Loja Natura: companhia é o ícone da revitalização do mercado de capitais brasileiro (Germano Lühders/Exame)
Graziella Valenti
Publicado em 1 de outubro de 2020 às 03h28.
Última atualização em 1 de outubro de 2020 às 10h34.
Próxima de seu maior valor já alcançado na B3, em torno de 65 bilhões de reais, a Natura &Co dará seu passo mais ousado no mercado de capitais desde que inaugurou a revitalização da bolsa brasileira em 2004. A companhia fará uma oferta global de ações para levantar mais de 6 bilhões de reais ou mais de 1 bilhão de dólares. Os recursos serão usados para crescimento, para o projeto de sustentabilidade 2030, com destaque para a agenda “Carbono Zero”, e para digitalização e integração da Avon.
É a primeira oferta pública de ações da Natura &Co para se capitalizar, ou seja, para atrair dinheiro novo para seu caixa — embora, a terceira venda pública de papéis. Em maio, a empresa realizou uma emissão privada de ações no total de 2 bilhões de reais, dos quais 500 milhões de reais foram aportados pelos sócios fundadores, no maior investimento já realizado pelo trio Antonio Luiz Seabra, Guilherme Leal e Pedro Passos desde a criação do negócio.
O Morgan Stanley será o coordenador líder da oferta e o sindicato de bancos incluirá ainda Bank of America (Bofa), o Bradesco BBI, Citigroup e Itaú BBA.
O movimento é para lá de emblemático. A Natura &Co é o símbolo da revitalização do mercado de capitais brasileiro. E também de como uma empresa nacional pode se tornar uma transnacional em um dos mercados mais competitivos do mundo, com uma postura de empresa sustentável desde a largada — quando o máximo que se falava sobre meio-ambiente era sobre o buraco na camada de Ozônio. Hoje, reúne as marcas The Body Shop, Aesop e Avon, além da própria Natura, com atuação em mais de 100 países.
Desde a sua oferta pública inicial há 16 anos, quase 190 outras companhias abriram capital na bolsa, agora B3. A companhia já realizou duas outras ofertas públicas — o IPO, em 2004, e mais uma outra, em 2009. Ambas foram para vendas de ações pelos acionistas, ou seja, secundárias, e não representaram a entrada de dinheiro novo no negócio.
A companhia acumula mais 15 anos de pregão. Nesse intervalo, de Natura Cosméticos virou Natura &Co. A diferença? Simplesmente, a empresa entrou para o hall das gigantes no setor de higiene e beleza após comprar ninguém menos do que a centenária Avon, por meio de uma operação envolvendo troca de ações.
A Natura que chegou à bolsa em 2004 era um negócio avaliado em 8 bilhões de reais e com receita líquida anual de menos de 5 bilhões de reais (em valores atualizados pelo IGP-M). A agora Natura &Co, além de ser hoje sete vezes maior em capitalização, tem receita líquida anual superior a 30 bilhões de reais, desde a compra da Avon.
Mas esse passo é justamente um dos maiores testes que a empresa vai enfrentar para sua cultura de negócios. Enquanto a Natura é uma marca associada aos valores da sustentabilidade, da responsabilidade social e que se provou totalmente aderente à cultura digital do mundo pós-pandemia, a Avon é hoje uma companhia com marca e processos internos desatualizados e produtos idem.
Os investidores tradicionais e de longo prazo da Natura &Co estão de olho justamente nos avanços dos indicadores da Avon, uma vez que já são convictos da execução sobre a marca Natura.
No balanço do segundo trimestre deste ano, a companhia surpreendeu o mercado, especialmente com uma demonstração de que há crescimento possível não apenas nos projetos internacionais, mas dentro do Brasil. A receita líquida do grupo caiu 5,7%, para 14,5 bilhões de reais no consolidado de janeiro a março de 2020. Somente no país, a marca Natura teve crescimento de 8%. A dívida líquida da companhia ao fim de junho estava em 10,6 bilhões de reais, equivalentes a 3,6 vezes o ebitda de doze acumulados no período.
A oferta da Natura &Co chega em um momento no qual o mercado tenta alcançar um equilíbrio. Diversas empresas tiveram de abaixar o preço de suas vendas de ações para conseguir realizar seus IPOs, ao mesmo tempo em que algumas boas histórias, aderentes ao que os investidores mais procuram, ainda conseguem vender seus papéis no topo do preço sugerido — como foi o caso da Boa Vista, que estreou ontem na B3.
Cresce o número de companhias que estão preferindo deixar para depois a tentativa de vender seus papéis na bolsa. Para companhias que unem tradição e novos projetos, como a Natura, a janela segue aberta? É o que esta nova oferta vai revelar.