Felipe Miranda: expectativa de uma postura mais 'ao centro' de Lula, caso vença as eleições, permanece (Empiricus/Divulgação)
Karina Souza
Publicado em 6 de outubro de 2022 às 13h37.
As sucessivas altas da bolsa brasileira pós-primeiro turno não evidenciam uma euforia com os ativos domésticos, mas sim uma correção dos preços em meio à mudança de cenário, segundo Felipe Miranda, fundador e estrategista-chefe da Empiricus. Na visão do executivo, com a surpreendente vitória do bolsonarismo e do conservadorismo no Congresso e a perspectiva de uma política mais ortodoxa, o mercado corrigiu os preços em relação às expectativas anteriores para o primeiro turno. Esses fatores, somados à condição atual dos países emergentes (a Rússia está em guerra, a Índia tem uma relação entre preço e lucro projetada para 20 vezes em 2023, ante seis vezes no Brasil, e a China está uma 'Guerra Fria' com os Estados Unidos) tornam o Brasil um destino de investimentos atrativos "por W.O."
Em entrevista ao EXAME IN, o executivo aprofunda essa análise para um Brasil pós-eleições e afirma quais são as expectativas para investimentos em um cenário internacional ainda bastante amargo, especialmente com a possível recessão na Europa e as sucessivas altas de juros nos Estados Unidos. Veja abaixo os principais pontos da conversa.
Acho que a gente precisa entender, primeiro, de onde estamos partindo. O comportamento do mercado é o de sempre pensar em preço contra cenário. O que está refletido nos preços e como está indo o ambiente geral. O que estava refletido nos preços antes? O Lula como favorito. Poderia ser um “Lula 1”, bom para os ativos de risco, ou “Lula 2”, pior para os mesmos. Além diso, uma baixa probabilidade de vitória atribuída a Bolsonaro também estava na conta.
Quando chega a segunda-feira, o que acontece? Você recalibra essa distribuição de probabilidades. O Bolsonaro, na visão do mercado – não estou aqui fazendo um discurso ideológico – ainda é o candidato preferido. Logo, a possibilidade de ele se eleger aumenta e isso tem de ir para o preço dos ativos. Ao mesmo tempo, com o Congresso mais à direita e governadores mais à direita, a mensagem é a de que claramente houve uma opção da sociedade mais à direita e mais conservadora do que se imaginava, o que também é lido pelo Lula e o força, em alguma instância, a caminhar ainda mais para o centro. Ele já tinha dado alguns passos nisso, com o Alckmin, com o Meirelles, agora com Pérsio Arida, Malan, Armínio…
No fim, dado o preço que a gente estava, acho que faz sentido sim a reação atual do mercado, que estava precificando um risco maior de uma política mais heterodoxa. O Brasil performou muito mal no fim do ano passado então a gente está de alguma maneira muito pra trás em termos de valuation. Não acho que tem euforia, acho que tem um mundo que anda muito mal e o Brasil está ganhando por W.O.
Eu estou vendo a seguinte matriz de probabilidades: se o Bolsonaro for eleito, é um rali atômico de bolsa, porque o favoritismo ainda está com o ex-presidente Lula. Já se o Lula for eleito a gente tem duas probabilidades: o primeiro é o de confirmar a expectativa de uma postura mais ao centro, amparado num Ministério da Economia que vai atuar de forma ortodoxa, com responsabilidade fiscal, com uma âncora fiscal clara. O segundo seria o de abandonar isso e ir mais à esquerda.
Olhando mais para o primeiro cenário do governo Lula, eu acredito que essa seria uma postura muito positiva para os ativos, porque o mercado sempre trabalha com prêmio de risco. Quando a gente sai do “eu acho que será assim” para o “agora está confirmado”, o efeito certeza tem preço. Esse é o caminho que eu espero que aconteça, caso ele seja eleito, com uma caminhada mais ao centro, nomeando nomes mais amigáveis ao mercado em geral, com algumas concessões, é claro, à ala mais radical.
Isso será suficiente para a valorização dos ativos brasileiros, não porque o mercado é ingênuo ou tem uma confiança muito grande nele, mas simplesmente porque o Brasil está muito barato frente à sua média histórica e frente ao resto do mundo, com condições caminhando favoravelmente ao país.
Em relação ao long em Brasil, é resultado de certos méritos domésticos. Objetivamente, o crescimento da economia brasileira tem sido maior do que todo mundo esperava; o desempenho fiscal, mesmo com nossos problemas estruturais, tem sido melhor do que a expectativa; e a gente está numa posição do ciclo econômico que tem vantagem sobre os demais países, porque começamos a subir a taxa de juros muito antes deles. Não que a gente tenha feito algum tipo de mágica, mas simplesmente porque jogamos os juros para 13,75%, logo, se a inflação no ano que vem for de 5% como estamos projetando, estamos falando de um juro real de 8,75%, ainda alto. O mercado projeta queda a partir de março, segundo a curva aqui, o que eu ainda acho cedo, mas acho que os cortes devem vir a partir de junho. E não acho que lá fora a gente veja esse mesmo movimento no meio do ano que vem, o que deixa o Brasil em uma posição privilegiada nesse aspecto. Também acho que a superação do evento “eleição” tira esse bode da sala, esse prêmio de risco associado à eleição.
O Brasil tem essa posição relativa importante também por demérito alheio. É um país complicado, mas se você pensar nos BRICs e lembrar de fundos dedicados exclusivamente a mercados emergentes, o país fica atrativo. Na Rússia não dá para investir, a Índia negocia a 20 vezes lucro, sendo short em comida e em energia, sendo que o Brasil é long nos dois. A China é ditatorial e vive quase uma segunda guerra fria com os Estados Unidos. Então, por exclusão, o Brasil captura esse fluxo de fundos estrangeiros dedicados aos mercados emergentes.
E sobre o ‘short’ lá fora, eu acho realmente que as condições são muito difíceis. Na Europa você tem o Reino Unido numa situação muito delicada, além da crise energética e de grãos e de uma possível recessão. Nos Estados Unidos, essa provável recessão, com uma bolsa que negocia diferente da bolsa brasileira, está cerca de 20% acima da sua média histórica e com prêmio de risco sobre a renda fixa, o equity risk premium em 100 pontos base. Ou seja, o retorno esperado da bolsa é, hoje, 100 bps superior ao retorno esperado da renda fixa, medido aqui pelos títulos do tesouro de 10 anos. Só que isso historicamente é em torno de 3% a 6%. E, mais do que isso, em momentos de recessão esse equity risk premium costuma estar acima da média e ele está abaixo da média. Então, no fim, a bolsa americana além de conviver com múltiplos de preço/lucro acima da média, convive com uma maior atratividade do crédito sobre a bolsa, da renda fixa sobre a bolsa. O que me faz crer que não está atrativa.
No geral a bolsa toda está barata. É claro que tem algumas exceções caras que ficaram ainda muito queridinhas e mesmo que caiam bastante ainda não compensam. Tudo que é múltiplo alto pode ficar de fora, por agora. Papéis como Via, Americanas, Magalu, Rede D’Or, por exemplo. Natura também é outra ação que, por mais que caia, ainda não está barata.
Tem três linhas que a gente gosta particularmente nesse momento. Uma linha é a do “velho clássico”, múltiplo baixo, que envolve commodity e banco, principalmente petróleo. Detalhando um pouco mais, a gente gosta especificamente de 3R e de Petrobras e de Itaú. A segunda linha seria a do setor que a gente chama de ‘quality barato’, que tem Cosan e Iguatemi, por exemplo. E, por último, o outro lado que ainda está um pouco problemático porque o fluxo pra esse cara vem num segundo momento e ele é muito sensível à taxa de juros, são as small e mid caps associadas ao ciclo doméstico. Acho que elas podem andar muito bem, lembrando, é claro, que são ativos de mais risco e é necessário ‘saber onde se está pisando’. Mas essa combinação de três grandes grupos é a nossa estratégia por agora.