomática iraniana na Síria. Os israelenses ainda não definiram que tipo de resposta darão à ofensiva iraniana, embora a reação calma de investidores nesta segunda-feira sugira que uma escalada é o menos provável dos desdobramentos.

O papel do Irã no Oriente Médio desperta o interesse e a atenção de especialistas. Uma das vozes a serem ouvidas é Suzanne Maloney, vice-presidente do Brookings Institution e diretora de seu programa de Política Externa. Maloney é especialista em Golfo Pérsico e já foi consultora tanto de democratas quanto de republicanos sobre como lidar com o regime dos aiatolás.

Em artigo publicado na Foreign Affairs, ela afirma que o Irã tem uma política externa voltada para o que chama de "ordem do caos".

Desde 1979, o país tem visto o caos e a volatilidade, seja internamente ou nas proximidades, como uma oportunidade de promover seus interesses e sua influência. Até mesmo a invasão do Irã pelo Iraque em 1980 foi vantajosa para a teocracia, pois reuniu apoio interno para a nova ordem em Teerã, proporcionando a oportunidade de construir um forte setor de defesa nacional e permitindo que o regime sobrevivesse.

Um exemplo mais recente está na crise na Faixa de Gaza. Desde a tomada pelo Hamas em 2007, o Irã tem sido o principal patrocinador do grupo. A região é alvo de incursões militares de Israel desde os ataques do Hamas em outubro passado. Ataques esses patrocinados pelo Irã, segundo a especialista.

O apoio inclui tecnologia militar, inteligência e até US$ 300 milhões por ano em assistência financeira. O Irã forneceu drones e foguetes, bem como infraestrutura e treinamento para ajudar o Hamas a construir suas próprias armas para continuar atacando Israel por vários meses após o ataque inicial.

Maloney afirma também que o Irã tomou medidas explícitas para elevar seu perfil diplomático após o 7 de outubro. Dias depois do ataque do Hamas, o presidente iraniano Ebrahim Raisi falou diretamente por telefone pela primeira vez com o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, e em novembro participou de uma cúpula regional em Riad. Sempre é bom lembrar que o Irã, xiita, e a Arábia Saudita, sunita, são rivais regionais históricos.

O Irã se fortaleceu bastante também quando tornou-se aliado de primeira hora do grupo terrorista libanês Hezbollah. Estima-se que Teerã continua a fornecer ao Hezbollah de US$ 700 milhões a US$ 1 bilhão por ano em apoio, e o grupo continua sendo o principal ator social, político e militar no Líbano.

Um dos principais componentes da estratégia do Irã em sua vizinhança tem sido o cultivo de um "eixo de resistência", uma rede de milícias regionais com estruturas discretas, interesses sobrepostos e vínculos com as instituições religiosas e de segurança do país.

Essas milícias aumentaram rapidamente as atividades hostis contra as forças israelenses e americanas na região depois dos últimos ataques em Gaza. Essas ações causaram bem mais de cem baixas entre os membros do serviço militar dos EUA.

Os houthis, grupo armado apoiado pelo Irã que governa grande parte do Iêmen, atacaram navios que navegam no Mar Vermelho, fazendo com que o trânsito pelo Canal de Suez caísse 50% nos dois primeiros meses de 2024.

A recente ofensiva iraniana sobre países da região, que inclui apoio aos atentados do Hamas em Israel, tem um timing calculado. Aconteceu no momento em que Arábia Saudita e Israel estavam para estabelecer relações diplomáticas, deixando para trás uma rivalidade histórica. Era uma das prioridades da política internacional do presidente americano Joe Biden.

É, também, uma aproximação que encontra eco na abertura econômica e social do regime saudita, que moderniza sua economia para além do petróleo. Socialmente, passou a permitir que mulheres dirijam e ocupem cargos de liderança em estatais, além de investir bilhões na atração de jogadores de futebol para o torneio local. O país sediará até a Copa do Mundo em 2034.

O Irã segue fechado como sempre, e vem dobrando a aposta no caos, como aponta a pesquisadora. Há quem diga que a guerra em Gaza é um interregno numa inevitável abertura e modernização da região. Maloney diz que isso dependerá de uma atuação mais contundente do governo americano.

"Nenhuma potência mundial, para além dos Estados Unidos, tem capacidade militar e diplomática para frustrar as ambições mais destrutivas do Irã, gerindo o conflito em espiral entre Israel e o Hamas e contendo as suas consequências mais devastadoras a longo prazo", escreve. Para o Irã, a situação é mais confortável. "O caos por si só representa uma vitória".

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