Trump e Huang: aproximação gerou bons frutos para ambos (Wikimedia Commons/Montagem/Exame)
Repórter
Publicado em 6 de novembro de 2025 às 07h49.
O ano era 2017. No começo de seu primeiro mandato, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se aproximou de uma série de empresários americanos. Um deles, à época, era Tim Cook, CEO da Apple, que ficou conhecido no mercado como “o sussurrador” por sua capacidade de engajar diretamente com o presidente por meio de telefonemas, reuniões e anúncios estratégicos.
Em 2025, com a reeleição do republicano, tudo — dessa vez — parecia caminhar para uma amizade duradoura entre ele e o CEO da Tesla, Elon Musk. A parceria entre ambos, que convergiu também ao âmbito politico e passou por períodos de crises em apenas seis meses, foi ofuscada por outro magnata da tecnologia e fundador da empresa que em outubro se tornou a mais valiosa do mundo: Jensen Huang, da Nvidia, fabricante de chips que alcançou a marca de US$ 5,1 trilhões em avaliação de mercado.
A amizade no começo parecia improvável. Em julho deste ano, Trump contou uma anedota sobre seus conhecimentos prévios em relação à Nvidia: eles eram nulos. "Que diabos é Nvidia? Nunca ouvi falar dela antes", teria dito o presidente há alguns meses em uma conversa. Segundo Trump, o plano inicial era desmembrar a empresa até que um investidor o alertou sobre sua importância. Não demorou muito para a ideia ser reconsiderada.
"Pensei que poderíamos entrar e meio que desmembrá-los um pouco, criar um pouco de concorrência", disse Trump. "E descobri que isso não é fácil nessa área. Eu disse: 'Suponha que reunamos as mentes mais brilhantes e elas trabalhem juntas por alguns anos.' [o investidor] me disse: 'Não, levaria pelo menos dez anos para alcançá-lo se ele administrasse a Nvidia de forma totalmente incompetente daqui para frente.' Então eu disse: 'Tudo bem, vamos para a próxima.'"
O investidor, que não foi identificado, estava correto. A maioria das estimativas do mercado coloca o market share da Nvidia em mais de 90%, ainda mais em tempos de altos investimentos e procura de inteligência artificial (IA). Quando se trata de IA e aprendizado de máquina, as GPUs (chip especializado em processamento paralelo de dado) são componentes essenciais. A Nvidia e Huang — e agora Trump, que em todo caso, é um homem de negócios — sabem bem disso.
O primeiro encontro entre Trump e Huang foi realizado oficialmente no começo deste ano, em um momento crucial para os interesses comerciais e geopolíticos dos Estados Unidos.
De um lado, Trump ameaçava uma política tarifária incisiva a outros países, incluindo sanções à China, território importante para as exportações da Nvidia.
Do outro, Huang tentava apaziguar os ânimos de olho em manter as vendas em alta no país. No ano fiscal de 2023, as exportações chinesas foram responsáveis por 21,45% da receita total da empresa. Em 2025, o número já caiu para 13,11%.
Ciente do impacto dessas restrições no futuro da Nvidia e na posição dos EUA na corrida global por liderança tecnológica, Huang adotou uma abordagem estratégica. Durante o encontro, ele defendeu a importância de manter as exportações para a China, não apenas para a continuidade do crescimento da Nvidia, mas também para garantir que os Estados Unidos se mantivessem competitivos na área de IA.
Huang ressaltou que a abertura do mercado chinês era vital não só para sua empresa, mas para o avanço da inovação tecnológica americana, argumentando que restringir o comércio prejudicaria o próprio ecossistema de tecnologia dos EUA, dando uma vantagem indevida a rivais internacionais.
Com sua capacidade de persuadir e sua abordagem pragmática, Huang conseguiu cativar a atenção de Trump, que teria começado a perceber a complexidade da situação.
Huang explicou, então, que as vendas de chips de IA não comprometeriam a segurança nacional, mas, ao contrário, ajudariam os Estados Unidos a manter sua posição de liderança global em tecnologia. Ele também assegurou que a Nvidia tomaria as precauções necessárias para proteger os interesses de segurança dos EUA, ao mesmo tempo em que manteria a competitividade da indústria americana no mercado global.
Após essa reunião e com o lobby de Huang, Trump reconsiderou sua posição e, com o apoio de seus conselheiros, decidiu reverter as restrições à Nvidia, permitindo que a empresa retomasse suas exportações de chips para a China.
Desde então, a relação de Trump e Huang é regada de elogios. Trump passou a definir o bilionário que até então não estava em seu radar como "um líder brilhante" e um exemplo "do que a América pode alcançar quando incentivamos a inovação e apoiamos nossos empreendedores”.
Jensen Huang, da Nvidia: bilionário tem motivos de sobra para comemorar em 2025 (VCG / Colaborador/Getty Images)
Huang, por sua vez, agradeceu o presidente sobre suas políticas industriais que permitiram à Nvidia expandir as operações e reconheceu que, sem o apoio das políticas de "America First", que visam valorizar e beneficiar companhias americanas, a Nvidia não teria conseguido escalar tão rapidamente, especialmente no setor de manufatura de semicondutores. "O trabalho incansável de Trump para revitalizar a indústria americana foi fundamental para a Nvidia", afirmou Huang.
Para Dan Ives, da Wedbush, Huang “se encontra em uma posição muito forte para navegar no cenário político... [pois] existe apenas um chip no mundo impulsionando a revolução da IA, e é o da Nvidia”. “Huang se tornou uma figura global e assumiu um novo papel político devido ao seu sucesso na revolução da IA”, disse o analista em entrevista à CNBC.
A mudança de postura foi vista como uma vitória estratégica para ambos. Huang, com a aproximação do presidente americano, garantiu a continuidade do crescimento da Nvidia, enquanto Trump consolidou sua posição como defensor dos interesses econômicos dos Estados Unidos, especialmente no setor de tecnologia e inovação.
Mesmo assim, o presidente dos EUA enviou um recado: os melhores chips da Nvidia ficam em território americano e não podem ser exportados para outros países, como a China.
2025 tem sido um ano de bonança para a Nvidia. Em julho, a empresa se tornou a primeira do mundo a ser avaliada em US$ 4 trilhões. Depois, outras companhias como Microsoft e Apple chegaram à avaliação recorde. Não que isso preocupe a Nvidia: em outubro, a empresa deixou as outras comendo poeira ao alcançar os US$ 5,1 trilhões em market cap.
A ascensão meteórica da Nvidia foi impulsionada pela explosão da IA, com suas GPUs se tornando peças centrais na revolução do setor. Reconhecidas como o padrão da indústria para o treinamento e execução de modelos de IA, suas placas de vídeo são agora essenciais para desenvolvedores que criam softwares adaptados especificamente à arquitetura da Nvidia. O domínio na infraestrutura de IA gerou uma demanda massiva, que, por sua vez, alimentou o crescimento exponencial da empresa, segundo analistas do mercado.
A Nvidia também expandiu suas parcerias estratégicas, formando alianças com outras empresas conhecidas pelo mercado, como a Nokia, para o desenvolvimento de soluções 6G, e garantindo contratos governamentais para a construção de supercomputadores para o Departamento de Energia dos Estados Unidos.
O entusiasmo pelo crescimento da IA também resultou em um dos aumentos mais rápidos no valor das ações de uma empresa de tecnologia. Em 2025, as ações da Nvidia já acumulam alta de mais de 50%.
Elon Musk e Donald Trump: parceria teve altos e baixos em menos de seis meses (Kayla Bartkowski / Equipe/Getty Images)
Mas antes de Huang entrar na cena com seus chips e suas GPUs, outro bilionário tinha a atenção irrestrita de Trump. Elon Musk, o homem mais rico do mundo e CEO de companhias como X (antigo Twitter), Tesla e SpaceX, foi uma figura-chave no segundo mandato de Trump — mesmo que por menos de um semestre.
Engana-se quem pensa que tudo começou somente em 2024, durante a corrida eleitoral dos EUA. A relação entre Trump e Musk, na verdade, teve início logo após a vitória do republicano nas eleições de 2016, quando ele fez questão de convidar os principais líderes da tecnologia para reuniões na Trump Tower.
Musk, em particular, se destacou como um dos primeiros a se engajar de maneira proativa com a nova administração, aceitando convites e mantendo um diálogo constante sobre o futuro das indústrias tecnológicas. Embora sua postura em relação ao presidente fosse mais pragmática do que ideológica a princípio, Musk sabia como aproveitar seu status e influência para alinhar seus interesses com as políticas de Trump, especialmente no que dizia respeito à energia renovável e à exploração espacial.
Trump, por sua vez, admirava a capacidade de Musk de transformar ideias visionárias em empreendimentos reais e de alto impacto. A Tesla e a SpaceX se tornaram símbolos de inovação para Trump, especialmente no que se referia a seu foco em renováveis e à capacidade da SpaceX de impulsionar a indústria espacial americana. Musk foi capaz de influenciar políticas que favoreciam suas empresas, principalmente por meio de sua habilidade de navegar em questões de regulação e financiamento federal.
Um dos maiores pontos de alinhamento foi em relação à exploração espacial. A SpaceX, de Musk, se tornou um parceiro importante do governo dos EUA, e fechou contratos valiosos com a Nasa e com o Departamento de Defesa para desenvolver e operar lançamentos espaciais.
Em 2025, a relação entre os dois passou por um ciclo intenso de aproximação e separação. Musk desempenhou um papel central no início do segundo mandato de Trump, mas sua parceria com o presidente começou a deteriorar por discordâncias políticas e pessoais.
No início do ano, a relação parecia promissora.
Musk ocupava um cargo no governo de Trump, atuando como funcionário especial no Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês). Trump o elogiava publicamente, chamando-o de um dos maiores líderes de negócios e inovadores do mundo.
Mas não demorou para as rachaduras aparecerem. Logo em março, a relação começou a apresentar sinais de atrito quando Trump limitou publicamente a autoridade de Musk em questões de cortes de empregos em agências governamentais. Isso gerou tensões internas, e o distanciamento parecia iminente.
A separação oficial aconteceu em maio, quando Musk anunciou sua saída do governo, pondo um ponto final em sua função temporária. Embora Trump tenha elogiado publicamente a contribuição de Musk, o clima de colaboração foi quebrado por uma crescente insatisfação de Musk com a administração.
Em particular, Musk passou a criticar duramente o "Big Beautiful Bill", um projeto de lei controverso de Trump, que ele considerava inflacionário e ineficiente. A crítica pública foi o estopim para um conflito crescente entre os dois.
O atrito se intensificou ainda mais em junho, quando Musk utilizou seus perfis nas redes sociais para atacar o projeto de lei de Trump, incitando uma pressão significativa contra sua aprovação.
Trump respondeu chamando Musk de ingrato e ameaçou até cancelar os contratos governamentais da Tesla e SpaceX. A situação se agravou quando Musk acusou Trump de estar envolvido nos “arquivos Epstein” e anunciou a formação de um novo partido político, o “America Party”, que seria uma plataforma de oposição direta a Trump.
Em julho, a relação entre Musk e Trump atingiu o ponto mais baixo. Musk anunciou publicamente o lançamento de seu novo partido e se opôs enfaticamente a Trump. Trump, por sua vez, usou seu perfil no Truth Social para criticar Musk, mas, em uma tentativa de suavizar a situação, expressou o desejo de que Musk e suas empresas prosperassem. O confronto público seguiu, mas Trump tentou minimizar os danos, chamando o episódio de um “momento estúpido” entre velhos aliados.
A reconciliação começou a se desenhar em setembro, quando Musk e Trump se encontraram no serviço memorial do ativista Charlie Kirk. Durante o evento, Trump fez comentários positivos sobre a visita de Musk e descreveu o momento como uma conversa amistosa. Ambos apareceram em fotos juntos, sinalizando o fim da disputa pública e o início de uma reaproximação. .
Em outubro, Trump declarou em uma entrevista que agora tinha uma boa relação com Musk e considerava o conflito recente como "algo desnecessário".
Tim Cook, da Apple, e Trump: CEO foi um dos primeiros a se aproximar do presidente dos EUA (MANDEL NGAN / Colaborador/Getty Images)
No paraíso de Trump, muito antes de chips e carros elétricos, havia uma maçã.
A gigante Apple, por muito tempo, ocupou um lugar especial para o presidente dos Estados Unidos. A relação entre Trump e Tim Cook, CEO da Apple, começou de forma pragmática, mas logo se transformou em uma das mais estratégicas do cenário tecnológico e industrial dos Estados Unidos.
Quando Trump assumiu a presidência pela primeira vez em 2017, ele já sabia que a Apple, com sua enorme capacidade de influência, seria uma peça chave em sua agenda econômica.
Logo após a eleição de Trump em 2016, Cook foi um dos primeiros executivos de tecnologia a parabenizá-lo, e se envolveu em reuniões com o presidente, tentando influenciar suas políticas comerciais e industriais.
A Apple, com sua imensa cadeia de produção no exterior, especialmente na China, viu-se em uma posição delicada, dado o foco de Trump em reduzir o déficit comercial e promover o “America First”. Por isso, Cook, com seu estilo diplomático e pragmático, buscou maneiras de alinhar os interesses da Apple com as políticas de Trump, ao mesmo tempo que defendia a manutenção das operações globais da empresa.
A relação entre Trump e Cook, inicialmente mais fria e focada em questões econômicas, foi crescendo ao longo dos anos.
Trump, que sempre teve uma visão forte sobre a recuperação da manufatura americana, encontrou em Cook um aliado de peso. Cook, por sua vez, reconheceu que a administração de Trump poderia ser uma oportunidade para a Apple expandir sua presença nos Estados Unidos, especialmente no campo da produção de chips e dispositivos eletrônicos.
Com isso, a Apple começou a aumentar seus investimentos em fábricas e plantas nos EUA, como o Mac Pro em Austin, Texas, uma jogada estratégica que agradou diretamente a Trump e sua agenda industrial.
Mas foi em meio a esse cenário de colaboração e crescimento que surgiram as tensões. As tarifas de Trump sobre produtos importados da China, especialmente os componentes eletrônicos, começaram a afetar diretamente a Apple, que dependia fortemente do país asiático para a fabricação de seus dispositivos.
Para lidar com isso, Cook teve que negociar incansavelmente com Trump, garantindo isenções para a Apple e outras vantagens fiscais, ao mesmo tempo em que defendia a necessidade de uma cadeia de produção global para manter a competitividade.
Em 2025, o relacionamento entre Trump e Cook alcançou um novo nível de proximidade. Cook, agora mais envolvido do que nunca nas políticas de Trump, passou a elogiar publicamente suas iniciativas para revitalizar a manufatura americana, alinhando as metas da Apple com a visão de Trump de um país mais industrializado e autossuficiente.
Por outro lado, Trump reconheceu o papel da Apple no fortalecimento da economia dos EUA e elogiou a empresa por manter empregos e investimentos no país.
É possível afirmar que, embora parcerias entre CEOs de tecnologia e Trump já existam há alguns anos, 2025 foi o ano em que a tecnologia, a política e a economia se entrelaçaram de forma decisiva.
A ascensão de Huang e da Nvidia trouxe uma nova perspectiva para o futuro da América, enquanto as relações com Musk e Cook, embora complexas e pontuadas por crises, reforçaram a ideia de que, no mundo de hoje, as parcerias estratégicas podem ser tanto volúveis quanto essenciais.
"A Nvidia, líder mundial em design de chips de IA, passou (por ora) de principal alvo a principal influenciadora dos controles tecnológicos dos EUA. A pergunta agora é: até quando isso vai durar?", questionou Reva Goujon, diretora da empresa de research Rhodium Group, em relatório.