Bruxa solta na bolsa: fundos de ações têm resgate e vendem ações na bolsa (Nilton Fukuda/Agência Estado)
Graziella Valenti
Publicado em 1 de novembro de 2020 às 19h28.
Outubro está prometendo ser mesmo o mês das Bruxas para os gestores de fundos de ações. Dados da Anbima apontam que a categoria tem resgate acumulado de 39 milhões até o dia 27. Não é muito, é verdade. Mas, se os três últimos dias úteis do mês não colocarem a conta no azul, será o primeiro mês de resgate em uma sequência positiva — e que sequência! — de 24 meses, até setembro.
O resultado do mês ficou no vermelho somente no próprio dia 27, após a retirada de 68 milhões de reais. Entretanto, já dava para ver que o ânimo dos aplicadores estava decaindo rapidamente. O pior mês de captação dessa categoria nesse período foi o mês de abril, quando a entrada líquida ficou em 800 milhões de reais. Nas carteiras multimercados, o saldo de outubro ainda é positivo no mês, mas nada brilhante, pois está positivo em apenas 1,6 bilhão de reais.
O saldo de investimentos líquidos no mercado secundário da bolsa vai nessa mesma direção: os institucionais domésticos registram vendas líquidas de 7,2 bilhões até 28 de outubro. É o movimento vendedor de maior força dos fundos nacionais neste ano, disparado.
O efeito prático no mercado quando há mais vendedores do que compradores, todos sabem qual é: os preços caem. O Índice Bovespa terminou o mês em 93.952 mil pontos. Embora a pontuação represente quase estabilidade em relação à setembro, com leve queda, o indicador havia novamente rompido a barreira dos 100 mil pontos.
O oráculo do mercado brasileiro fez seu alerta na carta mensal do Fundo Verde. "Não é por capricho que as reações dos preços de ativos, câmbio, juros e bolsa, são extremamente fortes quando o governo dá mostras de querer abandonar a única âncora que segura toda a sustentabilidade da dívida, que é o Teto de Gastos públicos", destacava a carta da gestora de Luis Sthulberger no começo do mês.
A preocupação com a economia interna somada ao temor de uma segunda onda de covid, com o crescimento de casos na Europa, acenderam a luz amarela em muitos investidores. Ainda que as taxas de mortalidade estejam muito mais baixas do que no auge da pandemia na região, o que assusta é o aumento na quantidade de países que estão adotando medidas de restrição de circulação — o grande drama para a economia.
Há uma questão que pode ter contribuído para o resultado negativo dos fundos e também para as vendas de ações na bolsa: o início da permissão para que pequenos investidores apliquem em BDRs de companhias estrangeiras, ainda que a liberação tenha começado mesmo apenas no dia 22. A demanda reprimida já era evidente. Mas a apreensão com o cenário doméstico ajudou a tornar o mundo lá fora interessante.
Antes mesmo que a B3 ajustasse a cotação unitária dos papéis, assim que o acesso ao varejo foi permitido, os papéis já bateram recorde de negociação. Na média eram feitos 1.060 negócios com esses papéis antes da permissão dada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e na estréia da liberação foram registradas mais de 31.000 transações.
Curiosamente, a entrada de investidores estrangeiros no mercado secundário é a mais forte do ano, com saldo líquido positivo de 3,1 bilhões de reais até o dia 28 — totalmente na mão oposta dos gestores locais. Nem em setembro, quando o BNDES vendeu diretamente na bolsa 8 bilhões de reais em ações, o resultado líquido dessa classe de investidor foi tão bom. O saldo de retiradas acumulado no ano estava em 65,7 bilhões de reais.
Ainda que faça resgates, o apetite do pequeno investidor para aplicar diretamente no mercado ainda relativamente parece firme. O saldo da movimentação estava positivo em 1,9 bilhão de reais até a quarta-feira passada. A pandemia promoveu um descolamento entre a captação dos fundos e a aplicação direta. Em março, por exemplo, auge da volatilidade no Brasil, os pequenos investidores compraram mais de 17 bilhões de reais em ações diretamente na B3 — esse é o saldo líquido. Enquanto os fundos de ações captaram 8,7 bilhões de reais naquele mês.
Aqui, o raciocínio vale principalmente para explicar o volume de vendas de ações pelos fundos no mercado secundário. No mês de outubro, as ofertas públicas de ações movimentaram nada menos do 20 bilhões de reais. Sem dinheiro novo entrando na mesma velocidade, restou aos gestores a opção de realizar algumas posições no mercado para aplicar nas novatas.
Além de estréias de Séquoia, Grupo Mateus e Track&Field na bolsa, duas grandes operações subsequentes foram realizadas: a oferta de venda da posição do BNDES em ações da Suzano, que chegou a quase 7,5 bilhões de reais, e a oferta global da Natura &Co (de esforços restritos no Brasil), que absorveu 4,5 bilhões dos investidores nacionais.