Floresta da Suzano: Companhia estuda formas de melhorar comunicação com investidor (Divulgação/Divulgação)
Graziella Valenti
Publicado em 20 de maio de 2020 às 09h10.
Marcelo Bacci, diretor financeiro da Suzano, tomou uma decisão, muitas, na verdade, depois da reação do mercado ao balanço do primeiro trimestre da companhia. Mas essa chama atenção: abrir uma conta do Twitter. O objetivo é poder oferecer uma compreensão, com base em informações públicas, das linhas financeiras da empresa diretamente ao público. “Acredito que quando alguém não entende o que falamos, nós também somos responsáveis. Quer dizer que podemos explicar melhor”, afirmou o executivo ao EXAME IN.
No dia 13, antes do balanço do primeiro trimestre de 2020 ser divulgado, a ação da empresa estava em 50,59 reais. Ontem, quarto pregão desde que os números foram conhecidos, fechou em 41,75 reais. Trata-se de uma queda de 17,5% para quem entregou um crescimento de 22% na receita líquida de janeiro a março, para 6,9 bilhões de reais, e de 10% no Ebitda, para 3 bilhões. O motivo? Expectativa frustrada daqueles que não conhecem o negócio no detalhe — ou pelo menos, a estratégia financeira por trás dele.
O objetivo de Bacci com o Twitter é poder ler o que o mercado lá fala sobre a empresa, para entender o que pode melhorar, e também “dar a cara para explicar”. A visão do executivo é simples: “Temos o dever de estar presente na hora de prover informação de qualidade.”
Com o dólar em alta contínua para lá dos 6 reais, os investidores estão desde o início da pandemia em uma busca desenfreada por companhias exportadoras. A Suzano é uma delas — e das grandes — com quase toda receita dolarizada direta ou indiretamente.
Mas e o lucro para combinar com a melhoria dos dados operacionais? Não teve. Na última linha do balanço da empresa veio anotado um prejuízo líquido de 13,4 bilhões de reais, mais de 10 vezes a perda de 1,2 bilhão de reais do primeiro trimestre do ano passado. A explicação: a despesa financeira líquida somou vultosos 22,4 bilhões de reais, comparado a 1,9 bilhão de reais do mesmo intervalo um ano antes.
As linhas financeiras da Suzano não surpreenderam os analistas que acompanham o negócio de perto. Mas deixaram um rastro de críticas e sarcamos nas redes sociais, incluindo comparações com Sadia e Aracruz — que em 2008 fizeram apostas cambiais alavancadas, desproporcionais as suas receitas e de alto risco. Essas companhias praticamente quebraram e acabaram resgatadas com as aquisições pela Perdigão e pela Votorantim Celulose e Papel (VCP), respectivamente. Até memes com esse paralelo foram feitos com a Suzano.
Assim como outras exportadoras, a Suzano sofreu com o efeito cambial. Companhias com receitas em dólar costumam também ter as dívidas em moeda estrangeira — no caso particular, há parte em reais, mas que é transformada em dólar com contratos de derivativos. Essas operações magicamente fazem com que o risco da dívida, que era em reais, passe a ser o da moeda americana. Isso é feito assim porque a maior parte da receita da companhia é produzida em dólares.
Ocorre na contabilidade que todo estoque dos compromissos financeiros é marcado no balanço pelo dólar do último dia do período — a dívida é uma fotografia. Já a receita e a geração de caixa são capturadas ao longo do tempo e formadas também por contratos de longo prazo — é um filme. Essa é uma das analogias mais usadas para explicar essa diferença.
Para todas as empresas, quanto do efeito cambial tem de impacto real no caixa depende de uma combinação de fatores que incluem o momento do vencimento dos compromissos, as políticas de proteção e a duração da alta da moeda para captura disso na receita também.
Bacci vem tentando explicar que a Suzano teve três efeitos principais para compor a despesa financeira de 22,4 bilhões: 13,2 bilhões da marcação da dívida que já é em dólar na hora de registrar o equivalente em reais nas demonstrações financeiras, 5,7 bilhões de reais desse mesmo efeito sobre os contratos de derivativos cambias da dívida e mais 3,2 bilhões de reais da proteção do fluxo de caixa, com operações chamadas de zero cost collars (ZCC).
“Quem conhece nossa estrutura não se surpreendeu. Não há descasamento dos nossos contratos com nossos fluxos, nem em prazos nem em volumes a pagar”, enfatizou.
Para reagir à situação, a companhia adotará medidas de curto e longo prazo, mas elas não passam por mudar a política financeira, que é assim há anos. “Quando compramos a Fibria, ela também tinha a mesma política. No longo prazo, essa prática protege a geração de caixa da companhia. Não somos operadores de câmbio, somos produtores de celulose e papel.”
Entre as reações mais rápidas, para os próximos trimestres, Bacci disse que a empresa fará notas explicativas — aquelas anotações que são uma espécie de apêndice do balanço — mais detalhadas. No longo prazo, a empresa estuda ter um balanço em dólar para apresentar ao mercado, como faz a Vale, exportadora de minério de ferro. “Fica mais simples de entender tudo. Tira essa volatilidade dos ajustes da moeda do balanço.” A medida, contudo, é complexa para executar, pois exige preparo na contabilidade.
Para que a diferença fique clara: em reais, a dívida líquida da companhia equivale a 6 vezes o Ebitda, mas em dólar, esse indicador cai para 4,8 vezes.
Daniel Sasson, analista do Itaú BBA, explicou que o balanço da companhia foi mal interpretado por quem não conhece a parte financeira das empresas, especialmente de commodities.
Essas companhias têm um negócio muito simples de entender, mas as finanças dão um nó na cabeça de investidores menos familiarizados com o tema. A confusão fica ainda maior quando as empresas não fizeram a comunicação prévia de forma didática. É assim quase sempre que o real passa por ajustes bruscos.
Segundo ele, a Suzano surpreendeu positivamente na parte operacional. Do lado da dívida, o impacto cambial foi negativo, mas já esperado. O especialista enfatizou que mesmo com os contratos de hedge, a Suzano continua se beneficiando do dólar alto. “Só para explicar com extremos: para a empresa é melhor o dólar a 10 reais do que a 2 reais.”
Bacci também vem tentando a mesma catequese: “Se o dólar fosse para 3 reais, a Suzano daria um lucro muito grande, mas o negócio estaria pior de forma geral.”
O que os ZCCs fazem é dar uma previsão para o fluxo de caixa. Eles limitam prejuízos e também ganhos com volatilidade de moeda. “Eles funcionam como uma banda cambial para a companhia”, explicou Sasson. “Mas a alta do dólar continua sendo boa para a companhia.”
Para esse contrato especificamente, a empresa projeta por 18 meses toda geração de resultado em dólar, os custos e despesas em moeda estrangeira, mais os juros e vencimentos das dívidas. Então, faz contratos cambiais que cobrem entre 60% e 75% do saldo excedente em moeda americana, para casar entradas e saídas de recursos. “Se eu cobrisse 50%, me tornaria uma empresa com geração toda em dólar, mas isso não quero porque também tenho custos e despesas em reais. E se eu fizesse para 100%, ficaria totalmente em reais.”
Na apresentação que fez aos investidores, a Suzano demonstrou ao mercado o que acontecerá com os próximos nove meses de 2020 e 2021 se o dólar continuar próximo do intervalo de 5 reais a 6 reais. De abril a dezembro, o impacto no Ebitda pode ser positivo entre 3,8 bilhões de reais e 7,5 bilhões de reais — isso é o volume extra de dinheiro gerado pela desvalorização da moeda nacional. Desse total, de 1,1 bilhão de reais a 1,9 bilhão de reais vão ser de fato caixa a mais na conta bancária.
Para 2021, com o câmbio entre 5 reais e 6 reais, o efeito líquido do dinheiro adicional no caixa vai ser de 3,2 bilhões de reais a 5,8 bilhões de reais.
Na mão contrária, se o câmbio for para 3 reais, a Suzano enfrentará uma queima de dinheiro de 1,2 bilhão de reais neste ano e de 2,5 bilhões de reais no ano que vem. Isso mesmo que o balanço aponte lucro líquido na última linha do balanço.
Quanto mais dinheiro extra a empresa tem, mais rapidamente ela consegue reduzir sua alavancagem, que ficou esticada para os padrões brasileiros desde a compra da Fibria — cujo pagamento incluiu ações e nada menos do que 29 bilhões de reais.
A lição aprendida pela Suzano no trimestre foi de comunicação. A companhia vai investir em maior transparência das informações.
No mercado, o dilema de Sofia que surge vem da procura por companhias exportadoras e expostas à volatilidade cambial de curto prazo. Os investidores querem empresas que saibam arbitrar o dólar a seu favor. “Ué, mas não era isso que Sadia e Aracruz tentaram fazer quando quebraram?”, questionou um gestor de recursos que preferiu comentar o caso anonimamente. "Ganhos altos exigem riscos altos também. Pode ser a escolha do investidor, mas não deve ser a das empresas", completou.