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"Não há segunda onda de mortalidade por Covid", diz especialista

Dados organizados pelo Instituto Estáter mostram que óbitos semanais na Europa e nos Estados Unidos estão abaixo de 3% pico de abril

Teste do coronavírus: dados de novos positivos na Europa estão em 25% do pico, quando havia provável subnotificação (Andressa Anholete/Getty Images)

Teste do coronavírus: dados de novos positivos na Europa estão em 25% do pico, quando havia provável subnotificação (Andressa Anholete/Getty Images)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 26 de agosto de 2020 às 14h16.

Estudar os dados e estatísticas sobre países e regiões que convivem com a reabertura das atividades sociais há diversas semanas traz alentos sobre a pandemia. Notícia boa mesmo, só se o vírus magicamente sumisse. Mas, no mínimo, os dados podem afastar um dos grandes temores. “Até agora, não se vê uma segunda onda que acenda sinal amarelo em países que acompanhamos.” É o que afirma Pércio de Souza, fundador da butique Estáter, de fusões e aquisições. Desde que a pandemia começou, o Instituto Estáter tem se dedicado a organizar informações do mundo todo sobre a doença, vício da formação de engenheiro de Souza, com objetivo de entender melhor a forma como o novo coronavírus afeta a sociedade.

As novas alentadoras estão nas estatísticas da contaminação e disseminação da doença, e especialmente da mortalidade. No pico da curva, entre o fim de março e o início de abril, o número de novos positivos registrados em 11 países da Europa Ocidental mais a Escandinávia chegou a 200 mil por semana. A conta reúne os dados de Espanha, França, Bélgica, Alemanha, Itália, Reino Unido, Holanda, Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia. Na semana encerrada em 17 de agosto, esse total era de 90 mil —puxado pela Espanha. Sem a Espanha, seriam cerca de 50 mil novos casos — portanto, 25% do pico verificado. A liberação do convívio por lá começou em meados de maio.

No entanto, o Instituto Estáter sempre preferiu concentrar suas análises nas estatísticas dos óbitos, por acreditar que há mais exatidão nessas informações. Especialmente no começo da pandemia, houve muita subnotificação, pois apenas as pessoas com sintomas de síndrome respiratória aguda grave eram testadas, e os familiares de positivos.

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Os dados sobre mortalidade agora mostram números muito abaixo do período agudo. O total de óbitos por semana nesses 11 países, no auge de abril, ficou em 25 mil durante três semanas consecutivas. Nos sete dias encerrados no dia 24 de agosto, foram 600 óbitos nestes países — portanto, abaixo de 3% do pico.

As semanas de menor registro de novos positivos ocorreram entre início de junho e meados de julho, abaixo de 30 mil novos contaminados na totalidade desses países.

A Espanha e França merecem uma maior investigação.  Na Espanha o pico da contaminação, foi em abril. A média de novos positivos nas semanas de pico chegou perto de 55mil mil, com 28,2 mil novas hospitalizações e 5,4 mil mortes. Agora, nos sete 7 dias encerrados em 24 agosto, a soma de novas pessoas com Covid-19 está perto de 40 mil, porém com apenas 1 mil novas hospitalizações e por volta de 200 óbitos. Comparado ao pico, hospitalizações representam 3,5%, utilização das UTIs 2% e óbitos 2,5%.

Na França, a tendência se mantém.  Apesar dos positivos nos últimos 7 dias em 24 último representarem 50% das semanas de pico, as UTIs representam cerca de 3% do pico e óbitos por volta de 1,5%.

Uma das justificativas, segundo Souza, que tornou especialista no tema, pode ser a diferença de testagem uma vez que no início a doença era verificada apenas nos pacientes com sintomas mais graves e aparentes. Portanto, os indícios são de que o número total de infectados era muito maior do que o registrado.

Especula-se também que na Espanha e França uma parte das novas infecções é explicada pelos jovens do leste europeu que migram temporariamente para trabalhar na indústria turística.  Mas, segundo Souza, caberá aos especialistas o desafio de entender as razões.  O que ele conclui é que não se verifica uma segunda onda em mortalidade pelo Sars-Cov-2 na Europa.

Nos Estados Unidos quando são avaliadas apenas as regiões que já passaram pelo pico do contágio e onde já houve um relaxamento nas restrições para convívio social, também não se vê uma nova onda. Em Nova York, por exemplo, o pico da curva ocorreu na semana encerrada em 13 de abril: o número de novos positivos foi de quase 66 mil, com 6,7 mil óbitos. Na média de agosto, o total de novos contaminados ficou em 4,5 mil por semana, com menos e 100 mortes por semana (1,5% do pico). Em New Jersey segue a mesma linha, com 2% dos óbitos semanais comparados com abril.

Souza alerta para uma confusão recorrente quando o assunto é a Covid-19. “Aquilo que parece segunda onda é a primeira defasada, naqueles estados poupados até então, pelo que se vê até o momento.” Nos Estados Unidos e no Brasil, países com dimensões de continentes, o Instituto Estáter aponta a convivência de curvas muito diversas.

Há um número de estados em que os positivos e os óbitos estão em declínio e outros, nos quais, os números estão em crescimento. “O dado médio de cada país esconde realidades muitos diversas”, diz ele. O que acontece em New Jersey, Massachusetts, Lousiania, New York, Rhode Island e Connecticut é exatamente o oposto do que se vê hoje no Texas, na Califórnia e na Flórida, por exemplo. Nos Estados Unidos, os dados do instituto apontam que as regiões nas quais a curva da doença ainda é crescente representam mais de 70% da população do país. Por isso, os números totais ainda podem se manter elevados por algum tempo.

Muitas regiões, nesses dois países, simplesmente atrasaram o contato com a doença com um confinamento antecipado da população. Dessa forma, o relaxamento traz o contato com o vírus e, portanto, a primeira onda de fato. É o que ele entende que ocorreu, por exemplo, na região Sul do Brasil — enquanto na cidade de São Paulo, por exemplo, os dados são continuamente decrescentes.

Ocidente x Oriente

Com base no que seu esforço estatístico, Souza vem chamando atenção para algumas questões, como a grande diferença do que ocorre no ocidente e no extremo oriente. Enquanto na Ásia (extremo oriente e sudeste) o total de óbitos acumulados a cada milhão de habitantes, em geral, não ultrapassa 30 pessoas, na Europa Ocidental, no Brasil e nos Estados Unidos, a média supera 500. “Não é possível e não é certo, portanto, comparações entre essas regiões”, afirma, de forma enfática. Ainda não foi revelado o motivo de tamanha diferença. Especialistas suspeitam, segundo ele, de que a população dessas regiões possa ter desenvolvido uma imunidade devido à circulação de outros tipos de coronavírus no passado.

O mesmo problema

Ainda que a mortalidade da Covid-19 traga indícios de que esteja em declínio nas regiões em que houve reabertura das atividades sociais, por uma combinação de fatores, os motivos das mortes seguem os mesmos do auge da pandemia, de acordo com dados do Instituto Estáter.

Quando o novo coronavírus estava no pico, entre 79% e 88% das mortes na Lombardia (Itália) e em Londres, duas das regiões europeias mais afetadas, ocorriam fora das UTIs. Passaram-se quase cinco meses desde então. O que se vê hoje nos Estados Unidos, pelos dados acumulados até 10 de agosto, mostra a mesma realidade: nas regiões em que as mortes ainda aumentam, entre 82% e 90% dos falecimentos ainda se dá fora das unidades de tratamento intensivo dos hospitais.

O Brasil não foge à regra. Pelo levantamento do IE, até julho só 20% dos obtidos percorreu todo o ciclo hospitalar, da enfermagem à UTI. O restante foi direto para tratamento intensivo ou não passou pelas UTIs.

Por notar essa questão, o Instituto Estáter vem liderando, junto com a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), uma campanha chamada “Alert(ar)”, que tem por objetivo conscientizar a população para que vá aos hospitais e organizar junto com a Atenção Básica dos municípios um programa de oximetria proativa.

Os trabalhos estão sendo realizados em parcerias com prefeituras, associações e comunidades organizadas. E, visam defender nas unidades de atendimento que os pacientes, em especial aqueles na faixa etária de risco e com comorbidades, sejam acompanhados de perto com medições regulares de sua taxa de oxigênio. Isso porque, quando tratadas no início, antes do agravamento da doença, as pessoas não apenas têm maior perspectiva de cura como também ficam menos tempo nas UTIs quando chegam a esse extremo.

Souza contou que, em Campinas, onde há um projeto piloto em andamento com esse foco de atendimento, será realizado um estudo para demonstra a eficácia desse tipo de acompanhamento. Será o primeiro levantamento a esse respeito no Brasil.

 

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