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No xadrez da consolidação dos hospitais, o Mater Dei é comprador

Rede nascida em Minas põe o pé no freio na expansão de leitos, mas não descarta M&As: transações transformacionais, com entrada em novas praças, podem ser feitas em parceria, diz o CEO José Henrique Salvador

José Henrique Salvador, CEO: Aposta em dados e inteligência artificial para chegar  modelos de ganha-ganha com as operadoras (Arte/Exame)

José Henrique Salvador, CEO: Aposta em dados e inteligência artificial para chegar modelos de ganha-ganha com as operadoras (Arte/Exame)

Natalia Viri
Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Publicado em 23 de maio de 2024 às 07h12.

Última atualização em 23 de maio de 2024 às 10h34.

Considerada o hospital de referência em Belo Horizonte e região há mais de 40 anos, o Mater Dei fez um movimento agressivo de expansão após seu IPO em 2021, saindo de três para nove hospitais em quatro estados, com quase 2500 leitos de capacidade.

O movimento incluiu a entrada em praças como Salvador, Feira de Santana, Belém e Goiânia, além mais hospitais na região metropolitana de BH e Uberlândia, sempre com o DNA que consagrou seu sucesso na capital mineira: hospitais de qualidade, que possam servir de polo para os principais planos de saúde.

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Agora, num mundo pós-pandemia e de juros mais altos, com as operadoras transferindo suas margens pressionadas – e por vezes negativas – para os prestadores de serviços, a companhia da família Salvador vem colocando o pé no freio, de olho na rentabilidade.

O foco é a integração dos hospitais que têm em carteira, aumento da utilização da capacidade que já tem instalada e expansão de receitas via oferta de novos serviços e agregação de mais médicos de referência à sua rede.

“Digo isso para os investidores de forma muito transparente: gostaria que as planilhas não ficassem embutindo abertura de leitos”, afirma José Henrique Salvador. Ele é neto do fundador José Salvador Silva e assumiu como CEO da rede em novembro do ano passado, em substituição ao seu pai, Henrique, após um longo e planejado plano de sucessão.

No melhor estilo mineiro, a ordem é ir com parcimônia, sem sacrificar margens e rentabilidade em prol de crescimento de curto prazo: “Estamos fazendo um trabalho para trazer eficiência para os leitos que a gente tem, senão perdemos a mão em termos de linhas de custo que são importantes.”

No entanto, com um balanço ainda relativamente confortável – com alavancagem em 1,9 vez seu EBITDA –, o Mater Dei não descarta fusões e aquisições, num momento em que diversos players estão colocando hospitais à venda.

Num setor em que escala e posicionamento em ativos estratégicos dão o nome do jogo, a empresa está atenta a oportunidades que possam aparecer.

Compras mais pontuais, para fortalecer os hubs em que já atua, podem ser feitas com recursos próprios. E movimentos mais transformacionais, marcando a entrada em outras regiões, podem acontecer em parceria com investidores estratégicos ou financeiros.

“Na época do IPO, flertamos bastante com a possibilidade de fazer uma transação privada. E mantivemos ótimos relacionamentos com players que querem se posicionar na área de saúde, que gostam do nosso modelo e que gostariam de estar próximos caso identifiquemos algum ativo interessante, integrável e que tenha um valuation adequado”, diz o CEO.

O foco continua sendo em hospitais de referência – em um cenário em que o posicionamento premium tem sido cada vez mais crucial para conseguir poder de barganha com as operadoras.

O que posso dizer é que você não vai ver a gente indo para a aquisição de um hospital que seja o terceiro ou quarto de alguma região. Outros que fizeram esse movimento talvez tenham um pouco mais de dificuldade, porque quanto o paciente e a operadora vão escolher, eles escolhem outros parceiros mais relevantes naquela praça”, afirma.

O último grande investimento anunciado pela Mater Dei foi a entrada em São Paulo – um dos mercados onde a competição é mais brutal no país –, em um hospital a ser construído no bairro de Santana, na Zona Norte de São Paulo, em parceria com a Bradesco Saúde.

Com capacidade de 200 a 300 leitos, o hospital será construído pela holding mobiliária do Bradesco, que depois vai locar o imóvel para a joint venture – ela ficará responsável por equipamentos, hotelaria e equipe.

A Mater Dei entra como operadora, e a Bradesco Saúde já garante o credenciamento, oferecendo uma alternativa para os seus clientes num bairro que hoje carece de atendimento mais qualificado. O hospital também atenderá outros planos de saúde.

No mercado, por muito tempo, especulou-se que Bradesco Saúde e Mater Dei pudessem fazer uma parceria mais ampla, para fazer frente principalmente ao avanço de Rede D’or depois da compra da SulAmérica.

Uma joint venture entre a Rede D’or e o Bradesco para construção de outros hospitais em São Paulo e no Rio de Janeiro, no entanto, jogou um balde de água fria na tese, mostrando que a Atlântica, rede de hospitais do banco, está mais agnóstica em relação aos parceiros.

“O Bradesco é nosso parceiro de longa data e está credenciado em todos os nossos hospitais. Admiramos muito o grupo e a admiração é mútua, mas não tem nenhum tipo de tratativa nesse sentido”, afirma Salvador, quando questionado se poderia haver alguma parceria na forma de equity do Mater Dei.

Em Minas... e além

Num mercado com poucas inaugurações de novos hospitais, o Mater Dei está prestes a colocar na rua sua nova unidade, em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte. Trata-se de um hospital menor, de 120 leitos, de altíssima qualidade focado num público classe A.

“É uma região em que recebemos apenas 4% dos pacientes e tem complementariedade grande com o Mater Dei Santo Agostinho e o da Contorno”, afirma Salvador.

A inauguração vem num momento em que a rede começa a entregar os resultados de suas outras expansões greenfield. A primeira delas veio há cinco anos, com um hospital em Betim, também próximo a BH. Hoje, 40% dos leitos estão abertos e a ‘rampagem’ tem sido relevante desde o fim do ano e começo de 2024.

“Esse hospital está crescendo bastante e sendo responsável pelo crescimento de receita relevante na região”, diz o CEO.

Outra incursão do zero veio na praça de Salvador – uma das principais apostas do Mater Dei. A unidade foi inaugurada em 2022, com 356 leitos e um centro médico associado, numa região com um mercado endereçável de 400 mil vidas em que há uma competição relevante com a Rede D’Or.

“Mais do que um hospital é um centro integrado em saúde, pois entendemos que era importante criar um ecossistema para o médico atender suas consultas, fazer suas cirurgias, passar o tempo dele junto à instituição”, diz Salvador.

Hoje, todas as principais operadoras da cidade são credenciadas, com exceção da Sul América (da Rede D’or). A unidade já deu breakeven operacional, com números cada vez “mais animadores” em termos de EBITDA.

“O Mater Dei Salvador tem tudo para ser um dos nossos principais hospitais em termos de faturamento e margem”, aponta o empresário.

Do estica-e-puxa ao ganha-ganha

Num momento em que os planos de saúde estão com pressionados por uma disparada na sinistralidade, o Mater Dei não passou alheio à maior pressão de capital de giro que atingiu os prestadores de serviço via aumento das glosas – atendimentos performados que são negados ou questionados pelas operadoras – e prazo de pagamento mais estendido.

No primeiro trimestre, a receita cresceu 11% e chegou ao patamar recorde de R$ 583 milhões. Mas, com margens mais espremidas, o EBITDA avançou menos, 6%.

“Para poder dar um resultado rápido em termos de custo, as operadoras começaram a levantar bastante a barra da burocracia no relacionamento com o hospital e isso nos pegou de surpresa”, aponta Salvador. “Agora estamos mais preparados e esperançosos que tenhamos chegado a um platô no nível de glosas.”

Enquanto o mercado de planos de menor tíquete médio têm caminhado para a verticalização da cadeia – vide e Hapvida e afins –, a aposta do Mater Dei é numa parceria com os planos de saúde para controlar custos em ambos os lados.

“Queremos criar condições para as operadoras possam crescer em número de vidas. Uma coisa que temos que sempre ter em mente é que, para a gente crescer, o nosso mercado endereçável [de pessoas com planos de saúde] também tem que crescer.”

Nesse sentido, o Mater Dei tem saído cada vez mais do modelo fee por service, em que o hospital apenas passa a conta do atendimento, para novos modelos de remuneração que dão mais previsibilidade para a fonte pagadora.

Na época a abertura de capital, 91% da receita vinha de fee for service. Hoje esse patamar caiu para 50%, com a outra metade correspondendo a modelos como o de diária global, em que o hospital cobra valores fixos por determinados tipos de procedimento e internações.

No hospital de Salvador, um dos mais novos do grupo, novos modelos de remuneração já respondem por 95% da receita.

“Costumo brincar que a nossa diária global é ‘sem embrulho’, ou seja, sem surpresas que aparecem na hora de fechar a conta e tiram a previsibilidade do pacote”, afirma.

Inteligência artificial

Para garantir o controle de margens num cenário de pacotes mais ‘engessados’, o Mater Dei apostou forte em precificação, com a aquisição do controle de uma empresa de dados e inteligência artificial, a A3Data, ainda em 2021.

“Fomos muito cuidadosos na concepção da diária global, com modelos que calculam o nível de utilização da nossa equipe, das nossas unidades, e dão uma curva de risco de determinados pacientes para que possamos ser propositivos em relação aos modelos que funcionam para ambos os lados”, aponta.

O acompanhamento é constante e dinâmico, sem buscando alinhar incentivos. “Por exemplo: se uma equipe está ávida por incorporar uma tecnologia, mas ela não se mostrou custo eficiente, não tem medicina baseada em evidência, nosso incentivo é não incorporar.”

Nessa mesma linha, ainda em parceria com a A3Data, o Mater Dei lançou uma assistente virtual de atenção primária chamada Maria, com o objetivo de atacar uma das principais fontes de custo dos planos: as idas desnecessárias ao pronto-atendimento.

Antes de ir ao pronto-socorro, o paciente relata seus sintomas ao aplicativo, um chatbot que responde automaticamente às queixas, fazendo uma triagem do que pode ser resolvido em casa, com uso de medicamentos básicos sem prescrição ou um simples repouso, e o que realmente precisa de avaliação ou atendimento de urgência.

Uma equipe médica sempre fica de prontidão, acompanhando as recomendações. O piloto começou com as 5 mil vidas do próprio Mater Dei, que opera num modelo de autogestão em saúde para seus funcionários. “O nível de resolutividade é altíssimo, de 80% dos casos, com o NPS [índice de satisfação, de 0 a 100] de 95”, conta o CEO.

A ideia é passar o app para os planos que tem credenciamento com os hospitais da rede.

Liquidez – e recompra

Após duas rodadas de fortes reajustes dos planos de saúde, Salvador acredita que as pressões de margens para os prestadores de serviços, com hospitais, devem começar a se normalizar nos próximos trimestres.

“Eles não conseguiram fazer o ajuste pelo custo, e foram pela via da receita, que é o que dava para fazer no momento. Não é uma solução ótima, mas deve dar algum alívio na sinistralidade no curto e médio prazo”, aponta.

Apesar de avaliar M&As, com uma queda de 30% nos últimos 12 meses e com a ação negociando próxima da mínima histórica, o Mater Dei vem aproveitando para recomprar suas próprias ações.

E não vê espaço para atacar uma das principais queixas dos investidores: a baixa liquidez dos papéis. O free-float da companhia é de apenas 20%; os 80% restantes estão nas mãos das famílias Salvador (73%) e Porto Dias (7%), dona da maior rede hospitalar da região Norte, que leva seu sobrenome, adquirida em 2021.

“Nesse valor, mais do que pensar num follow-on, estamos focados em proteger o papel e, de certa forma, até aumentar a exposição da família ao Mater Dei, de tanto que acreditamos nesse negócio.”

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