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No resultado histórico da BRF, efeito cíclico ou mudança estrutural?

Volta ao lucro e à geração de caixa no quarto trimestre tiveram efeito da queda do preço milho e melhora no mercado internacional, mas mercado se divide sobre ganhos de eficiência da nova gestão

BRF: Ações sobem mais de 120% em 12 meses  (SOPA Images/Getty Images)

BRF: Ações sobem mais de 120% em 12 meses (SOPA Images/Getty Images)

Publicado em 27 de fevereiro de 2024 às 13h10.

Após anos lutando contra um ciclo ruim, com preços de grãos pressionados e mercado com sobreoferta de frango, a BRF entregou um quarto trimestre histórico, com o primeiro lucro em dois anos e – finalmente – voltando a gerar caixa após 13 trimestres consecutivos de queima.

Com uma alta de quase 130% em 12 meses, a grande questão agora para entender o futuro da companhia é o quanto dessa melhora vem do efeito cíclico e o quanto pode ser atribuído a uma mudança estrutural após a entrada da Marfrig como acionista relevante – e mais recentemente, como controladora inconteste, com mais de 50% das ações.

O quarto trimestre é tradicionalmente o mais forte da companhia, com as vendas natalinas, e a queda nos preços do milho e melhora no mercado internacional contribuíram para as margens – no que vem sendo considerado um dos melhores cenários para proteína de frango em muito tempo.

“O (CEO Miguel) Gularte vem fazendo um trabalho grande de eficiência operacional, cujo resultado não aparecia tanto no balanço por conta do efeito péssimo do ciclo do frango no fim de 2022 e na primeira metade de 2023”, aponta um gestor da Faria Lima que tem uma posição relevante na BRF.

“Agora, com a virada de ciclo, esse efeito vai ficar mais claro e forçar o mercado a ajustar as contas.” O papel sobe hoje mais de 7%, na segunda maior alta do Ibovespa.

Hoje, o consenso aponta para R$ 6 bilhões em EBITDA para 2024, um número que deve ser revisado para cima com o resultado que veio cerca 10% acima das projeções para o quarto trimestre.

Nesse número, a BRF vem sendo negociada na Bolsa a 6 vezes o EBITDA, um valuation considerado esticado por boa parte do sell side, que, em sua maioria, tem recomendações neutra e de venda para o papel.

Para o gestor comprado em BRF, no entanto, o consenso leva em conta apenas o efeito do ciclo positivo e ainda não computa melhora estrutural de eficiência na companhia.

Nas suas contas, o EBITDA deste ano deve ficar um pouco acima dos R$ 7 bi, o que levaria o valuation para algo mais próximo das 5 vezes/EBITDA – com potencial para mais altas.

“O mercado ainda não colocou na conta o fato de que agora essa é uma empresa de dono, que tem um direcionamento maior e que está atacando as ineficiências históricas da companhia”, pondera outro investidor que construiu posição em BRF ao longo do ano passado.

Até 2016, nos anos dourados da BRF sob a gestão Tarpon, a companhia negociava com prêmio em relação a outras empresas de proteína, a cerca de 8 vezes EBITDA basicamente sob a visão de que era uma empresa de alimentos processados, capaz de entregar valor agregado.

Anos de muita confusão sobre os rumos da companhia e uma Operação Carne Fraca depois, a teoria caiu por terra e a BRF voltou a ser negociada ao sabor do vai-e-vem das commodities – com o agravante de perda de share para a Seara, da JBS, e uma dívida elevada que levou a companhia a sucessivos prejuízos.

Um aumento de capital de R$ 5,4 bilhões liderado pela Marfrig e pelo fundo saudita Salic em meados do ano passado deu alívio do lado financeiro.

Mas, além disso, desde que assumiu a companhia, em agosto de 2022, Gularte vem implementando o que chamou de Programa BRF+, com iniciativas de eficiência ao longo de toda a cadeia -- de pequenas mudanças no ciclo de produção, com redução no tempo de engorda e abate das aves, a melhora na política de compra de grãos e redução no nível de estoques.

“Não teve uma bala de prata. São pequenas mudanças aqui e ali e especialmente uma mudança de cultura”, diz um investidor comprado na empresa.

A direção sinalizou que o programa entregou R$ 525 milhões em eficiência, o que representa 28% do EBITDA gerado no quarto tri.

Ver para crer

O sell side, por ora, segue do lado mais conservador. “A direção mencionou melhoras em vários KPIs com relação a níveis de serviço, logística, e yields que sugerem que a BRF hoje é uma empresa muito mais eficiente, mas a falta de base de comparação apropriada dificulta saber o quanto isso contribuiu de fato”, escreveu a equipe do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME) em relatório.

A margem bruta aumentou 5,6 pontos percentuais no quarto trimestre, para 22,1%, em parte por aumento de preços e em parte por redução no custo unitário de produção, que caiu 9% na comparação anual. A margem EBITDA no Brasil foi a melhor em três anos, e a margem no segmento internacional, de 11,1% foi a mais alta em cinco trimestres.

Do lado negativo, as despesas gerais e administrativas cresceram 4 pontos percentuais como proporção da receita, chegando a 16,2%, o maior patamar dos últimos três anos.

O BTG também ainda quer sinais mais claros do lado da geração de caixa.

“O retorno à geração de caixa livre depois de trezes trimestres certamente é uma razão para comemorar, mas acreditamos que a BRF precisa de mais antes de poder cantar vitória”, ponderaram os analistas Thiago Duarte e Henrique Brustolin.

“O indicador no segundo semestre (depois do follow-on) foi de apenas R$ 297 milhões, no que ainda continua uma dívida elevada e a despeito de um capex mínimo.”

O Goldman Sachs, que tem uma sonora recomendação de venda, calcula que, no ano, a queima de caixa ainda foi de quase R$ 500 milhões. (A casa é uma das mais pessimistas do mercado em relação ao papel por conta do valuation que julga esticado e calcula que ele está negociando na casa das 7 vezes EBITDA.)

Na teleconferência com investidores, o CFO Fabio Mariano sinalizou que um EBITDA anual na casa dos R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões é suficiente para levar a BRF a uma geração de caixa positiva. Nas contas do gestor comprado em BRF, esse número é mais conservador, de R$ 4,5 bilhões.

De toda forma, com um ano que deve ser favorável para o ciclo, com preços mais deprimidos do milho e estoque já formado a preços baixos, mesmo o consenso de R$ 6 bilhões já é capaz de garantir caixa positivo.

Para o BTG, com um valuation caro, especialmente considerando a relação entre preço e lucro, o espaço para ganhos da ação ainda é limitado a menos que a BRF mostre que pode ir além dos 12% a 13% de margem EBITDA atuais.

“Esperamos ouvir mais sobre a próxima fase do programa de eficiência ou se a BRF consegue voltar a crescer de maneira mais consistente”, escrevem os analistas.

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