Natura &Co: seja qual for futuro da marca butique Aesop, objetivo é que traga recursos para holding (Germano Lüders/Exame)
Graziella Valenti
Publicado em 10 de novembro de 2022 às 17h52.
Última atualização em 10 de novembro de 2022 às 18h14.
O balanço da Natura &Co (NTCO3) trouxe tudo que o mercado esperava: melhora contínua na operação da América Latina, especialmente com a marca Natura, esforço para manutenção de margens dentro de uma conjuntura de inflação, e pressão na última linha devido ao ambiente global de juros e aos desafios com Avon Internacional e The Body Shop. Mas, no atual cenário de volatilidade de bolsa, a confirmação das expectativas tem gerado desempenho ruim nos mercados. Não espanta, portanto, que as ações hoje tenham buscado uma nova mínima de preço desde a incorporação da Avon, chegando a ir para baixo de R$ 12 (R$11,82 foi a mínima no intraday). A companhia, que já valeu mais de R$ 80 bilhões, estava estagnada nos R$ 20 bilhões, agora vai se afastando — para baixo — desse patamar. Há pouco, as ações caíam pouco menos de 5,5%, com a empresa avaliada em R$ 17,5 bilhões.
Vale ponderar que até Grupo Soma e Arezzo tiveram dias negativos na B3, mesmo após confirmaram as expectativas — e positivas — para seus respectivos resultados. Mas só surpresa boa e grande faz ação subir no mercado atual. No caso de Natura &Co, em que confirmar expectativas significa reiterar o ambiente de pressões de curto prazo, a força da queda é ainda maior.
Como os investidores já sabem que não é do balanço, neste momento, que virão novidades de “inverter o humor”, aguardam mais assertividade sobre o plano para a nova Natura &Co, que não se vê mais como uma plataforma global de marcas de cosméticos e higiene a qualquer custo. E, sobre isso, há poucas definições — afinal, trata-se de uma reorganização que está apenas no início de seus estudos.
Fabio Barbosa, que assumiu em junho o comando da Natura &Co para coordenar essa revisão de projeto e tamanho da holding, ainda não tem as respostas para acalmar os investidores como eles gostariam. Mas, nesta quinta-feira, 10, em conversa com jornalistas, trouxe pontos importantes.
O caminho sobre como destravar valor para Aesop não está definido, mas seja qual for, é para gerar riqueza também para a holding Natura &Co. E essa é uma ênfase nova e importante. Estão na mesa uma oferta pública inicial (IPO) da companhia australiana, como subsidiária da holding brasileira, ou seu spin off, com uma oferta em bolsa na sequência, conforme anúncio feito em outubro. Nessa segunda opção, o que ficou mais claro hoje nas declarações de Barbosa é que existem caminhos de se fazer isso sem que a geração de valor seja exclusiva para os acionistas da Natura &Co.
Num IPO de subsidiária, a Natura &Co segue com Aesop debaixo de seu guarda-chuva. Para a holding brasileira monetizar a operação, basta vender parte de sua fatia no IPO e colocar dinheiro em seu caixa — além de uma emissão primária poder enriquecer a conta bancária da própria Aesop. Já em um spin off, se ele fosse integral, o valor destravado com a marca americana iria direta e exclusivamente para o bolso dos acionistas da Natura &Co. Cada investidor da holding brasileira, receberia ações da Aesop e, pronto, ela seria uma empresa que sai do portfólio e tem vida totalmente independente.
Barbosa foi enfático hoje aos jornalistas: “O spin off não precisa ser integral. Há formas de garantir que a Natura &Co também receba recursos.” Trocando me miúdos o ‘financês’, significa que parte das ações da Aesop podem ser distribuídas diretamente aos acionistas da holding e parte ficar na empresa para gerar liquidez para o caixa com a venda em mercado. “Nosso negócio não é de capital super intensivo, mas queremos que a Aesop consiga ter recursos para crescer. E também queremos que a Natura &Co ganhe dinheiro com isso, para fortalecer suas demais operações.”
A marca australiana é, há diversos trimestres consecutivos, a de melhor desempenho, com maior crescimento, margem e ainda espaço para mais expansão. Até o fim deste ano, a Aesop vai estrear na China. No terceiro trimestre, a receita da marca cresceu 9%, para R$ 603 milhões. Para efeito de comparação, a The Body Shop teve queda de 30%, e a Avon Internacional, de 20%.
Apesar de ter feito toda uma gestão dos passivos após a compra da Avon, com emissão de novas dívidas e captação de recursos com ações (R$ 8 bilhões em 2020), os desafios operacionais estão deixando os investidores mais apreensivos com o peso da dívida. A Natura & Co terminou setembro com R$ 8,8 bilhões em dívida líquida, um aumento de 30% em 12 meses. Essa alta é fruto de um aumento dos compromissos totais e também da redução do caixa.
No terceiro trimestre, a companhia teve prejuízo de R$ 560 milhões, ante um lucro de R$ 305 milhões em igual período de 2021. Para além dos desafios operacionais, pesa muito na última linha o aumento das despesas financeiras, com o cenário de juros globais mais altos. As despesas financeiras líquidas aumentaram mais de 90% na comparação anual, saindo de R$ 293 milhões para R$ 564 milhões.
Reorganizar a holding Natura &Co e garantir reforço de liquidez, portanto, não parece nenhuma má notícia. Ainda que não seja um anúncio ou decisão objetiva, a direção ficou mais clara.
O prejuízo da Natura &Co na última linha do balanço começa a ser explicado nos desafios da receita. No consolidado, a receita líquida do grupo recuou 5,7%, para R$ 9 bilhões — em uma combinação de desafio de vendas e também de ajustes de moedas dos diversos mercados de atuação. Tem aí a dificuldade da The Body Shop com retomada de vendas pós-pandemia e os problemas da Avon Internacional, incluindo até mesmo os efeitos na Rússia e na Ucrânia com a guerra. No Brasil, as notícias são boas. Mas a Natura &Co, no projeto de marcas global, está exposta a muitas economias. Só a Avon Internacional está presente em mais de 40 países.
Para completar, o cenário inclui pressão de custos que comprimem as margens. O lucro bruto caiu mais do que a receita: 7,4%, para R$ 5,77 bilhões. Mas não quer dizer que o trabalho de enxugamento da holding não esteja em andamento. Todas as linhas de despesas trouxeram redução, mas existe ainda o gasto com a transformação do negócio — o único que aumentou, de R$ 100 milhões para R$ 162 milhão na comparação anual.
Barbosa foi claro em afirmar que o esforço da Natura &Co nesse momento, como holding, é buscar esse enxugamento das despesas e essa análise sobre quais mercados priorizar. Ou seja, como fazer cada negócio ser melhor. Como, por exemplo, a mudança de modelos de lojas da The Body Shop para uma versão "workshop" para retomar movimento e ampliar vendas.
E, que, enquanto isso, todas as oportunidades estão sendo avaliadas. A companhia não adota como discurso oficial a possibilidade de venda da The Body Shop. Não há decisão sobre isso, nem banco contratado em nada nessa direção. Contudo, fontes próximas à empresa admitem que sim, dentro do processo de revisão do plano e papel da Natura &Co, o futuro da rede de origem britânica está sendo analisado dentro de variadas possibilidades.
Se no consolidado geral, a Natura &Co mostra diversos desafios, a operação na América Latina traz algum alívio, aos olhos dos analistas. A receita líquida da região somou R$ 5,77 bilhões, com alta de 4,4%. Em moeda constante, considerando as desvalorizações de diversas economias da região, a expansão é de 10,2%. No Brasil, a Natura, sozinha, avançou 19,3% (a companhia não divulga valores absolutos), com um aumento de 21,4% na produtividade das consultoras. Já a operação da Avon teve queda de 1,4%, mas é reflexo da decisão estratégica de sair gradualmente do segmento de moda e casa, que recuou 26,5% na comparação anual. Considerando apenas cosméticos, a Avon teve aumento de 11% nas vendas.
A partir de agora, João Paulo Ferreira, presidente da Natura &Co, para América Latina contou que começam os trabalhos para a "segunda onda" da combinação com Avon, após o processo de revitalização e reposicionamento da marca na região, junto com as sinergias industriais. "É a fusão total", disse ele a jornalistas. A ideia é que a força de vendas seja totalmente unificada. Ou seja, as revendedoras poderão oferecer aos consumidores produtos de ambas as marcas, Avon e Natura. Em 2023, esse trabalho vai acontecer no Brasil, no Peru e na Colômbia.
O processo é visto de maneira salutar por analistas. De acordo com o executivo, os trabalhos serão realizados sobre a plataforma da Natura, que há anos está em um processo de digitalização e de reforço do social selling. Alguns investidores acreditam que é só a partir dessa integração que a verdade sobre a aquisição surgirá: que tamanho e potencial têm a Avon de verdade para a Natura &Co.
Mas, por onde quer que se olhe, o que o grupo vai demandar dos investidores é paciência. Em um ambiente de alta volatilidade, está explicada uma boa parte da perda de valor da companhia.
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